Cortesia de publicaçõesfundaçãorobinson
«Todas as cidades têm tesouros escondidos atrás de portas fechadas durante demasiado tempo. Em Portalegre, descobrimos recentemente a Igreja de São Francisco. Depois de anos de utilizações várias e de ter sido votada ao abandono, foi redescoberta e, pela mão da Fundação Robinson, ganhou novo brilho, com um projecto de requalificação e adaptação a Espaço Cultural.
Descobriu-se uma Igreja que pode ser um dos monumentos mais antigos de Portalegre. Descobriu-se que passou por sucessivos processos construtivos do século XIII ao século XVIII e que indícios destas obras permanecem gravados nas paredes, como assinaturas ou marcas de uma época determinada. Descobriu-se a cerca da cidade. Descobriu-se um espaço rico de conteúdo e de significados.
Aprendeu-se a olhar o edifício, a lê-1o sob a orientação de quem sabe desvendar vestígios e as memórias perdidas nas sucessivas mudanças por que foi passando. «Destapou-se» o que estava escondido, refez-se uma história há muito perdida e abriram-se as portas. No que ficou podemos adivinhar toda a diversidade de estilos e de intervenções que fazem de São Francisco um espaço cultural privilegiado por congregar diferentes vertentes:
- de investigação;
- expositiva;
- pedagógica;
- formativa;
- lúdica;
- turística;
- cultural...
num trabalho vivo, aberto e continuado. Em todo este processo, é natural que surjam dúvidas e questões: como se descobre o encanto num edifício abandonado ou em risco de ruína? É preciso ver para além do óbvio e adivinhar a beleza escondida no meio dos escombros e de anos de lixo acumulado.
Passados períodos difíceis de obra, de descoberta, de desgaste, de discussões e decisões algo questionáveis, o resultado está à vista! Em São Francisco é possível viajar no tempo e encontrar ali uma diversidade de estilos arquitectónicos e artísticos, valorizados por esta intervenção. A riqueza do edifício esteve sempre lá, só foi preciso que alguém a quisesse ver...
Neste espaço cultural que hoje é a Igreja de São Francisco, peças isoladas da Colecção Sequeira ganham dimensão porque são inseridas num conjunto pensado e desenhado para as fazer brilhar.
Entretanto, existe um trabalho moroso e delicado de estudo, inventariação, recuperação, conservação e restauro do existente. Só assim se concebe mostrar, expor e disponibilizar ao público. Só assim se justifica a nossa preocupação em preservar o nosso legado histórico-cultural, pois é este o caminho que nos permite assegurar o futuro do património». In José Mata Cáceres, Publicações da Fundação Robinson, nº 10, 2009, ISSN 1646-7116.
Cortesia delocalentejo
«Como com o tempo tudo se muda, assim sucedeu nesta Igreja, porque além da renovação que nela se fez, tem tido suas mudanças»
Situado na meia encosta de Portalegre, junto à actual Praça da República, o Convento de São Francisco é uma das construções mais antigas da cidade e foi uma das primeiras casas da Ordem dos Frades Menores a ser fundada em Portugal.
Apesar de constituir uma importantíssima herança do passado de Portalegre, pouco se tem sabido acerca da sua história, tendo sido votado durante décadas ao esquecimento e ao abandono. Procuramos aqui sistematizar alguns dados relativos a este espaço edificado e contribuir, de alguma forma, para a recuperação da memória da cidade, utilizando como guia o cronista da Ordem, Frei Jerónimo de Belém (1692-1760?). Os Franciscanos - que seguiam a regra de São Francisco - tinham como ideal a vida sem comodidades, em pobreza, casta, simples e contemplativa, procurando o isolamento como forma de a conseguir e de imitar a vida de Cristo e de São Francisco de Assis, fundador da Ordem. O Convento que edificaram em Portalegre foi a primeira residência religiosa colectiva a instalar-se aqui. Pelo apoio que davam a pobres e enfermos, os conventos franciscanos tornavam-se centros de atracção desses grupos e eram, por esse motivo, mal vistos pelas comunidades, sendo relegados para fora das cercas urbanas, embora surgissem nas suas imediações.
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Assim sendo, se olharmos para uma planta da outrora vila nos finais do século XIII e princípio do século XIV, podemos notar como este edifício era das poucas construções exteriores à cerca amuralhada de D. Dinis (1279-1325). Foi estabelecido a algumas centenas de metros da cerca urbana - em frente à Porta de Alegrete - junto ao caminho que se dirigia para a serra ou para o lugar que deu nome à porta. A partir de então, o Convento de São Francisco passou a marcar a malha urbana, requalificando o espaço e promovendo linhas de expansão da cidade que ainda hoje se percebem.
Apesar de não haver dúvidas de sua antiguidade, não há, contudo, certezas quanto ao ano da sua fundação e os autores que sobre ele escrevem não são consensuais. Nas palavras de Frei Jerónimo de Belém, que escreve em 1750 sobre este conventos, «não seria pequeno [o milagre] se pudéssemos descobrir o anno certo da fundação do nosso [convento], mas he tal a variedade com que delle escrevem os Chronistas da Ordem, que, fazendo-o todos muito antigo, nisto somente lhe dão o seu princípio».
