quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vila do Conde e seu Alfoz. Academia de Ciências de Lisboa. «O documento mais antigo, que menciona “Vila do Conde”, data do ano de 953, e é uma carta de venda da mesma vila (prédio rústico) feita no dia 26 de Março daquele dito ano por Flamula ‘Deo-vota’ ao mosteiro de Guimarães, representado pelo abade Gonta, e pela sua dupla comunidade de frades e freiras. Os limites da “Vila de Comite” no século X estão bem explícitos no mesmo diploma»


Cliché de Marques Abreu. Vista do monte de Sant’Ana
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«Vila do Conde é indiscutivelmente na sua origem uma “villa romana”, que, começando por ser um ‘prédio rústico’ de superfície extensa, pela sua situação perto da foz do Ave se transformou no século XIII em uma “povoação urbana”; contudo ignora-se não só o seu nome latino primitivo, mas até quem foi o conde, que na época da reconquista cristã, lhe impôs o nome, como sinal da sua ocupação jurídica, e pelo qual é designada desde o século décimo (Vila de Comite: o conde Mendo Paes Bofinho não podia dar o nome à vila, pois viveu numa época muito posterior; porquanto assina a doação do Burgoi do Poreto feita pela rainha Teresa ao bispo Hugo em 1120).
O documento mais antigo, que menciona “Vila do Conde”, data do ano de 953, e é uma carta de venda da mesma vila (prédio rústico) feita no dia 26 de Março daquele dito ano por Flamula ‘Deo-vota’ ao mosteiro de Guimarães, representado pelo abade Gonta, e pela sua dupla comunidade de frades e freiras. Os limites da “Vila de Comite” no século X estão bem explícitos no mesmo diploma:
  • ‘Quomodo dividet cumn Villa Fromarici et cum Villa Euracini et inde per aqua maris usque in suos términos antiquos ab intecro vobis concedimus cum suas salinas et cum piscarias et ecclesia quae est fundata in castro vocitato Santo Johanne’.
Vila do Conde é limitada ainda, como então, a nascente e norte por Formariz, ‘Fromarici’, e Póvoa de Varzim, ‘Euracini’, pelos outros lados fica o mar e o rio Ave; estes limites são os antigos, “in suos términos antiquos”; ora os antigos, para os homens do século X, eram a anterior sociedade germânica, que se fundira completamente na romana.

Cliché de Marques Abreu. Fachada do extinto mosteiro de S. Clara
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Os Suevos e Visigodos, apoderando-se do país romanizado, conservaram cuidadosamente as limitações anteriores das propriedades, como dispunha o código visigótico, e isto mesmo estava no seu interesse, pois assim mais facilmente se efectuaria o lançamento dos tributos; portanto, dizendo-nos aquele título que a “Villa de Comite” estava limitada pelos “suos términos antiquos” indica-nos até onde ascendia essa antiguidade, quer dizer, o prédio rústico antigo, que eles assinalavam, tinha sido fundado e demarcado primitivamente no período romano.
Vila do Conde possuía já uma igreja dedicada a S. João no sítio hoje ocupado pela Igreja e Asilo da Ordem Terceira de S. Francisco, e ainda como reminiscências da denominação do “Castro” existe perto o Casal de S. João, e no fundo do montículo a Fonte de S. João.
O “Castro”, mencionado neste documento do século X, também nos aparece designado no fragmento das actas do chamado Concílio de Lugo, onde se diz ter sido feita a demarcação das dioceses, devendo a redacção deste diploma ser da mesma época. Ali dá-se como limite do arcebispado de Braga por este lado “a corrente do Ave desde Burgães (Santo Tirso) até ao Castro (Vila do Conde)”.

No meado do século XI ainda a “Villa do Comite” estava na posse do mosteiro duplex de Guimarães, porquanto encontra-se descrita no Inventário dos bens do mesmo convento feito no ano de 1059, sob o império de Fernando Magno, rei de Leão e Galiza:
  • ‘Eatenus et in ripa maris ad foze de Ave Villa de Comitis cum suas salinas et piscarias et ecclesia Sancti Johannis’.
Contudo, documentos posteriores convencem de que em 953 a “Villa de Comite”, embora fosse uma simples unidade rural e estivesse integra, não pertencia a um único proprietário; de modo que a alienação feita naquela data apenas recaiu na ‘Igreja e terrenos que a dotavam, nos qaes incidia o direito de apresentação do parocho’; com a igreja e terrenos anexos a vendedora incluiu no contrato as ‘pesqueiras e salinas’ que faziam parte do seu herdamento, pois até destas havia outros proprietários; porquanto no “Liber Fidei” encontram-se duas doações de doze talhos de salinas em Vila do Conde e de cinco talhos na foz do Ave feitas por ‘Froila Cresconis’ ao bispo de Braga, Pedro e seu cabido, no ano de 1078». Vila do Conde e seu Alfoz, Origens e Monumentos, Augusto Ferreira, Tipografia Porto Médico, Porto, 1923.

Cliché de Marques Abreu. Fachada meridional da igreja do extinto mosteiro de S. Clara
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Cortesia de T. Porto Médico/JDACT

Os Jogos. O Xadrez: Parte X. Um jogo de perícia e estratégia entre dois adversários. Cada um comanda um exército de 16 peças. A Arte de Caíssa

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O xadrez é um jogo de perícia e estratégia entre dois adversários. Cada um comanda um exército de 16 peças. Um exército é preto, o outro é branco.
O campo de batalha é um tabuleiro com 64 casas pretas e brancas alternadas. As peças brancas avançam primeiro e, depois, os adversários jogam à vez.

Tácticas: Ataque a descoberto
Este ataque dá-se quando duas das tuas peças estão alinhadas e a deslocação de uma faz com que a outra seja uma ameaça.

Antes da jogada, as pretas não estão a atacar as brancas. Aliás, a torre preta é que está ameaçada pelo bispo branco.

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Como a sorte muda depressa! Depois da jogada das pretas, a torre ameaça o bispo, mas também há um ataque do bispo preto ao cavalo branco, descoberto pela jogada de uma outra peça (a torre).

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Neste caso, as brancas podem fugir, colocando o cavalo em defesa do bispo e ameaçando a torre. Não seria sensato as pretas trocarem uma torre por um bispo. Na realidade, isto só prolonga o sofrimento, já que as pretas podem mover a torre para a casa X, de forma a ameaçar tanto o cavalo como o bispo. O ataque a descoberto é, de facto, poderoso!

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Tácticas: Xeque a descoberto
Trata-se de um ataque a descoberto em que o rei adversário fica em xeque. Assim, pode ameaçar outra peça em simultâneo. É quase como se fizesse duas jogadas de uma só vez, desenvolvendo uma peça e fazendo xeque com a outra.

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Aqui, as brancas movem o bispo para ameaçar o cavalo, deixando o rei preto em xeque.

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As pretas têm de tirar o rei da posição de xeque, deixando as brancas livres para capturar o cavalo.

Mas imagine que o cavalo era uma dama. A melhor jogada das pretas seria bloquear o xeque posto a descoberto com a dama (ainda assim um bom resultado para as brancas).

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In Xadrez, Michael Powell, Kevin Knight, 2004 a 2005 Tony Publishing, ISBN 978-972-8851-70-5.

