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Crisfal
(Fragmento)
I
Entre Sintra, a mui prezada,
e serra de Ribatejo
que Arrábida é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete n’água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor
se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que não cuidaram.
II
A ela chamavam Maria
e ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ele tão mal merecia.
Sendo de pouca idade,
não se ver tanto sentiam,
que o dia que não se viam,
se viam na saudade
o que ambos se queriam.
III
Algumas horas falavam,
andando o gado pascendo,
e então se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E com quanto era Maria
pequena, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que lhe Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal
guardado;
IV
Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem pera mor dor,
em fim se houve de saber
por Joana, outra pastora,
que a Crisfal queria bem;
(mas o bem que de tal vem
não ser bem maior bem fora,
por não ser mal a ninguém).
V
A qual, logo aquele dia
que soube de seus amores,
aos parentes de Maria
fez certos e sabedores
de tudo quanto sabia.
Crisfal não era então
dos bens do mundo abastado
tanto como do cuidado;
que, por curar da paixão,
não curava do seu gado.
Cristóvão Falcão, in Crisfal (fragmento)
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