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Diogo Pereira de Sotto Maior, no seu Tratado da Cidade de Portalegre (1619), remonta a fundação desta casa de religiosos ao reinado de D. Dinis, acrescentando que o Rei o terá feito à sua custa. Segundo um estudo não publicado de Leonel Cardoso Martins, aproximadamente um século mais tarde, Frei João da Encarnação, Guardião do convento em 1721 e autor de uma memória descritiva a que não conseguimos ter acesso durante a nossa pesquisa, situa a sua fundação nos princípios do século XIII. Para Frei Jerónimo de Belém terá sido cerca de 1240 que o convento foi fundado. Tendo em conta que a Ordem dos Frades Menores tinha sido estabelecida por São Francisco de Assis em 1209 e que os primeiros conventos Franciscanos em Portugal foram fundados por volta de 1217, notamos que terá sido com relativa rapidez que chegaram a Portalegre, o que demonstra o dinamismo da Ordem nesses tempos iniciais.
O mesmo frade refuta a opinião dos autores que situam a fundação deste convento no reinado de D. Dinis e que se baseiam no facto de existir uma inscrição em pedra no frontispício da igreja que lhe atribuía a edificação. Crê que a confusão é justificável pelo prolongamento das obras de construção do convento no tempo e por ter sido D. Dinis o Rei que mais terá contribuído para essas obras, «pois em seu tempo se melhoraram os edifícios dele e muita parte da igreja». De igual modo, desvaloriza o argumento dos que datam a edificação de São Francisco do reinado de D. Afonso III (1248-1279), fundamentando-se numa epígrafe que se encontrava debaixo do alpendre da igreja. Esta pedra foi gravada em caracteres góticos e está datada da era de César de 1312, correspondendo ao ano de 1274 da nossa era. A inscrição refere-se ao hospital que naquele convento devia funcionar sob zelo do Guardião e dos frades e que foi instituído por Pedro João Domingos da Porta e sua mulher, Maria Domingues. De facto, esta acaba por ser mais uma prova de que por essa altura o convento não só estava instalado como tinha estabilidade. Frei Jerónimo acrescenta que em 1266 aliás, já tinha sido feita uma doação de água aos franciscanos, o que vem precisamente confirmar a fundação anterior da casa dos religiosos.
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O que Frei Jerónimo não descarta é que a igreja, talvez a segunda que o convento tenha tido, possa ser da época de D. Afonso III. A existência das armas deste monarca na igreja e uma carta de 1272 através da qual o Bispo de Cória, D. Gonçalo (1272-1277), concede indulgência por quarenta dias a todos aqueles que dessem esmola ao novo edifício do convento, fundamentam a sua opinião.
Pinho Leal e, mais tarde, Raul Proença, estão de acordo quanto à fundação do convento no reinado de D. Sancho II (1223-1248). O primeiro defende que foi entre 1230 e 1240 e fundamenta a sua opinião nas armas do Rei, que podem ser vistas na Capela-mor da igreja. Luís Keil é da mesma opinião e os autores do livro sobre Portalegre da colecção «Cidades e Vilas de Portugal», apesar de atribuírem a fundação a D. Sancho II, apresentam, contudo, a data de1275 (reinado de D. Afonso III). Victor Joaquim Fialho Medinas faz avançar a data de fundação do Convento de São Francisco a 1265.
Praça da República
Cortesia de igogo
Como concluiu Américo Costa, não se conhece a data da fundação do convento e apenas podemos estar certos de remontar ao século XIII. Quanto à autoria da edificação também não há, como vimos, certezas. Seguramente que o Rei à data da fundação do convento colaborou com algum financiamento, mas terá sido o povo de Portalegre e dos arredores, sentindo necessidade de uma maior presença espiritual na vila e de uma estrutura de apoio aos mais desfavorecidos, quem mais terá contribuído com esmolas para a construção.
D. Afonso III, contudo, deixa no seu testamento, em 1279, 50 libras ao convento mas há notícia de outras doações por parte dos Reis portugueses, cujos exemplos veremos, que estimaram tanto o convento que ele se tornou Padroado Real desde os primórdios da sua fundação. Apesar disso, a Capela-mor da igreja estaria em meados do século XIII à mercê de Tomás Fernandes, «cujas armas se viam antigamente no seu retábulo e sobre a sepultura que ele mandou pôr no pavimento da mesma Capela».
Poucos anos depois da sua fundação, o convento começou a sofrer as primeiras remodelações, acabando por se tornar uma «amálgama resultante dos diversos períodos em que foi sendo objecto de sucessivas campanhas de obras". Assim sendo, desta época fundacional pouco resta.
O século XVI é marcado pelas reformas feitas na construção mas também na ascese e na regra seguida pelos religiosos do convento Aquando da sua fundação, esta casa estava na jurisdição da Custódia de Portugal da Ordem dos Frades Menores de São Francisco, criada em 1233. Com o aumento do número de casas religiosas da Custódia, esta acabou por ser dividida em 1272, passando o Convento de São Francisco a integrar a Custódia de Lisboa e, mais tarde, desde 1330, a de Évora.
Tanto uma como outra estiveram subordinadas à Província de Santiago até à criação da Província de Portugal, em 1517. Em 1532 também esta última é dividida e o convento de Portalegre integra-se na nova Província dos Algarves, criada pela congregação geral reunida nesse ano em Tolosa e confirmada no ano seguinte pelo geral da Ordem. A sua sede era o Convento de Santa Maria de Jesus de Xabregas, em Lisboa». In Jorge Maroco Alberto, Publicações da Fundação Robinson, nº 10, 2009, ISSN 1646-7116.
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Continua, numa próxima oportunidade.
Cortesia de Publicações da Fundação Robinson/JDACT