Cortesia de Tony Potter Publishing/JDACT

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Tertúlia Ocidental. António José Saraiva. «Oliveira Martins inclui nesta breve cena dramática os três principais autores da tertúlia, que se reunia em Lisboa a partir de 1870, autores que mantiveram entre si, durante mais de vinte anos, um contacto permanente, mesmo quando separados por centenas de quilómetros de terra e de mar»

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«Escreve Oliveira Martins em 1885 na introdução aos “Sonetos Completos de Antero de Quental”, publicados por J. P. Oliveira Martins:
  • ‘Um dos nossos queridos amigos, um dos que conhecem de perto Antero de Quental, e somente o conhece quem com ele viveu longo tempo na intimidade, interroga-me geralmente deste modo; - E Santo Antero como vai?
O terceiro amigo, o que pergunta, sabemos que é Eça de Queiroz, autor desse retrato maravilhoso publicado no “In Memoriam” de Antero sob o título “Um génio que era um santo”.
Oliveira Martins inclui nesta breve cena dramática os três principais autores da tertúlia, que se reunia em Lisboa a partir de 1870, autores que mantiveram entre si, durante mais de vinte anos, um contacto permanente, mesmo quando separados por centenas de quilómetros de terra e de mar. Colocado em Newcastle, Bristol ou Paris, Eça de Queiroz foi testemunha, no Porto, da redacção de um dos capítulos da “História da República Romana” e viu como, durante 48 horas consecutivas, dia e noite, o autor empurrava, pelas artérias de Roma, o triunfo de Paulo Emílio. Anos mais tarde Queiroz foi o confidente epistolar dos últimos e amargos momentos de Oliveira Martins, a quem acompanhou com cartas carinhosas. Quanto a Antero, tão diferente de Martins pelo carácter, foi, desde o momento em que se conheceram até ao seu desaparecimento definitivo, o amigo dilecto, o ‘alter ego’, a quem confidenciava, não apenas os projectos literários, mas inclusivamente os políticos.

Cortesia de esquerdamon

Há, uma consciência comum a estes três homens, que se influenciavam mutuamente, como se viu no episódio do “ultimatum” inglês de 1890: Oliveira Martins estudou a questão africana com a sua habitual competência nos artigos coligidos em “Portugal em África (1891); Eça de Queiroz interveio, por meio das suas crónicas assinadas ou não, na “Revista de Portugal”; Antero aceitou presidir ao movimento de ‘resgate nacional’ que pretendia ser a Liga Patriótica do Norte. Em relação à Liga, Oliveira Martins tentou afastar Antero desse movimento, que resultou numa amarga desilusão, donde, provavelmente, se motivou o desastre final do poeta.
Cumpre acrescentar um quarto personagem, Jaime Batalha Reis, que nos deixou um inesquecível retrato de Eça no prefácio da lª edição das “Prosas Bárbaras”. Batalha Reis, com Antero, Queiroz, Martins, deu a sua quota-parte no movimento desencadeado pelo “ultimatum” de 1890.

Estes homens e outros do mesmo grupo revelaram entre si, e ainda com outros, uma capacidade de colaboração que é rara em Portugal. Os sonetos de Antero impressos em 1885 têm no frontispício a indicação ‘publicados por J. P. Oliveira Martins’. Não sabemos exactamente o que significa isto, mas significa pelo menos uma afirmação pública de solidariedade, e possivelmente uma colaboração na revisão de provas. Além disso, algumas composições, que Antero destruíra, foram recuperadas pelo seu amigo, que guardara cópias. É o caso das ‘poesias 1úgubres’.

Cortesia de ebpisci

Mas já em 69, participando no ‘Cenáculo’ da travessa do Guarda-Mor, Antero e Eça tinham criado um poeta imaginário, Carlos Fradique Mendes, que é como que um heterónimo colectivo e uma ‘escola satânica’; essa invenção, em que participou Jaime Batalha Reis, foi continuada mais tarde por Antero no “Primeiro de Janeiro” e por Eça de Queiroz no jornal “A Província” (dirigido por Oliveira Martins) e na “Revista de Portugal” (do próprio Eça de Queiroz).
Eça, com Ramalho, escreveu um romance que é uma das obras-primas do romance romântico em Portugal, “O Mistério da Estrada de Sintra”, e escreveu sobretudo “As Farpas” que, na sua lª fase, são como um eco do Cenáculo e das Conferências do Casino.

Ramalho foi especial amigo de Eça Queiroz até ao fim da vida deste, mas teve com Antero relações mais distantes. Escusou-se de colaborar no “In Memoriam” de Antero apesar do pedido insistente de Oliveira Martins. Este, aliás, que provavelmente conhecia bem os sentimentos recíprocos dos dois homens, compreendeu e aceitou essa recusa. Ramalho também não colaborou nas Conferências do Casino.

As Conferências foram lideradas por Antero, e os seus colaboradores eram seus amigos do Cenáculo, tanto do de Coimbra como do de Lisboa. Colaborou nelas Eça de Queiroz; estavam previstas conferências de Jaime Batalha Reis e Oliveira Martins, então ausente em Santa Eufémia. Participou também um amigo dilecto de Martins, Augusto Soromenho, e foi ‘administrador’ delas José Fontana, amigo de Martins e de Antero». In Tertúlia Ocidental. Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e Outros, António José Saraiva, Herdeiros de António José Saraiva e Gradiva Publicações, 1996, ISBN 972-662-475-4.

Cortesia de Gradiva/JDACT

A Cidade Antiga. Estudo sobre o Culto, o Direito da Grécia e de Roma. «Por mais antigas que sejam estas crenças, delas nos ficaram testemunhos autênticos. Esses testemunhos estão nos ritos fúnebres, sobreviventes em muito às crenças primitivas, e, porque certamente nascidos com estas, podem portanto melhor fazer-no-las compreender»

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Crenças sobre a alma e sobre a morte
«Até aos últimos tempos da história da Grécia e da de Roma, vemos persistir entre o homem do povo determinado conjunto de pensamentos e de usos, por certo datando de época muito afastada, mas onde já poderemos reconhecer as ideias primitivas concebidas pelo homem quanto à sua própria natureza, a sua alma, sobre o mistério da morte.
Por muito que remontemos na história da raça indo-europeia, de que as populações gregas e italianas descendem, notamos não ter esta raça acreditado que tudo com a morte se acabasse para o homem, depois desta curta vida. As mais antigas gerações, muito antes ainda de existirem filósofos, criam já em uma segunda existência passada para além desta nossa vida terrena. Encaravam a morte, não como decomposição do ser, mas como simples mudança de vida.
Porém, em que lugar e de que maneira se viveria esta segunda existência? Acreditava-se que o espírito imortal, uma vez evadido do corpo, ia dar vida a um outro corpo? Não; porque a crença na metempsicose nunca conseguiu botar raízes nos espíritos das populações greco-italianas; não era essa também a crença seguida entre os antigos árias do Oriente, por os hinos dos vedas se lhe oporem. Cria-se em que o espírito subisse ao céu, para a região da luz? Também não, porque o pensamento de que as almas entravam em morada celeste é de época relativamente moderna no Ocidente; a habitação celeste apenas se considerava recompensa dada a alguns grandes homens e aos benfeitores da humanidade.
De harmonia com as mais antigas crenças dos italianos e dos gregos, não era em um outro mundo que a alma ia passar essa sua segunda existência; ficava perto dos homens, continuando a viver na terra, junto deles.

NOTA: ‘Sub terra consevant reliquam vitam agi mortuorum’, Cícero. Esta crença estava tão arreigada, acrescenta Cícero, que, mesmo quando se estabeleceu o uso de queimar os corpos, ainda então se continuou a crer em que os mortos mantivessem a vida debaixo da terra.

