Cortesia instituto-camoes
No reinado de D. João II a arte de navegar conheceu grandes desenvolvimentos, tendo para isso sido importante a contribuição da comunidade judaica residente no país. Tradicionalmente os judeus eram detentores de conhecimentos especializados nomeadamente ao nível da medicina e da astrologia, que na época andavam geralmente ligadas. Entre os membros daquela comunidade que se distinguiram nestes campos do conhecimento encontra-se Mestre José Vizinho. Médico da corte do Principe Perfeito estaria presente na altura em que aquele monarca faleceu.
No campo da náutica são conhecidas diversas contribuições de Vizinho. O desenvolvimento da navegação astronómica implicava a existência de tabelas preparadas pelos astrólogos para uso dos navegantes. Nos finais do século XV, um dos mais famosos textos desse género é o Almanach Perpetuum da autoria do astrólogo Abraão Zacuto, publicado originalmente em hebraico. Mestre José Vizinho foi o responsável pela tradução deste texto para latim e para castelhano. O facto de terem sido impressos em 1496, pouco após a introdução da técnica de impressão em Portugal, ilustram bem a importância posta na divulgação da informação neles contida. Esta importância é ainda realçada pelo facto de os textos traduzidos por Vizinho serem os únicos textos não hebraicos saídos da oficina do impressor, também ele judeu, Abraão Samuel Dortas.
Nos primeiros tempos em que se começou a praticar navegação astronómica utilizava se o quadrante e observava se a estrela Polar. No entanto, conforme se caminhava para sul aquela estrela ia ficando cada vez mais baixa desaparecendo quando se cruzava o Equador. Uma alternativa seria utilizar o Sol, visível todos os dias, pelo menos nas águas praticadas pelos portugueses. O primeiro problema que a utilização do astro rei apresenta é a variação da sua declinação ao longo do ano. No entanto, a resolução deste problema encontrava se nas já mencionadas tabelas com dados astronómicos presentes por exemplo no Almanach Perpetuum. A utilização do Sol para determinar a longitude implicava outras alterações à prática seguida anteriormente com a Polar. Em primeiro lugar, o instrumento usado, o quadrante, não era o mais adequado para observar o Sol, pois implica o seu uso olhar directamente para o astro, o que implicava o encandeamento do observador. A solução passaria pela adaptação de um instrumento usado há muito tempo pelos astrólogos, o astrolábio, que permitia medir a altura do astro sem ser necessário olhar directamente para ele.
Além disso, era necessário desenvolver regras apropriadas ao cálculo da latitude. Estas regras deveriam ser testadas e, ao mesmo tempo, convinha conhecer o valor daquela coordenada para a maior parte dos locais praticados pelos Portugueses na época.
«Ainda no reinado D. João II, Mestre José foi enviado para a região da Guiné, na companhia de outro médico astrólogo, Mestre Rodrigo, com o objectivo de adaptar o astrolábio para as necessidades dos navegantes e de estabelecer as regras necessárias ao uso do Sol para conhecimento da latitude. Esta missão foi fundamental para o conhecimento das condições de navegação naquela região e para o progresso das navegações para Sul, conforme nos relatam os cronistas da época. Diversos historiadores consideraram que ele teria feito parte da famosa Junta de Matemáticos criada pelo Príncipe Perfeito. A dita junta, enquanto tal, nunca existiu, no entanto o facto de ele ser considerado um dos seus membros ilustra bem a excelência dos seus conhecimentos a nível da astrologia, especialmente no que se refere à sua utilização pelos homens do mar». In António Costa Canas.
Mestre José Vizinho, natural de Viseu, embora uma personalidade praticamente desconhecida entre os viseenses, também conhecido como Mestre José ou Mestre José Judeu, por ser de origem judaica, tornou-se num vulto notável do século XV pelo contributo prestado à gesta dos descobrimentos. Médico, astrónomo e matemático privou com personalidades como Cristóvão Colombo e João de Barros, também viseense, e acompanhou D. Fernando, o Infante Santo, no seu período da cativeiro no Norte de África, não o abandonando, apesar de ter em sua posse uma carta de seguro que lhe permitiria voltar; mesmo assim, acompanhou o cativo na transferência de Arzila para Fez, em 25 Maio de 1438, que fatalmente terminaria na alvorada de 25 de Outubro de 1495.
