quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Salvaterra de Magos: Um topónimo auspicioso?

Cortesia de fisicohomepage

De entre as folhas avulsas da minha biblioteca, encontrei este discurso do Prof. Justino Mendes de Almeida.

Salvaterra de Magos: um topónimo auspicioso?

Sobre Salvaterra de Magos não há uma bibliografia abundante. Há, no entanto, alguns trabalhos publicados, a que não recusamos valor, mas sobre Salvaterra há uma imensidade de documentação no Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo. Sobre os elementos informativos existentes, foi-me possível redigir um extenso trabalho, insusceptível de ser apresentado como comunicação, mas que publicarei na íntegra. Aqui, por escassez de tempo, darei apenas um sumário, que distribuí para mais fácil acompanhamento da exposição.

1. Devo, antes de mais, explicar a razão do uso do qualificativo «auspicioso», no título. Para mais, com uma interrogação: porquê? «Auspicioso» significa «que se apresenta como bom, prometedor, promissor». O uso deste adjectivo aplicado a Salvaterra tem a ver com a convicção, que se criou e se afirmou, pelo menos no meu espírito, de que para a vila estava destinado um futuro próspero, como que divinizado pela fixação da palavra «Magos».

Escaroupim, Salvaterra de Magos
Cortesia de velocipedia
2. Ninguém até hoje, que eu saiba se ocupou completamente da origem e significado do nome de Salvaterra de Magos. Há pequenas abordagens em dicionários antigos e em enciclopédias actuais, e leves alusões em trabalhos de investigação histórica, mas que não satisfazem as exigências da ciência linguística. Para aumentar as dificuldades, o nome nem sequer vem mencionado no Onomástico Medieval, de A. A. Cortesão, que regista as formas mais antigas dos antropónimos e topónimos portugueses.

Porquê «Salvaterra»? E porquê «de Magos»?

3. É conhecido como, à medida que se procedia à reconquista cristã, os monarcas portugueses distribuíam as terras a arrotear por colonos estrangeiros. Para Benavente, uma vila aqui ao lado, vieram colonos da Benevento italiana. Uma forma de genitivo (vila Beneventi) está na origem do nome actual, cuja evolução fonética já expliquei em outras oportunidades.
Para Salvaterra vieram colonos francos (povos que ocupavam a antiga Gália romana) e aqui deram a um local já existente, o nome da sua terra: em francês Sauterre evolução do latim salva terra «terra salva» por qualquer acontecimento, porventura de natureza histórica. Os naturais ou habitantes deste lugar adoptaram a designação mais conforme com o original. E não foi esta a única: outras Salvaterras nasceram no território hispânico, todas com uma génese francesa.

Cortesia de pbase
4. ..«de Magos», o que vem a ser? É também palavra latina «plural de mago, proveniente de magus, com o sentido de «mago, mágico, feiticeiro» Esta palavra tem uma história linguística curiosa: deveria ter evoluído para majo, como Tagus evoluiu para Tejo, Pace para Beja. A manutenção de magus só se compreende por um uso moçarábico (do árabe musta’rib «arabizado»: cristão que vivia na Península Ibérica sob a dominação muçulmana, conservando as suas crenças a sua língua e o direito de praticar a sua religião), como me explicou oralmente o Prof José Pedro Machado.
Temos, portanto, em Magos uma palavra grega uayos, de origem persa, que chegou até nós por intermédio do latim magus, com o significado primitivo que já indicámos. Pensa ainda o Prof, José Pedro Machado que a palavra magus era muito usada pelos moçárabes e que é provável que ali existisse um templo que deu o nome ao lugar, designado Magos.

5. Que Salvaterra conviveu com Magos, e que Magos precedeu Salvaterra, são conclusões que se tiram da leitura do início do foral concedido por D. Dinis, em boa hora divulgado pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, sob a responsabilidade científica do saudoso Prof. Borges de Macedo. Diga-se, no entanto, que, em verdade, o foral então publicado não era destinado a Salvaterra de Magos, mas a Salvaterra próxima do lugar de Magos, depois Salvaterra de Magos. Isto está na origem da confusão existente em alguns autores, ao julgarem que o foral de Salvaterra, publicado por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta Historica, se referia a Salvaterra de Magos, quando afinal é o foral de outra Salvaterra depois designada por Salvaterra do Extremo, em terras egitanienses.

Cortesia de pbase
6. Mas, afinal, como prevalece um nome que contém em si um vocábulo de sentido anticristão, e que eu, no título da comunicação, considerei «auspicioso»?
O significado primitivo de Magos desvanece-se com os tempos. E sobretudo a partir do séc. XVI, mais exactamente desde a fundação do Convento de Jenicó pelo infante D. Luís, a quem se deve o mais majestoso palácio real construído – ou reconstruído - em Salvaterra que se radica a convicção de que Magos mais não era do que uma evocação dos Reis Magos, do episódio bíblico.

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Não é difícil reconstruir a imagem: assim como os Reis Magos tinham vindo do Oriente para adorar o Deus Menino, assim os monarcas portugueses demandavam Salvaterra - que rivalizava então com Almeirim. Magos, no nome de Salvaterra não poderia ser senão uma lembrança dos Reis Magos, como se Salvaterra se identificasse com Salvaterra dos Reis Portugueses, de significação idêntica a Salvaterra dos Reis Magos, na sua expressão mais simples Salvaterra de (por dos) Magos. Assim acreditavam, e assim ficou para sempre. Não se creia porém como alguns disseram, que Salvaterra foi buscar a segunda parte do nome à designação de Paul de Magos. A documentação regista a existência de muitos paúis na região e o que veio a ser designado por Paul de Magos só teria sido aberto em tempos de D. João IV.

Cortesia de portucale
7. Com a invocação, e não apenas evocação, dos Reis Magos na sua designação, a vila ficava por assim dizer, divinizada, assegurando-lhe um futuro promissor, como de facto aconteceu.

Entendam-se estas minhas palavras como uma homenagem a Salvaterra de Magos.
Salvaterra de Magos, 8 de Maio de 2004
Justino Mendes de Almeida, 1º Vice-Presidente da Academia Portuguesa da História e Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa

Prof. Justino Mendes de Almeida
Cortesia de semanal.omirante
Com amizade.
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