Acreditou-se mesmo, durante muito tempo, que nesta segunda existência a alma continuava associada ao corpo. Nascida com o corpo, a morte não os separava; alma e corpo encerravam-se juntamente no mesmo túmulo.

Cortesia de stgemma

Por mais antigas que sejam estas crenças, delas nos ficaram testemunhos autênticos. Esses testemunhos estão nos ritos fúnebres, sobreviventes em muito às crenças primitivas, e, porque certamente nascidos com estas, podem portanto melhor fazer-no-las compreender.
Os ritos fúnebres mostram-nos claramente como, quando se metia um corpo no túmulo, se acreditava em que, ao mesmo tempo, se metia lá alguma coisa com vida. Virgílio, descrevendo sempre com tanta precisão e escrúpulo as cerimónias religiosas, termina a sua narrativa dos funerais de Polidoro por estas palavras:
  • ‘Encerrámos a alma no túmulo’.
Igual expressão se encontra em Ovídio e em Plínio, o Moço; não queremos dizer tenha isto correspondido propriamente às ideias formadas por estes escritores sobre a alma, mas somente afirmar que, desde tempo imemorial, isto mesmo se perpetuara na linguagem, atestando deste modo crenças antigas e correntes.

NOTA: Virgílio: Animamque sepulcro condimus. Ovídio, Tumulo fraternas condidit umbras. Plínio: Manes rite conditi. A descrição de Virgílio refere-se ao uso dos cenotáfios; admitia-se que, quando se não pudesse encontrar o corpo de um parente, se fizesse certa cerimónia reproduzindo exactamente todos os ritos da sepultura e acreditava-se que se encerrava a alma no túmulo à falta do corpo.

No final da cerimónia fúnebre havia o costume de chamar por três vezes a alma do morto, e justamente pelo nome que este havia usado em vida. Faziam-se-lhe votos de vida feliz debaixo da terra. Dizia-se-lhe por três vezes: Passa bem. E acrescentava-se: "Que a terra te seja leve".
A tal ponto se acreditava em que o mesmo ser ia continuar a viver debaixo dessa terra e lá conservando o usual sentimento de bem-estar e de sofrimento! Escrevia-se sobre o túmulo a afirmar que homem ali repousava: costume que sobreviveu a estas crenças e que, transmitindo-se de século em século, chegou até os nossos dias. Empregamo-lo ainda, embora já hoje ninguém acredite que um ser imortal repouse no túmulo.

Mas na antiguidade supunha-se tão firmemente que o homem ali vivia sepultado que nunca se deixava de, juntamente com o homem, se enterrar os objectos de que se julgava viesse a ter necessidade, vestidos, vasos, armas. Derramava-se vinho sobre o seu túmulo para lhe mitigar a sede; deixavam-se-lhe alimentos para o apaziguar na fome. Degolavam-se cavalos e escravos, pensando que estes seres, encerrados com o morto, o serviriam no túmulo, como o haviam feito durante a sua vida. Depois da tomada de Tróia, os gregos regressaram ao seu pais, cada um deles conduzindo a sua bela cativa, e tendo Aquiles, morando já debaixo da terra, reclamando também a sua, deram-lhe Polixena.

Cortesia de mosaicosdosul

Um verso de Píndaro guardou-nos certo curioso testemunho destes pensamentos das gerações antigas. Frixos fora obrigado a deixar a Grécia e fugira para a Cólquida. Morreu neste país: mas embora morto queria regressar à Grécia. Apareceu então a Pélias e ordena-lhe que vá à Cólquida para de ali trazer a sua alma à Grécia. A sua alma sentia sem dúvida a saudade do solo pátrio, do túmulo da família; mas, vivendo ligada aos seus restos corporais, evidentemente que não poderia abandonar a Cólquida sem os trazer consigo.
Desta crença primitiva derivou para o homem a necessidade de uma sepultura. Para a alma se fixar na morada subterrânea destinada a esta segunda vida, impõe-se igualmente que o corpo, ao qual a alma está ligada, se cubra de terra. A alma que não tivesse o seu túmulo, não tinha morada. Era errante. Em vão aspiraria ao repouso que amava, depois das agitações e dos trabalhos desta vida; ficava condenada a errar sempre, sob a forma de larva ou de fantasma, sem jamais parar, sem nunca receber as oferendas e os alimentos de que tanto carecia. Desgraçada, cedo essa alma se tornaria malfazeja. Atormentaria então os vivos, enviando-lhes doenças, devastando-lhes as searas, atormentando-os com aparições lúgubres, para deste modo os advertir de que tanto o seu corpo como ela própria queriam sepultura». In A Cidade Antiga, Fustel de Coulanges, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1981.

Cortesia de LC Editora/JDACT

Cultura. Civilização. António José Saraiva. «Por ela se comunicam emoções ou concepções mentais. A religião, a arte, o desporto, o luxo, a ciência e a tecnologia são produtos da cultura. Este é o sentido mais extenso de cultura, que coincide com o de “civilização”, palavra que se propagou por via francesa. Cultura, essa, difundiu-se por via alemã»

Cortesia de culturawine

O que é cultura?
Definições
«Cultura opõe-se a natura ou natureza, isto é, abrange todos aqueles objectos ou operações que a natureza não produz e que lhe são acrescentados pelo espírito. A fala é já condição de cultura. Por ela se comunicam emoções ou concepções mentais. A religião, a arte, o desporto, o luxo, a ciência e a tecnologia são produtos da cultura.
Este é o sentido mais extenso de cultura, que coincide com o de “civilização”, palavra que se propagou por via francesa. Cultura, essa, difundiu-se por via alemã. Em sentido mais restrito, entende-se por cultura todo o conjunto de actividades lúdicas ou utilitárias, intelectuais e afectivas que caracterizam especificamente um determinado povo. Fala-se da cultura dos Esquimós ou dos Pigmeus. Assim entendida, a cultura é estudada pela etnologia. É um sentido global de cultura, considerada em relação a um Povo.
Pode restringir-se também a palavra quanto aos temas de análise. Nesse caso, consideramos um conjunto de artes lúdicas, especialmente aquelas que os gregos antigos designavam por ‘as nove musas’ (como a poesia, a música, a dança, a mímica, etc.), excluindo a ciência e a tecnologia. Com um significado aproximado usam os ingleses a palavra “folklore” que se divulgou internacionalmente com o significado de poesia popular.

Cultura e linguagem
“No princípio era o Logos (em latim Verbum) e o Logos estava com Deus. E o Logos era Deus”. Com este enigmático texto começa o Evangelho do apóstolo João, impregnado de cultura grega. O Logos é a Palavra, a que João atribui um estatuto divino, como os gregos de Homero geralmente o faziam. Em Homero, frequentemente os deuses descem ao corpo dos homens: Palas, por exemplo, entra em Ulisses e fala pela boca dele.

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Isto significa que a linguagem foi sentida pelos homens da Antiguidade como um dom misterioso e sobrenatural. O antropóide só é humano quando tem o dom divino da palavra. A linguagem não é apenas a emissão de um som, mediante a articulação combinada de um conjunto de músculos e de gestos. O importante é que esses sons exprimem uma ideia, um conceito, que tem uma existência puramente mental. Uma cadeia de sons correspondentes a uma cadeia de ideias é o que constitui o discurso falado. Não basta aprender palavras para adquirir o dom da fala. A memória não chega para aprender a falar.
Segundo antropólogos contemporâneos, como Lévi-Strauss, a linguagem não resulta de uma aquisição lenta e progressiva, mas de uma espécie de mutação que surgiu subitamente no primata humano. A evolução das espécies não é contínua mas faz-se por saltos. O surgimento da fala, ou da possibilidade de falar, seria um caso de mutação, de salto qualitativo, e não de acréscimo quantitativo». In Cultura, António José Saraiva, Difusão Cultural, 1993, ISBN 709-972-154-7.

