sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Lindley Cintra: Um dos mais importantes filólogos e linguistas portugueses. Como investigador, distinguiu-se principalmente nas áreas da literatura medieval, da linguística românica, da dialectologia e da geografia actual da língua portuguesa

(1925-1991)
Lisboa
Cortesia de 0015blogwordpress

Luís Filipe Lindley Cintra foi um dos mais importantes filólogos e linguistas portugueses. Toda a sua actividade científica foi desenvolvida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde se licenciou e doutorou em Filologia Românica.

Foi director das revistas Boletim de Filologia e Revista Lusitana (nova série), pertenceu a diversas sociedades científicas (Academia Espanhola de História, Academia de Buenas Letras de Barcelona, Academia Portuguesa de História e Academia das Ciências de Lisboa) e organizou em Lisboa reuniões científicas de grandes dimensões: III Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros (1957), IX Congresso Internacional de Filologia e Linguística Românicas (1959) e Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo (1983).

Como investigador, distinguiu-se principalmente nas áreas da literatura medieval, da linguística românica, da dialectologia e da geografia actual da língua portuguesa, vasta gama de interesses que ajudam a perceber o percurso de um linguista de formação tradicional que não deixou de estar atento à evolução da ciência e da sociedade.

Cortesia de academiaportuguesadehistoria

Começou pelo estudo da literatura, numa altura em que ela abarcava ainda, em Portugal, o estudo da língua, merecedora de atenção científica apenas enquanto língua de escritores ou repositório de arcaísmos e regionalismos. Dedicou a tese de licenciatura à versificação de António Nobre e a tese de doutoramento ao que se supunha ser a versão portuguesa da Crónica Geral de Espanha de Afonso X, o Sábio, e que, como demonstrou, era uma crónica originariamente portuguesa, atribuída ao Conde D. Pedro de Barcelos e ocupando um lugar importante no quadro da historiografia peninsular.

Em ambas as dissertações, Cintra partiu de temas puramente literários para: 
  • desviando-se de abordagens eruditas, estilísticas ou interpretativas, como talvez fosse de esperar, se deixar atrair pelos fenómenos de natureza mais claramente linguística, daí resultando um ensaio sobre ritmo, métrica e sonoridades, no caso de Nobre, e um manual prático de crítica textual e de linguística medieval, no caso da Crónica Geral.
A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo (1959), dedicada a um grupo de textos de direito local do séc. XIII, produzidos na região leoneso-portuguesa de Ribacoa e cheios de interesse para a reconstituição dos movimentos linguísticos desencadeados pela Reconquista numa região do país que ainda hoje reserva seus segredos.

Cortesia de cvcinstitutocamoes

Dava pouca importância à teoria e preferia-lhe a análise dos dados, que manejava com absoluto domínio da técnica e uma perspicácia inultrapassável, nisso seguindo o seu grande modelo, Ramón Menéndez Pidal, com quem trabalhara para o doutoramento. Foi assim que a sua obra, construída a partir da natureza e das necessidades dos problemas e passando ao largo das metodologias de moda, adquiriu uma solidez e uma perenidade granítica que se casam bem com documentos medievais e com dialectos de montanha.
Foi integrado nas equipas de linguistas que recolheram os materiais para o Atlas Linguístico da Península Ibérica. Para tal, o urbano Cintra teve de percorrer extensamente as províncias de Portugal em 1953 e 1954 e assim «conheceu o povo». De imediato, abriram-se-lhe novas janelas de interesse:
  • a dialectologia e a etnografia, disciplinas que desde Leite de Vasconcellos andavam pouco praticadas em Lisboa.
A forte experiência humana de abandonar o gabinete e de descobrir como vivia o povo despertou nele a consciência dos problemas sociais e políticos. Dez anos mais tarde, o protagonismo que teve nas lutas estudantis e a coragem física que demonstrou em episódios que hoje são históricos tornaram-no conhecido fora da Universidade e atribuiram-lhe um papel modelar que influenciou, entre outras, a geração que hoje ocupa o poder.
Cortesia de edicoescosmos  

Enquanto linguista, não produziu as sínteses do seu vasto saber. Mas talvez seja possível depreender, dos seus escritos, dois grandes campos de investigação pessoal:
  • as origens da língua portuguesa, campo em que se concentram os seus trabalhos sobre a Reconquista e o repovoamento do território peninsular;
  • a história dos dialectos galegos e portugueses;
  • a produção documental latina e portuguesa dos primeiros séculos nacionais;
  • o aparecimento da literatura escrita em português;
  • a literatura oral, manifestada mais tarde no romanceiro;
  • o espaço da língua portuguesa, definido historicamente como sendo constituído por toda a faixa ocidental da Península Ibérica (incluindo, portanto, o galego, cujos dialectos não hesitava em considerar como pertencendo ao mesmo sistema que o português.
Cintra fazia pairar uma unidade fundamental que não excluía o galego, nem os crioulos. E muito menos o português do Brasil, como o demonstraram, na fase final da vida, a sua defesa de uma ortografia comum e a colaboração com Celso Cunha para escreverem a Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984), uma gramática escrita para servir de normativa, simultaneamente, à língua usada por portugueses, brasileiros e africanos.

Cortesia do Instituto Camões/Dicionário Histórico/JDACT