Homem de particular firmeza, cativou a confiança do rei, D. João II, sendo convidado por este a tomar lugar na chamada Junta de Matemáticos ou Cosmógrafos, conjuntamente com D. Diogo Ortiz, o bispo de Ceuta e mais tarde bispo de Viseu, e mestre Rodrigo, que à sua semelhança desempenhava a função de médico e astrónomo. Esta Junta, cujo objectivo tinha por base o estudo de problemas de navegação astronómica, nunca terá existido, como defende Luciano Pereira da Silva. No entanto, é incontestável que José Vizinho tenha desempenhado uma distinta actividade náutica, pois ficou reconhecido pelo facto de ter traduzido o Almanach Perpetuum, obra de Abraão Zacuto, escrita originariamente em hebraico e traduzida na sua totalidade, pelo seu discípulo, para latim, e a sua introdução ainda para castelhano («cânones»). Esta obra terá sido publicada por Abraão Ortas em Leiria, à cerca de 500 anos: «sub coelo leirea». Muitas foram as obras sobre astrologia escritas não apenas por judeus como por árabes, alvo de traduções encomendadas por príncipes e grandes senhores. A astrologia, segundo Luís de Albuquerque, apesar de ser condenada por teólogos ortodoxos, que pretendiam restringir a actividade desta prática, esta era vista todavia, também, como algo útil e indispensável ao exercício da medicina. Deste modo, a presença de médicos - astrólogos nas cortes era vista com bons olhos . Muitos seriam os reis ou senhores, que à semelhança dos contemporâneos , ambicionavam desvendar os presságios reservados no futuro. Muitos médicos e astrónomos de origem judaica e hebraica, que serviram em território português, ficaram na História. José Vizinho, é apenas um exemplo que, quer pela sua conduta humana, quer científica fora distinguido e protectorado pelo rei.
Devemos a esta figura viseense, assim como a mestre Rodrigo, já referenciado, os primeiros trabalhos na adaptação das regras de astrologia náutica; foi a partir então, da obra de Abraão Zacuto - Almanach Perpetuum que desenvolveram esta outra forma de navegação, ajudando deste modo os mareantes portugueses no avanço para sul, elaborando tábuas com as coordenadas celestes do sol necessária ao calculo de latitudes: «os quaes acháram esta maneira de navegar per altura do Sol, de que fizeram suas taboadas pera declinação delle, como se ora usa entre os navegantes, já mais apuradamente do que começou, em que se viam estes grandes astrolábios de páo» (João de Barros, Ásia, Década I, livro IV, cap.II) . Apesar deste facto, devemos também aferir que, João de Barros, cronista da época, atribui um papel conjunto de colaboração com Martinho da Boémia. No entanto, podemos aferir com segurança que a origem das tábuas usadas pelos marinheiros lusitanos no primeiro século de navegação astronómica foi o Almanach Perpetuum. A determinação de latitudes por alturas meridianos do sol foi um problema estudado por Rodrigo e Vizinho, sendo provavelmente os redactores da primeira versão do regimento expressa no exemplar de Munique.
Através de uma nota manuscrita que, felizmente chegou até nós, escrita provavelmente às mãos de Colombo ou do seu irmão Bartolomeu que, «o sereníssimo rei de Portugal enviou à Guiné, no ano de 1485, mestre José, seu físico e astrólogo, para saber a altura do Sol em toda a Guiné». Foram os seus conhecimentos em astronomia que levariam o rei a tomar a decisão de enviá-lo à Guiné, na companhia de mestre Rodrigo. Aí os dois realizaram observações que permitiriam o aperfeiçoamento do astrolábio, para que desta forma os navegadores portugueses pudessem avançar para sul, navegando através da náutica astronómica, já efectuada no hemisférico Norte, mas que após a linha do equador, e uma vez perdida de vista a estrela polar (o seu guia), era necessário algo que os orientasse. As observações realizadas por Vizinho e Rodrigo, foram de primordial importância, para o avanço no Atlântico Sul, permitindo mais tarde a dobragem do Cabo das Tormentas e, a consequente abertura entre os mares do Atlântico e do Índico.
Como conselheiro do rei, em assuntos de navegação astronómica e na própria concepção do globo, Mestre José terá sido consultado aquando Cristóvão Colombo propôs ao rei, D. João II, chegar ao Japão navegando por Ocidente. Apesar da opinião desfavorável, Vizinho não deixa por isso, de ser uma figura fulcral para o êxito dos Descobrimentos portugueses.
O lançamento de A Matemática no Tempo do Mestre José Vizinho, livro coordenado por António Costa Canas e Maria Eugénia Ferrão. Câmara Municipal da Covilhã. A mais recente obra dos «Temas de Matemática», uma colecção SPM/Gradiva.
A importância de Mestre Vizinho, pelo seu empenho e dedicação em prol dos Descobrimentos, levou ao geógrafo inglês Clements Markham, a afirmar numa conferência proferida em Londres que, «Todo o trabalho realizado desde o cálculo das tábuas de declinação de Zacuto e a preparação do admirável Regimento por mestre José, até à memorável observação de Vasco da Gama, foi puramente português sem qualquer auxílio externo».
Mestre José Vizinho é, apesar de tudo uma figura que marcou pelo esforço que dedicou, para que o sonho português fosse possível: chegar às Índias.
Cortesia spm/JDACT
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