Cortesia de Difusão Cultural/JDACT

Poesia. Versos Fora de Moda. Acácio Matias. «A originalidade, excepto nos espíritos de raríssima capacidade, de modo nenhum é, como alguns supõem, assunto de instinto ou de intuição. Em geral, para encontrá-la, é preciso procurá-la laboriosamente…»

Cortesia de wikipedia

Metafórico
Por encosta relvosa de esmeralda
desliza um regato d’águas de prata;
para o céu de safira ergue grinalda
de flores, a natura doce e grata.

Pastora loira, cabeça de sol,
guarda níveos cordeiros, bons anjitos;
solta trinos d’argento um rouxinol,
p’lo ar, em grãos d’oiro zunem mosquitos.

Já no mar em sangue se apaga o sol.
Enche o ar perfume de mil flores
e a noite estende seu ‘scuro lençol.

Neste paraíso doce, terreno,
meu ser se evola em cânticos d’amores.
Cintilam estrelas no céu sereno…

Soneto de Acácio Matias, in ‘Versos Fora de Moda’, Ponte de Lima, 1944.
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Cartas Portuguesas. Soror Mariana Alcoforado. «Adeus, mais uma vez! Escrevo-te estas cartas longas de mais; não tenho suficiente respeito por ti, e disso te peço perdão. E ouso esperar que usarás de alguma indulgência para com uma pobre insensata que o não era, como muito bem sabes, antes de te amar»

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… um amor tão desconforme como o que é a alma dessas famosas Cartas Portuguesas. Ilustração de José Ruy

'Conclusão' da Terceira Carta
«Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto te sacrifiquei: perdi a minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças.
No entanto, sei bem que os meus remorsos não são verdadeiros e que, do fundo do coração, desejaria ter corrido por amor de ti perigos ainda maiores. Tenho um prazer fatal em ter arriscado a minha vida e a minha honra: mas não deveria estar ao teu dispor tudo o que tenho de mais precioso? E não devo estar contente por o ter empregado como fiz? Até me parece que ainda não estou satisfeita nem com as minhas dores, nem com o excesso do meu amor, embora não possa, ai de mim, vangloriar-me de estar contente contigo.

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Estou viva, infiel que sou!, e faço tanto para conservar a minha vida como para perdê-la! Ah!, morro de vergonha! O meu desespero estará então apenas nas minhas cartas? Se te amasse tanto como mil vezes te tenho dito, não teria já morrido há muito tempo? Enganei-te!, e és tu que te deves queixar de mim. Ai de mim! e porque o não fazes? Vi-te partir, não posso ter esperança de te ver voltar, e, no entanto, respiro! Enganei-te, afinal, e peço o teu Perdão.
Mas não mo dês! Trata-me com severidade! Não aches que os meus sentimentos têm violência bastante! Sê mais difícil de contentar! Ordena-me que morra de amor por ti! Conjuro-te a que me dês este socorro, a fim de que vença a fraqueza do meu sexo e acabe com todas as minhas indecisões por um acto de verdadeiro desespero. Um fim trágico, obrigar-te-ia, sem dúvida, a pensar muitas vezes em mim. A minha memória ser-te-ia cara, e talvez fosses sensivelmente tocado por uma morte fora do comum. Não valerá mais a morte do que o estado a que me reduziste?
Adeus! Bem gostaria de nunca te ter visto! Ah! Como sinto a falsidade deste sentimento e vejo, neste preciso momento em que te escrevo, que gosto bem mais de ser desgraçada amando-te do que gostaria de nunca te ter visto! Aceito, pois, sem lamentações a minha triste sorte, já que tu a não quiseste tornar melhor.

Adeus! Promete que me lamentarás com saudade se eu vier a morrer de dor! E que ao menos a violência da minha paixão te tire o gosto e te afaste de todas as coisas. Essa consolação me bastará, e, se é preciso que te abandone para sempre, bem gostaria de não te deixar a uma outra qualquer. Não seria uma crueldade sem par da tua parte servires-te do meu desespero para te tornares mais amável e para mostrar que provocaste a maior paixão do mundo?

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Adeus, mais uma vez! Escrevo-te estas cartas longas de mais; não tenho suficiente respeito por ti, e disso te peço perdão. E ouso esperar que usarás de alguma indulgência para com uma pobre insensata que o não era, como muito bem sabes, antes de te amar.
Adeus! Parece-me que falo de mais no estado deplorável em que me encontro. No entanto, do fundo do coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranquilidade em que vivi antes de te conhecer. Adeus! A minha paixão aumenta a cada momento! Ah!, quantas coisas tinha ainda para te dizer!....». In Soror Mariana Alcoforado, Cartas Portuguesas, texto da primeira edição francesa de 1669, Europa América, 1974.

Cortesia de P. Europa-América/José Ruy/JDACT

Poesia. Florbela Espanca. «Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem. De que vale no mundo ser-se inteligente, ser-se artista, ser-se alguém...»


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Este livro...
Este livro é de mágoas. Desgraçados
que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de torturados
pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes... Ó Desventurados,
que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
chorai comigo a minha imensa mágoa,
lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

Soneto de Florbela Espanca, in 'Sonetos'

JDACT

Cartas Portuguesas. Soror Mariana Alcoforado. «Não te sentes infeliz, e não sentes a enorme falta de delicadeza em que incorres, por não teres sabido aproveitar de outro modo os meus arrebatamentos? E como é possível que, com tamanho amor, eu não tenha conseguido tornar-te feliz?»

Cortesia de peuropaamerica

… um amor tão desconforme como o que é a alma dessas famosas Cartas Portuguesas. Ilustração de José Ruy

Terceira Carta
«Que irá ser de mim e que queres que faça? Como estou longe de quanto havia previsto! Esperava que me escrevesses de todos os lugares por onde passasses e que as tuas cartas fossem muito longas. Esperava que alimentasses a minha paixão com a esperança de voltar a ver-te, que uma total confiança na tua fidelidade me daria um certo repouso, que ficaria, em qualquer caso, num estado bastante suportável, sem extremos de dor...
Tinha mesmo pensado nalguns vagos projectos de fazer, quanto estivesse ao meu alcance para me curar, se pudesse ter a certeza de que me tinhas; efectivamente, esquecido. O teu afastamento, alguns ímpetos de devoção, o receio de arruinar por completo o resto da minha saúde com tantas vigílias e inquietações, a pouca probabilidade do teu regresso, a frieza da tua paixão e das tuas últimas despedidas, a tua partida baseada em tão precários pretextos e mil outras razões, boas de mais e por de mais inúteis, pareciam oferecer-me auxílio bastante seguro, se para tanto ele fosse necessário. Não tendo, em última análise, de combater senão contra mim própria, não podia imaginar toda a minha fraqueza, nem compreender tudo o que agora sofro.
Ai de mim! Como sou de lamentar, eu, que não posso partilhar contigo as minhas dores que me encontro a sofrer sozinha tamanha desgraça! Mata-me o pensar nisso e morro com o receio de que nunca tenhas sentido bem a fundo todos os nossos prazeres.

