(1608-1666)
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D. Francisco Manuel de Melo foi um escritor, político e militar português, ainda que pertença, de igual modo, à história literária, política e militar da Espanha. Historiador, pedagogo, moralista, autor teatral, epistológrafo e poeta, foi representante máximo da literatura barroca peninsular. Publicou cerca de duas dezenas de obras durante a sua vida, foi ainda autor de outras, publicadas postumamente. Aliou ao estilo e temática barroca (a instabilidade do mundo e da fortuna, numa visão religiosa) o seu cosmopolitismo e espírito galante, próprio da aristocracia de onde provinha. Entre suas obras mais importantes, pode-se destacar o texto moralista da «Carta de Guia de Casados» ou a peça de teatro «Fidalgo Aprendiz», que é uma «Farsa», como foi descrita pelo autor desde o início e não um Auto como tem vindo a ser designada por edições recentes. De acordo com a literatura da época, estudou num colégio de Jesuítas, provavelmente no colégio jesuíta de Santo Antão, onde terá estudado Humanidades, e adquiriu uma erudição que se tornaria patente nas obras. Como pretendia seguir a carreira das armas, a exemplo do pai, também estudou matemática.
Seguiu a vida militar a serviço da armada espanhola em Flandres e na Catalunha. O episódio mais famoso do período ocorreu em 1627, descrito na sua «Epanáfora Trágica»: estando a servir na esquadra comandada por D. Manuel de Meneses, esteve perto de naufragar no Golfo da Biscaia, tendo atingido a custo a costa francesa. Pouco depois, em 1629, combateu, vitoriosamente, corsários turcos num combate naval no Mar Mediterrâneo e foi armado cavaleiro. Em 1631 recebeu a ordem de Cristo das mãos de Filipe IV de Espanha. A sua presença na corte de Madrid torna-se constante. Capital do Império, a cidade assumia-se como o grande centro político e cultural da Península. D. Francisco Manuel de Melo entrou aí em contacto com os mais eminentes intelectuais, incluindo o célebre Francisco de Quevedo.
Em 1637 tinha participado na pacificação da revolta de Évora, acontecimento que viria a preparar a Restauração Portuguesa. Assim que esta foi declarada por D. João IV, a coroa espanhola manda prendê-lo por suspeitar do seu envolvimento na revolução em solo luso. Tendo-lhe sido autorizado deslocar-se para a Flandres, fugiu daí para Inglaterra, de onde regressou a Portugal.
Torre Velha
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Em 1641, livre, foi encarregado de missões diplomáticas em Paris, Londres, Roma e Haia. Neste ano aderiu à causa do rei português, D. João IV, a quem prestará os seus serviços, a nível militar e diplomático.
Em 1644, em Portugal, depois de receber a comenda da Ordem de Cristo, foi preso por envolvimento num caso que acarreta muitas dúvidas e conjecturas. Manteve-se na prisão até 1655, onde escreveu muitas das suas mais celebradas obras. Foi condenado ao degredo em África, conseguindo, depois, que a pena lhe fosse comutada para o exílio no Brasil, e viveu por três anos na Bahia. A influência do Novo Mundo, ainda que pouco acentuada, encontra-se em alguns aspectos da sua obra. Em 1658, morto D. João IV, regressou a Portugal.
Em 1647, compõe uma parte do D. Teodosio II, em castelhano !! sobre a história da Casa de Bragança, que apenas chega à infância de D. Teodosio II, seu 7º Duque, pai do futuro Rei Restaurador; para este livro D. Francisco com a ajuda do seu primo Francisco de Melo (que desenha) cria um frontispicio que ele explica da seguinta maneira numa carta dirigida a um amigo, datada de 10 de maio de 1649: «Neste livro Teodósio, que a S. Majestade escrevo, de que determino fazer-lhe cedo presente, fiz debuxar um capricho por meu primo Francisco, que com raro acêrto o pôs em efeito, - para dêle, se abrir uma estampa que sirva de rosto ao verdadeiro livro; mas para que a pintura nem a tensão fique muda, desejo explicá-la em dous Dísticos, ao pé do debuxo, para o que fiz deixar lugar. É tal a pintura: - a Verdade em figura de Ninfa, que está pintando em sua estante; e por detrás à orelha lhe dita o que há de pintar outra Ninfa, que significa a Memória». No painel vê-se a pessoa do Duque Teodósio armado como pintura feita de verdade. Por detrás está Mercúrio moendo tintas, significando o estilo (por sêr ele o deus da Eloquência) - que são as tintas de que se compõe a formosa história.
