(1935-2005)
Portalegre
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Orlando Neves de nome completo Orlando Loureiro Neves foi um escritor, poeta e dramaturgo. Foi também tradutor, tendo traduzido para português dezenas de obras. Encenou diversas peças de teatro.
Orlando Neves estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa onde, com 22 anos de idade, terminou a licenciatura em Direito. Exerceu diversas actividades, quase todas ligadas à cultura. Colaborou no Teatro Moderno dos Fenianos da cidade do Porto. Foi vice-presidente do Teatro Experimental do Porto e trabalhou como documentalista no Laboratório Nacional de Engenharia Civil em Lisboa, onde esteve cerca de um ano e de onde foi obrigado a sair por se recusar a assinar um documento em que declarava a não prática de actos contra o Estado Novo, regime com que ele não concordava.
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Trabalhou como jornalista no Jornal República no campo da cultura, tendo aí sido crítico de teatro e de televisão. Em 1971/1972, foi convidado para director literário do Círculo de Leitores. Em 1974 assumiu a direcção literária da Portugália Editora, de onde saiu por divergências de vária ordem. Em 1975 fundou a Cooperativa Editorial Diabril para a qual leva José Gomes Ferreira e de quem são publicadas e reeditadas várias obras. Foi director de Relações Públicas e assessor do Teatro São Luiz, na altura em que este era dirigido por Carlos Wallenstein.
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Como jornalista, colaborou nos jornais «A Luta» e «Expresso» com críticas de televisão, teatro e literatura. Trabalhou no jornal «Diário de Notícias» também com críticas de rádio e crónicas. Em 1980 foi apresentador do programa cultural semanal «Manta de Retalhos» na RTP1, considerado pela crítica como um dos melhores programas culturais da televisão.
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Em 1984, encenou no Teatro Nacional D. Maria II, a peça de Vicente Sanches «A birra do Morto», que obteve o Prémio Revelação em Encenação pela Associação Portuguesa de Crítica de Teatro. Entre 1985 e 1986, encenou na Fundação Calouste Gulbenkian, no ciclo «Retorno à Tragédia», as peças «À procura da Tragédia» e o «Indesejado» de Jorge de Sena.
Faleceu na cidade do Porto, a 24 de Janeiro de 2005 e como vimos teve uma vida muito multifacetada quase sempre ligada à cultura.
Obras
Poesia:
- Sopapo para a destruição da felicidade (1959);
- O silêncio na cidade (1963);
- Canção para o jovem país (1963);
- Respondo por mim (1971);
- O corpo e a voz (1973);
- Morte minuciosa (1976);
- Diário da desordem, fragmentos (1984);
- 20 ironias literais (1985);
- Morte minuciosa, 2ª edição, refundida e aumentada (1986); 3ª edição (1996);
- Trovas da infância na aldeia (1987);
- Regresso de Orfeu (1989);
- Odes de Mitilene (1990);
- Lamentação em Cáucaso (1990);
- Ulisses e Nausica (1990);
- Noema (1991);
- Decomposição – A Casa (1992);
- Mar de que futuro (1993);
- Organon para a decifração da poesia (1993);
- Loca obscura, pranto de Leonor de Sepúlveda (1994);
- Poesia (1995);
- Máscaras (1997);
- Nocturnidade (1999);
- Diário de Estar e Ser (2000);
- Clamores (2001).
Romances:
- Morte em Campo de Ourique (1987);
- Morta em Vila Viçosa(1991);
- Memórias de um rufia lisboês (1994);
- Torrebriga – Cenas da Vida no Interior (1999).
Teatro:
- A Execução, seguida de seis peças em um acto (1966);
- Humor Próprio, com colaboração (1975);
- Crisântemos e Malmequeres (1987), não publicado, mas levada a cena pela Companhia de Teatro Reportório, no Trindade no Porto;
- 30 Anos de Teatro (1993), recolha de críticas e ensaios sobre teatro.
Outras
- Pão com manteiga (1º volume) (1981);
- O castelo medieval e a cultura coeva (1984);
- De longe à China (1988);
- Dicionário de frases feitas (1991);
- Dicionário das origens das frases feitas (1992);
- Dicionário do palavrão e afins (com palavras de calão) (1994);
- Dicionário de nomes próprios.
Ao longo da sua vida colaborou em jornais e revistas de todo o País, das quais se destaca: Bandarra, Vértice, Europa, Távola redonda, A esfera, Planície, Mundo, Século Ilustrado, Jornal de Letras e Artes, Jornal de Notícias, O Comércio do Porto, Diário de Coimbra, Diário Ilustrado, Diário Popular, Jornal do Fundão, Europeu, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Letras e letras, Sirgo, A cidade (Portalegre), Colóquio/Letras, Calípole, Sol XXI, etc.
A Idade
Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princípio, estava o amor oculto no secreto fio
da memória do mundo. Ao princípio, era o insondável
desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
o mundo. Ao princípio, vinha o silêncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princípio, chegava
a dor da pedra opressa nos corações, sublime prodígio
do mundo. Ao princípio, revelava-se o inominável,
o imóvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princípio, clamava-se a concórdia e a piedade,
afirmação absoluta da constância do mundo.
Ao princípio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.
Orlando Neves, in «Decomposição - a Casa»
Cortesia de appoetas
Participou em outras actividades culturais, foi fundador e primeiro presidente do Cineclube Universitário do Porto, membro da direcção da Casa de Imprensa de Lisboa, director da ompanhia Teatral Rafael de Oliveira (na sua fase amadora), vice-presidente do Clube de Jornalistas de Lisboa, presidente da Associação Património XXI, dedicada à defesa do património monumental do País, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, presidente da Associação Cultural Sol XXI que tem organizado vários encontros e jornadas de divulgação cultural.
Só os Lábios Respiram
Só os lábios respiram. Simples gesto vivo,
exílio do som onde se oculta o pavor da
palavra, pátria salgada cerrada no vazio
da casa de velhos deuses ávidos de preces.
Na garra da águia se fecha e rompe a boca,
templo e entranha, prodígio e anel
do eco, sinal esparso do caído concerto
da vida. Por estes soberbos montes, estas
rasas colinas, estas águas circulantes,
vai o grito da cegueira, o delírio lasso
na manhã, a saciada loucura do escuro
nome nocturno. Como um fragor dos céus,
caminha o canto agudo das árduas cigarras
perseguindo a funesta morte. Por esta
paisagem parda, que lábios me guardam
do próximo desastre, a mudança em ave,
cio ou sal, erva ou peixe, cicatriz ou
mito, veia ou água? Que lábios respiram
na coisa mortal que serei após o termo
da eterna efemeridade deste meu corpo,
coma de luz, deste desejo, rijo resíduo,
deste pensamento, disfarce ou máscara,
deste rapto do tempo, deste
coração que começa?
Orlando Neves, in «Lamentação em Cáucaso»
Homenagem a O. N.
Cortesia de homo100sapiens