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Sim! Conheço agora a má-fé de todos os teus transportes. Enganaste-me de cada vez que me disseste que estavas encantado por te encontrares a sós comigo. Só às minhas impertinências devo os teus arrebatamentos e arroubos. Foi a sangue-frio que concebeste o projecto de me inflamar: olhaste a minha paixão apenas como uma vitória, e o teu coração nunca se deixou tocar profundamente por ela.
Não te sentes infeliz, e não sentes a enorme falta de delicadeza em que incorres, por não teres sabido aproveitar de outro modo os meus arrebatamentos? E como é possível que, com tamanho amor, eu não tenha conseguido tornar-te feliz?
Lamento, só por amor de ti, os prazeres infinitos que perdeste: será que os não tenhas querido gozar? Ah! Se os conhecesses, verias que eles são mais intensos do que o de me teres seduzido, e terias experimentado que se é muito mais feliz e que se sente algo de bem mais tocante quando se ama com violência do que quando se é amado!

Ilustração de José Ruy
Cortesia de peuropaamerica

Eu não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo: encontro-me dilacerada por mil movimentos contrários. Poder-se-á imaginar estado tão deplorável? Amo-te perdidamente e respeito-te o bastante para não ousar talvez desejar que sejas atingido pelos mesmos arrebatamentos. Matar-me-ia, ou morreria de dor sem me matar, se soubesse que não tinhas descanso, que na tua vida mais não há que perturbação e agitação de toda a sorte, que choras sem cessar e que tudo te desgosta. Seja não posso remediar os meus males, como poderia suportar a dor que me dariam os teus e que me seriam mil vezes mais dolorosos? No entanto, também não consigo decidir-me a desejar que não penses em mim... E, para falar francamente, tenho uns ciúmes terríveis de tudo o que te dá alegria e toca o teu coração e o teu gosto em França. Não sei porque te escrevo. Bem vejo que nada mais terás por mim do que compaixão e, essa, não a quero!» In Soror Mariana Alcoforado, Cartas Portuguesas, texto da primeira edição francesa de 1669, Europa América, 1974.

continua
Cortesia de P. Europa-América/José Ruy/JDACT

As grandes Datas da História de Portugal. Fazer História sem recorrer à cronologia é impossível. «Disposto de través na zona mediterrânea, bem engastado numa península que é como a miniatura de um continente, o território português abre-se para o mundo por uma vasta fachada oceânica. Alongado no sentido meridiano, [...] ora estende sobre ele massas de ar sereno, quente e seco»

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Da Pré-História à Fundação da Nacionalidade
«Encontramos vestígios de sucessivas culturas, na faixa ocidental da Península Ibérica, desde a Pré-História à época castreja. Já na era cristã a influência dos romanos, germanos e muçulmanos foi determinante, deixando marcas profundas no modo de vida das populações.
No século XI, AfonsoVl de Castela, na sequência das dificuldades criadas pelo processo de reconquista, doou a Henrique de Borgonha o Condado Portucalense. Desde logo, o nobre borgonhês demonstrou ser sua intenção o engrandecimento e a autonomia do território que lhe foi confiado, recorrendo à via insurreccional ou diplomática relativamente a Leão e a Castela e à luta armada contra os muçulmanos para atingir os seus fins. A completa autonomia, no entanto, só se tornou realidade com o seu filho Afonso Henriques, que, apoiado na nova nobreza, os infanções, levou de vencida a facção aliada à Galiza, encabeçada por sua mãe, D. Teresa.
Afonso VII reconheceu Afonso Henriques como rei na conferência de Zamora, em 1143, mas, só em 1179, a independência de Portugal adquiriu credibilidade internacional, através do reconhecimento pontifício pela bula “Manifestis Probatum”.

Dados cronológicos
a. C. 1104 a 1103
Fundação da colónia fenícia de Gadir (Cátis)

Cerca de 500
Começo da Idade do Ferro.

237
Aníbal Barca desembarca em Gades.

237-206
Os cartagineses dominam o Ocidente da Península Ibérica.

218
Os primeiros exércitos romanos, sob o comando de Cneu Cipião, desembarcam na Península Ibérica.

209
Nova Cartago é tomada por Cneu Cipião.

Cortesia de custojusto

O território português
“Disposto de través na zona mediterrânea, bem engastado numa península que é como a miniatura de um continente, o território português abre-se para o mundo por uma vasta fachada oceânica. Alongado no sentido meridiano, atravessa-o um limite climático de primeira importância, que ora o cobre de tipos de tempo comuns à Europa oceânica, ora estende sobre ele massas de ar sereno, quente e seco. Por seu turno, também o bloco peninsular determina alternâncias climáticas e com ventos divergentes, frios, continentais e secos de Inverno, e brisas tépidas, atlânticas, que, durante o Estio, mantêm sempre elevada, na faixa litoral, a humidade do ar. O repartimento do relevo marca entre as duas metades, setentrional e meridional, do país, a vigorosa oposição das terras altas e montanhosas, cortadas de vales profundamente incisivos, e os plainos de ondulações frouxas, cristas baixas e distantes e largas bacias deprimidas”. In Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, esboço de Relações Geográficas, Lisboa, 1963.

206
Gadir celebra um pacto com os romanos. Fim do domínio cartaginês no Ocidente.

197
C. Semprónio Tuditano e M. Hélvio procedem à divisão administrativa da Península Ibérica em Hispânia Ulterior e Hispânia Citerior.
Cerca de 194-193
Início da luta dos lusitanos contra a dominação romana.

150
Sérvio Galba derrota os lusitanos, obrigando à sua capitulação. Os exércitos de Roma chacinam os lusitanos.

Cortesia de portugalsecreto 

Os Lusitanos, segundo Estrabão
“Ao norte do Tágos estende-se a Lusitânia, a mais forte fdas nações ibéricas que durante mais tempo lutou contra os romanos. Entre os povos que habitam no rio Douro dizem que alguns vivem de modo austero e usam azeite, aquecem os seus recipientes com pedras em brasa, banham-se com água fria e fazem uma comida simples e parca. Os Lusitanos fazem sacrifícios e examinam as vísceras sem as separar do corpo; observam assim as veias do peito e adivinham apalpando. Também auscultam as vísceras dos prisioneiros, cobrindo-as com Ságoi. Quando a vítima cai pela mão do ‘hieroskopos’ fazem uma primeira predição pela queda do cadáver. Amputam as mãos direitas dos cativos e consagram-nas aos deuses”.

147-139
Sob o comando de Viriato os lusitanos revoltam-se contra os romanos.

139
Servílio Cipião é nomeado governador da Hispânia Ulterior. Viriato é assassinado.

138
O cônsul Décio Júnio Bruto fortifica a cidade de Felicitas Iulia Olisipo (Lisboa) para lhe servir de base às suas operações contra os lusitanos e lhe assegurar o abastecimento do exército por mar.

138-137
Os romanos levam a cabo uma campanha de verdadeiro extermínio contra os lusitanos. Enfraquecimentos da resistência ao invasor.

133
Cipião conquista Numância, na Celtibéria.

83-72
Sertório, apoiado pelos celtiberos e pelos lusitanos, subleva-se contra Roma.

72
Assassinato de Sertório.

In As Grandes Datas da História de Portugal, Antónia Moreira e Alcino Pedrosa, Biblioteca da História, Editorial Notícias, 1993, ISBN 972-46-1555-3.