Olhando o «debuxo» que apareceram três figuras dissimuladas, que parecem ser mais que traços tirados do acaso. Não esquecemos que Melo interessa-se pela Cabala, e podemos perguntar qual a importância para ele compôr este frontispicio?. Melo está preso há 5 anos, preso na Torre Velha, indica ele ao fim do prólogo dessa obra, e pode-se distinguir pelas letras e no que resta dos documentos da época. Trata-se de um (ou vários) inimigo potente que conseguiu a sua prisão, com a caução do Rei. Ora, é o proprio Rei, que lhe pede uma historia do seu pai D. Teodósio II. Situação dificil e caricata. D. Francisco já utilisou todos os meios possiveis para obtêr sua libertação, até uma carta do próprio Louis XIV de França.
Frontispicio do D. Teodosio II, desenhado par um primo do autor, mas concebido por D. Francisco
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Noutras circunstâncias, que ficaram misterioas até hoje, já teria saído de prisão há muito tempo. Esse «Rosto» poderá ser o modo como D. Francisco quis figurar a história do seu drama:
Dum lado acima da pirâmide, como vindo depois do corpo duma serpente, uma cara de perfil, homem calvo, corpulento, (o inimigo?);
Junto a um dos pés, perto da cadeira, a cabeça pisada dum outro homem, ainda novo, de cabelos compridos (D. Francisco tinha 40 anos);
Um dos pés da cadeira parece pisar o pé da «Ninfa» da Memória e indica, pé esquerdo da pirâmide, uma outra cabeça, cabelos curtos e escuros, olhos grande abertos, escondida atrás de cortinas, a saia da Ninfa, ou com um corpo fantasmático deitado sobre a palavra Memória, (se calhar o morto à origem do drama, que a primeira figura fixa, no cume da pirâmide);
Em cima, um moucho, garras exageradas, asas abertas.
D. Francisco Manuel de Melo foi autor de uma obra vasta e diversificada, em português e em castelhano.
A Carta de Guia de Casados é uma das obras de D. Francisco Manuel de Melo. A pedido de um noivo, que acabou permanecendo anónimo, mas que decerto pertencia à fidalguia do tempo, em dois meses de prisão na Torre Velha (situada defronte da Torre de Belém), entre janeiro e março de 1650, D. Francisco Manuel de Melo escreveu a A Carta de Guia dos Casados. Redigiu-a dum só fôlego, sem dividi-la em capítulos ou partes. Texto corrido, portanto, trata duma série de questões pertinentes ao tema implícito no título da obra, especialmente destinadas àqueles que se dispunham a enfrentar as vicissitudes do matrimónio. A «Carta de Guia de Casados», publicada em Lisboa, em 1651, de carácter moralista, é uma das suas obras maiores, onde tece considerações sobre a vida conjugal e familiar. Foi escrita a pensar num amigo que se ia casar. Datada nas opções que defende (dentro de um espírito marialva e machista), a «Carta» é ainda lida pelo seu rigor estilístico, pormenores anedóticos e passagens maliciosas que alternam com passagens mais demonstrativas e axiomáticas (com uma larga profusão de provérbios).
Estribado na sua variegada e profunda experiência mundana(era solteiro e conquistador), e não no saber contido nos livros, dá conselhos de vária ordem, desde o governo económico da casa, o trato com as criadas, até o convívio entre conjuges, os ciúmes, etc. A Carta de Guia de Casados, além de possuir grande interesse literário, linguístico, psicológico e histórico, não se assemelha a nenhuma outra anterior dedicada ao mesmo assunto, nem som as escritas por portugueses.