Cortesia da Editorial Notícias/JDACT

Fascínios da Matemática: O problema das Pontes de Königsberg e a Topologia. «Ao resolver este problema, Euler inventou o ramo da matemática conhecido por “topologia”. Para resolver o ‘caso das pontes de Königsberg’, utilizou uma área da topologia conhecida por “teoria dos grafos”»

Euler em 1756
Cortesia de wikipedia

A ” topologia” foi criada a partir da solução, em 1763, de um problema famoso, o “problema das pontes de Königsberg.
Königsberg (por altura do século XVIII Königsberg era uma cidade alemã. Actualmente, faz parte da Rússia e é conhecida por Kaliningrado) é uma cidade banhada pelo rio Preger, formada por duas ilhas e ligada por sete pontes. O rio corre à volta das duas ilhas da cidade e as pontes ligam as margens às ilhas e as ilhas entre si. Na cidade, era habitual o passeio dominical, tentando passar as pontes apenas uma vez. Ninguém tinha conseguido resolver o Problema até que o matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783) se debruçou sobre ele. Nessa altura, Euler estava a trabalhar em S. Petersburgo para a imperatriz Catarina, a Grande, da Rússia.


Esquema do Problema das Pontes de Königsberg
Cortesia de wikipedia

Ao resolver este problema, Euler inventou o ramo da matemática conhecido por “topologia”. Para resolver o ‘caso das pontes de Königsberg’, utilizou uma área da topologia conhecida por “teoria dos grafos”.
Um "grafo" é constituído por vértices e arcos. Diz-se que percorremos, ou traçamos, um "grafo" quando passamos uma única vez por todos os arcos. Qualquer vértice pode ser cruxado as vezes que quisermos.
O uso dos grafos permitiu-lhe demonstrar que era impossível atravessar as pontes apenas uma vez.
Este problema, em conjunto com a solução de Euler, despoletou o estudo da topologia, um campo relativamente recente. Os matemáticos do século XIX começaram a tratar da topologia em paralelo com os seus estudos de geometrias não euclidianas. O primeiro tratado sobre topologia foi escrito em 1847.

Euler (1707 – 1783)
Pintura de Emanuel Handmann, em 1753
Cortesia de wikipedia

In Theoni Pappas, The Joy of Mathematics, Fascínios da Matemática, Editora Replicação, Lda, 1ª edição, 1998, ISBN 972-570-204-2.

Cortesia de Theoni Pappas/JDACT

Fialho de Almeida. Carta a D. Luís…: «Eis quem pode dar ao Brasil a imagem da alma portuguesa, de que a brasileira hoje exala, orgulho nosso, o mais divino quinhão da sua essência! Quanto a Adriano do Vale não significa nem dá coisa nenhuma, além do exemplo triste do que pode uma cabeça fraca ao serviço de uma política dissoluta»

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«Logo em seguida ao atentado, o imperador foi alvo de ovações que se repetiram, no dia seguinte e nos mais, por banda de todas as colónias e colectividades particulares e públicas do império. Pedro II correspondia aos testemunhos de apreço com a sua habitual simplicidade de grande velho conhecedor da gíria dos homens, contrafeito no íntimo por servir de joguete a estes passes ‘forains’ do seu governo.
A frieza que ele aparentou desde a primeira hora do crime, significa não tanto o desprezo da vida, como o das ilusórias festanças com que os ministros publicamente lhe retraem a majestade luminosíssima dos trabalhos e dos anos.
Teve, como monarca, uma palavra que rescende ligeiramente aos deveres cenográficos da sua profissão, e que alvitraríamos lhe houvesse sido aconselhada, se não fora sabida a sua austeridade.
Foi quando, chegado a palácio, depois da cena do tiro, rende graças por ter sido um estrangeiro, que não um filho do Brasil, o autor do atentado. Esta frase, repetida, pelo comissário de polícia, num ofício ao país, e pelo presidente do conselho, depois, ao plenipotenciário argentino, lembra um ‘mot-d'ordre’ de despeito ou reivindica, injustamente vibrado à mais activa, à mais inteligente e à mais prestante sociedade colonizadora do Brasil, a portuguesa. Ressai vagamente à assa-fétida de uma injúria, que nauseia, mesmo quando à face da crítica, nem sequer represente a digestão de um despautério. As grandes virtudes que exaltam o carácter de um homem, podem muitas vezes ser o reflexo das qualidades de um povo; mas raro é que os malandros isolados rearranjam outra coisa que não seja a maldade fermentada pelo meio moral em que eles vivem, ou a loucura, que nem sequer às vezes tem família, quanto mais ter casta ou nacionalidade!

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O conde de Matosinhos, partido da sua aldeia com um saco de roupa e um chapéu braguês, chegando à riqueza pela perseverança do seu esforço heróico e imaculado, e constituindo-se, espécie de rei pastor de uma grande tribo de obreiros incansáveis, em procurador de todos os desvalidos, sem discrepância de ser ou de nação; Ramalho Ortigão e Eduardo Lemos, vindo pela Europa até à Rússia, abrir mercados para os produtos agrícolas do império, e instalando num palácio magnífico o “Gabinete Português de Leitura”, a maior biblioteca actual do Rio de Janeiro; o barão do Alto Mearim, Martins de Pinho, fundando e subsidiando o ‘Liceu Literário Português’, onde se faculta a instrução a todos os indivíduos que a reclamem; António de Melo, o erudito e fino melancólico, entretendo com Camilo polémicas literárias do mais puro lavor; e como estes, duzentos mil portugueses do seu carácter ou do seu quilate, colaborando infatigavelmente, com a honra mais alta, em prol da civilização sul-americana, eis quem pode dar ao Brasil a imagem da alma portuguesa, de que a brasileira hoje exala, orgulho nosso, o mais divino quinhão da sua essência! Quanto a Adriano do Vale não significa nem dá coisa nenhuma, além do exemplo triste do que pode uma cabeça fraca ao serviço de uma política dissoluta.

Numa coisa somente os ensaiadores da comédia foram hábeis: a escolha do tirano! Esse país que tem no ‘capoeira’ o assassino ideal, científico, inverosímil, que abre ventres a um tanto, sem perguntar o nome sequer de quem paga, mais uma vez repulsou a indústria nacional, neste ramo perfeita, a benefício de um títere de fora, assegurando assim que a cena trágica não passaria de uma imitação». In Fialho de Almeida, Carta a D. Luís sobre as Vantagens de ser Assassinado, Assírio & Alvim, edição 1343, 2010, ISBN 978-972-37-1441-8.

Cortesia Assírio & Alvim/JDACT

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Épica. Temas Épicos. José Mattoso. «Resta, portanto, e “gesta”, de Afonso Henriques, onde, todavia, se tem de reconhecer, por um lado, que parece tratar-se mais de um poema destinado a explicar o destino trágico de Afonso Henriques do que a descrever a sua grandeza combativa, e ainda por cima concedendo um lugar fundamental ao episódio do ‘bispo negro’, alheio ao género épico»

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«Até à década de 1950. prevaleceu em Portugal o princípio estabelecido por Ramón Pidal da inexistência de uma épica medieval portuguesa. Tratava-se de um género eminentemente castelhano. Também não teria existido uma épica galega. Os jograis galegos não teriam o mínimo gosto pela poesia narrativa. Assim se explica que Rodrigues Lapa não faça a mínima referência à épica nas suas “Lições de Literatura Portuguesa”, nem mesmo nas edições recentes, e que o mesmo aconteça no volume consagrado à Idade Média da “História da Literatura portuguesa” de Costa Pimpâo.

Durante a década de 50, porém, Lindley Cintra e António José Saraiva puseram em causa este princípio. A “Crónica Geral de Espanha de 1344”, cuja origem portuguesa foi então demonstrada por Cintra, incluía muitas versões prosificadas de cantares de gesta mais extensas cio que noutras Crónicas conhecidas, e a tradição historiográfica portuguesa mencionava episódios ou ‘estórias’ com um carácter talvez não tão marcadamente épico como as mais célebres composições castelhanas, mas, pelo menos, bastante próximas do género, como mostram os exemplos mencionados mais abaixo, sobretudo aquele texto a que o mesmo autor chamou a “Gesta de Afonso Henriques”. O facto de nesta encontrar vestígios temáticos comparáveis aos dos poemas épicos castelhanos, e mesmo vestígios formais, leva-o a publicar em 1979 uma pequena obra que intitulou justamente “A Épica Medieval Portuguesa”, na qual inseria uma tentativa de reconstituição formal do referido ‘poema’, analisava o seu conteúdo, e propunha uma hipótese de explicação para as suas origens e significado. Parecia assim demonstrada a efectiva existência de uma verdadeira épica portuguesa, sem a mesma pujança que a castelhana, mas que de toda a maneira não se podia ignorar. Infelizmente a proposta de António José Saraiva não suscitou a discussão que parecia merecer, da parte de especialistas espanhóis e dos historiadores da literatura portuguesa; apenas obteve a concordância expressa de Lindley Cintra.

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[…]
De facto, a lenda do rei Ramiro, nas duas versões, o tema central é o da infidelidade da rainha e do casamento com a moura Urtiga. A lenda de Egas Moniz é muito mais a história exemplar da fidelidade vassálica e de uma astúcia compensadora do que uma narrativa de combate e de heroicidade: é muito provável que tenha sido composta pelo trovador cortesão Johan Soarez Coelho para reivindicar um lugar eminente na corte de Afonso III. O relato da tomada de Santarém na “Crónica de 1314” deriva formalmente do “De expugnatione Scalatbis”, que apresenta, de facto, alguns passos de carácter épico, mas dificilmente poderá basear-se num cantar de gesta anterior. O relato da batalha do Salado é uma nítida composição em prosa: tudo indica que se deve, como o próprio Saraiva mostrou, ao último refundidor do “Livro de Linhagens”, que trabalhava para o prior do Hospital Álvaro Gonçalves Pereira; o seu carácter épico não pressupõe de modo algum uma canção de gesta anterior.

[…]
A breve alusão do mesmo ‘Livro’ ao feito de Soeiro Mendes da Maia, que ‘tirou o feu da Espanha que haviam d’haver os Romãos’ é demasiado sucinta pare se poder formar uma opinião acerca do seu teor primitivo.
Enfim, a narrativa acerca de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, que eu em 1983 admitia ter estado outrora associada à de Soeiro Mendes, seu ‘irmão’, também não apresenta nenhum vestígio de uma forma poética anterior: é impossível imaginar em que tipo de narrativa se inspirou o refundidor do título XXI do “Livro de Linhagens” para nos dar a ‘estória’, que hoje conhecemos.

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Resta, portanto, e “gesta”, de Afonso Henriques, onde, todavia, se tem de reconhecer, por um lado, que parece tratar-se mais de um poema destinado a explicar o destino trágico de Afonso Henriques do que a descrever a sua grandeza combativa, e ainda por cima concedendo um lugar fundamental ao episódio do ‘bispo negro’, alheio ao género épico.

Isto não quer dizer que os portugueses dos séculos XII a XIV não tenham sido ouvintes interessados de cantares de gesta. A versão da lenda do Cid que diz ter sido armado cavaleiro em Coimbra, da história do rei Garcia que teria sido preso em Santarém e que, em Coimbra, chorava diante das raparigas que iam buscar água, o texto latino do “De expugnatione Scalabis”, a gesta provavelmente castelhana do “Abade João Montemor” mas que se passa entre Coimbra e Alcobaça, o poema perdido de Afonso Geraldes sobre o Salado, e outros indícios dispersos mostram que o género era apreciado em Portugal». José Mattoso, Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, organização e coordenação de Giulia Lanciani e Giuseppe Tavani, Editorial Caminho, Lisboa, 1993, A Prosa Medieval Portuguesa, Fundação C. Gulbenkian, 1997.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT

A Universidade de Coimbra e a Europa, 1537-1937. Exposição Documental. «Chegou a ser convidado para leccionar em Salamanca, onde encontrou a oposição de alguns que se manifestaram por Fr. Luís de Leão. Seria em Coimbra que exerceria o “múnus docente”, entre 1575 e 1580, regendo uma das duas cadeiras da Sagrada Escritura»

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Teologia e Cânones
1578, Abril, 19

Assinatura autógrafa de Fr. Heitor Pinto na acta da sessão do Conselho da Universidade de Coimbra. Conselhos, 1577-1581, t. 9, fl. 94 v.
«Fr. Heitor Pinto, natural da Covilhã, foi uma das figuras mais ilustres da ordem de S. Jerónimo. Professou no convento de Belém em 1543 e entregou-se desde cedo ao estudo das Humanidades, vindo a frequentar o colégio da Costa de Guimarães. Estudou Direito em Salamanca e Teologia em Coimbra, onde teve como mestres Afonso do Prado, Marcos Romeiro, Paio Rodrigues de Vilarinho e Martinho de Ledesma. A obtenção do grau de doutor teve lugar na Universidade espanhola de Siguenza, em 1568.
Profundo conhecedor das ciências filosóficas e teológicas, e das línguas latina, grega e hebraica, e possuindo amplos dotes oratórios e uma rara limpidez de estilo, veio a tornar-se um dos maiores escritores do seu tempo, de que a ‘Imagem da Vida Cristã’ e os comentários exegéticos a alguns profetas constituem exemplos claros. As suas obras foram impressas em várias cidades europeias, como Leiden, Antuérpia, Colónia, Salamanca, Veneza e Paris.

Chegou a ser convidado para leccionar em Salamanca, onde encontrou a oposição de alguns que se manifestaram por Fr. Luís de Leão. Seria em Coimbra que exerceria o “múnus docente”, entre 1575 e 1580, regendo uma das duas cadeiras da Sagrada Escritura. Foi afastado da cátedra em 1580, juntamente com Fr. Luís de Sotomaior e Fr. Agostinho da Trindade, por ter tomado o partido do Prior do Crato. Expulso para Espanha, veio a falecer perto de Toledo. A vasta obra deste preclaro filho da ordem jeronimita está impregnada de profundo humanismo e de sólidos conhecimentos teológicos e bíblicos. Cultivou também com ardor a Oratória e a Mística. A tradução de alguns dos seus trabalhos para espanhol, francês e italiano é outro marco referencial da importância que lhe foi reconhecida além fronteiras.

Cortesia de pardalitosdochoupal

1597, Março, 28

Carta do papa Clemente VIII a Fr. Luís de Sotomaior, do colégio de São Tomás, na qual o incita a publicar os seus comentários bíblicos e mais escritos teológicos. Colégio de S. Tomás de Aquino, cx. 2, nº 26.
«Fr.Luís de Sotomaior nasceu em Lisboa de família nobre e muito devota e morreu em Coimbra em Maio de l610. Professou na ordem de S. Domingos e, após ter feito os estudos de Artes no convento da Batalha, seguiu em 1549 para Lovaina a fim de estudar Teologia. Aí contactou com vultos ilustres de teólogos, como Ruard Tapper, Josse Revesteyn (Tiletano), Johannes Heuten, Johannes Driedo, Mateus Galeno e Jacobus Latomus. Exerceu depois o magistério de Humanidades nas Universidades de Londres, Oxford e Cambridge a convite de Maria Tudor. Depois leccionou na Flandres e na Alemanha.