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A obra de D. Francisco Manuel de Melo, que soube manter na adversidade uma admirável equanimidade e um estoicismo industrioso, reflecte a grande variedade dos seus interesses intelectuais.O valor literário de D. Francisco Manuel nem sempre tem sido devidamente apreciado pelo leitor médio, que dele só conhece a Carta de Guia de Casados e a Farsa do Fidalgo Aprendiz, que saiu juntamente com as Obras Métricas (Lião, 1665), onde se reúne toda a sua produção poética. D. Francisco Manuel foi um escritor muito fino e subtil, cuja sensibilidade artística se exprime admiravelmente dentro do espírito e das formas do barroco. Na sua poesia trata com grande penetração psicológica os temas do desengano e da fugacidade das coisas, com um cosmopolitismo aristocrático e uma têmpera de animo que conferem um cunho muito pessoal às suas meditações. Notáveis pelo estilo e pelo ideário são ainda as suas Cartas Familiares (Roma, 1664), infelizmente seleccionadas de modo que nelas não se encontre qualquer indiscrição ou indício revelador dos infortúnios sofridos pelo seu autor. Espírito conservador e aristocrático, D. Francisco Manuel é sensível às mudanças sociais de um tempo que reflecte erosões de grandeza e as desilusões da vida humana. A sua obra é vasta e uma parte dela encontra-se inédita, não estando no conjunto ainda devidamente estudada. In Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. I, Lisboa, 1989
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O teatro português da época estava numa fase pouco criativa, apesar de se representarem muitos autos populares nas ruas e feiras, e tragédias clássicas nos colégios dos jesuítas, como aquele em que D. Francisco estudou. Imitava-se e adaptava-se muito o que era feito em Espanha. Escrito anteriormente a 1646, na Torre Velha, a Farsa do Fidalgo Aprendiz, publicado pela primeira vez, nas suas Obras métricas em 1665, satiriza a fidalguia provinciana. Ainda que seja duvidosa a influência directa, há quem a estabeleça com a obra de Molière, Le Bourgeois Gentilhomme – é provável que os dois dramaturgos tenham trocado impressões e ideias que tenham resultado em obras semelhantes.
Grande parte da obra de Francisco Manuel de Melo é dedicada ao género didáctico.
Os quatro «Apólogos Dialogais», de 1721, juntam várias obras:
Textos de crítica social e moral, «Relógios Falantes», «Escritório do Avarento», «Visita das Fontes»;
Textos de crítica literária, «Hospital das Letras», escrito em 1657, é considerado a primeira obra de crítica literária verdadeiramente estruturada, em português.
Página de rosto dos Apólogos Dialogais de D. Francisco Manuel de Melo
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Os apólogos, considerados pelo próprio D. Francisco como obras «esquisitas», consistem em diálogos entre objectos, excepto o «Hospital de Letras», onde o diálogo é estabelecido entre os autores Trajano Bocalino, Justo Lípsio, Francisco Quevedo e o próprio D. Francisco Manuel de Melo, muito apreciados pelo seu refinamento palaciano e ironias subtis. Além de se apontarem defeitos dos autores nacionais, são elogiados Gil Vicente, Sá de Miranda, Luís de Camões, António Ribeiro Chiado, Jorge Ferreira de Vasconcelos, entre outros. D. Francisco serve-se das personagens para fazer uma crítica de costumes não demasiado corrosiva, diplomática, até, ainda que recorrendo à sátira. Em «Relógios falantes» o autor põe a discutir dois relógios de igreja - da Igreja das Chagas e da vila de Belas, representando a cidade e o campo – de forma a fazer ressaltar que em todos os sítios onde vivem homens (seja no meio campesino ou no meio urbano) existe hipocrisia e frivolidade. Em «Escritório do Avarento» são quatro moedas, numa gaveta de um avarento, que discutem a corrupção. Na «Visita das fontes», conversam a Fonte Nova do Terreiro do Paço, a Fonte Velha do Rossio, a Estátua de Apolo, que ornamenta a primeira e o sentinela que guarda a fonte. Aqui, num lugar bastante concorrido da época, são classificados os transeuntes consoante os seus vícios, fazendo-se um retrato satírico da sociedade lisboeta da época.
Pode referir-se o seu «Tratado da Ciência Cabala», publicado postumamente, em 1724, dedicado a Dom Francisco Caetano de Mascarenhas. Este tratado, ao incidir sobre um tema do ocultismo, corria o risco provável de ser censurado pelo Santo Ofício. Verifica-se, de facto, alguma prudência na forma como o autor expõe os seus conhecimentos.
(
A Carta de Guia de Casados). Com a devida vénia a
Maria de Lurdes Fernandes.
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D. Francisco Manuel de Melo). Com a devida vénia a
Isabel Allegro de Magalhães.
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