O talento e o profundo saber bíblico e teológico de Sotomaior iriam também ser patenteados no concílio de Trento, no qual participou com outros, grandes teólogos do seu tempo: Fr. Baltasar Limpo, Fr. Bartolomeu dos Mártires, Fr. Gaspar do Casal e Fr. João Soares, e Fr. Francisco Foreiro, Fr. Jerónimo de Azambuja, Fr. Jorge de S. Tiago, Diogo de Paiva de Andrade e outros. É na última fase do concílio que encontramos Sotomaior em Trento. A sua actividade como professor de Sagrada Escritura da Universidade de Coimbra iniciou-se em l4 de Outubro de 1566, tendo sido nomeado por provisão régia do rei Sebastião. Tomou posse em 5 de Fevereiro de 1567. Impôs-se na docência pela sua vasta cultura e saber. Exerceu vários cargos na vida universitária. Por ter manifestado a sua adesão a António, Prior do Crato, (18º Monarca) foi demitido da cátedra em 1580, vindo a ser reintegrado em 1582. Jubilou em 1589.

Os seus comentários bíblicos ao cântico dos cânticos e às Epístolas Pastorais de S. Paulo, estes últimos impressos em Paris, granjearam-lhe enorme reputação». In A Universidade de Coimbra e a Europa, 1537-1937, 2º Congresso Nacional de Bibliotecários Arquivistas e Documentalistas, Coimbra, 1987.

Cortesia da U. de Coimbra/JDACT

Poesia. Folhas Secas. Júlio Nogueira. «A solidão da poesia e do sonho tira-nos da nossa desoladora solidão»


jdact e olhares

Zêzere
Oh Zezere formoso que serpeias,
já por planícies, já por entre montes,
ou a perder de vista nos horizontes
o lindo canto escondes das sereias.

Como é lindo sonhar nessas aldeias,
à hora em que o luar, na água das fontes,
se reflecte, e a argêntea cor nas frontes,
imprime às fadas, que, nas assembleias,

se reunem p'ra ver qual a mais pura,
'parte privilegiada da natura'.
Ó Zêzere, meu berço abençoado,

não permitas que sem ti a meu lado
jamais esteja. Menos custaria
sofrer, dum emigrante, a nostalgia.

Soneto de Júlio Nogueira, in «Folhas Secas, Coimbra, 1944»

JDACT 

Distrito de Bragança. Ex-Votos e religiosidade Popular. «À representação plástica de um favor sobrenatural chamou a religião popular ‘milagre’. São quadros pintados sobre madeira, tela ou outro material. Embora com outra origem etimológica, também se designam por ‘mercês’ ou ‘ex-votos’. A descrição pictórica inclui quase sempre uma legenda»

Ex-Voto de S. Roque, Parada, Bragança
jdact

Ex-Votos e protecção sobrenatural
«Ainda que a dessacralização tente esvaziar as comunidades do seu conteúdo espiritual, tal objectivo ficará no campo das utopias. Onde quer que elas deixaram as marcas do seu peregrinar, ficou também a presença do transcendente. Por destino ou fatalidade, jamais o homem foi capaz de apagar as luzes ou sombras dessa força que condiciona o real da vida. Aras votivas ou painéis de alminhas, embora de épocas diferentes, constituem resposta a esse desejo inato que faz do homem de todos os tempos um peregrino do infinito. Se as respostas dadas pelo homem nem sempre primam pela ortodoxia doutrinal, é um facto a influência obsessiva do espiritual no material.

O ex-voto ou milagre, espécie de testemunho material ditado pelo respeito da promessa em que empenhou a palavra, constitui também um sinal da presença de Deus na vida do homem. Ladear ou ignorar a atracção mútua deste binómio, é subestimar a importância do estudo da religiosidade popular para a compreensão das sociedades ‘agro-pastoris’ de Trás-os-Montes. Ainda bem que à atitude depreciativa e iconoclasta do positivismo dos finais do século XIX, sucede a admiração e o interesse de quem pretende descodificar a complexidade do comportamento total de um povo.

Ex-voto e religião romana
Ex-voto é a expressão clássica, conhecida por quem nutre interesse pelo estudo das marcas culturais que a romanização nos deixou. “Ex-voto” significa ‘por um voto’. Provém do verbo latino ‘vóveo’.

NOTA: Em Horácio e Cícero, voto significa a promessa feita aos deuses. ‘Votum facere’ tem em Plínio o significado de fazer um voto. ‘Votum solvere’, recebe em Ovídio o significado de cumprir um voto.

Nas estelas funerárias, é frequente encontrar as expressões latinas:
  • ‘votum solvit’ (cumpriu um voto);
  • ‘ex voto’ (por um voto);
  • V.S.L.M. (‘votum solvit libens merito’ - cumpriu um voto livremente).


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Se os ex-votos ou milagres são uma pervivência de tradições similares da cultura clássica, não estão de acordo todos os especialistas. Rocha Peixoto refere as pinturas que os marinheiros mandaram fazer nas paredes dos templos. Nas “tabulae votivae”, os cocheiros romanos do circo votavam aos deuses infernais os seus competidores.
Mário Martins, insigne medievalista, afirma categoricamente:
  • “Muitos centros de peregrinação situavam-se, geograficamente, na sucessão de antigos santuários pagãos e deles herdaram certos costumes aceitáveis, entre eles as procissões e os ex-voío”.
NOTA: ‘Caminhos de religiosidade popular’, in revista Communio, ano IV, 1987, nº 1, Jan./Fev., Mário Martins afirma : ‘Figurinhas de cera, representações de animais ou de membros do corpo, madeixas de cabelo, colunas com inscrições votivas, muletas, coroas, quadros, miniaturas nos santuários da beira-mar... tais ex-votos existiam já muito antes do cristianismo e exprimem a gratidão e o sentimento religioso’; ver Carlos Moreira Azevedo, in ‘Algumas Reflexões sobre a Iconografia Religiosa Popular, Estudos Contemporâneos, Religiosidade Popular, p. 86-7.

Sem tentar dirimir a questão, não nos repugna que a religiosidade romana sofresse uma enculturação com a presença do cristianismo. Aliás foi a prática seguida por ele noutras manifestações culturais.
A religião romana dedicava um lugar importante às preces. O voto cabia dentro delas e constituía uma promessa condicionada pela concessão de uma coisa pedida aos deuses. O voto era público ou privado. Este dependia da vontade do indivíduo, e correspondia a exigências de momentos críticos da sua vida. O voto constitui uma oferta e um sacrifício que se faz em substituição do que o ‘vovente’ teria de oferecer aos deuses.

A designação de “ex-voto” não pertence ao vocabulário popular. Corre ainda entre nós a expressão ‘Casa dos Milagres’. Milagre, graça ou mercê. Exprime, na linguagem vulgar, a mesma ideia que “ex-voto”, e encontra-se também vulgarizada nas mesmas tábuas votivas. Ex-voto é a expressão barroca de uma religiosidade dos séculos XVII e XVIII». In Belarmino Afonso, Ex-Votos e Religiosidade Popular no distrito de Bragança, edição da Região de Turismo do Nordeste Transmontano, Escola Tipográfica, Bragança, 1995, ISBN 96-548-0-8.

Cortesia da RTN Transmontano/JDACT