sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Conflito Luso-Espanhol de 1801: Parte II. O «Combate de Arronches» A guerra que opôs portugueses e espanhóis, em 1801, teve como palco privilegiado o Alto Alentejo. Nessa breve campanha de duas semanas, que se saldou pela derrota das forças lusitanas e pela perda de Olivença e seu termo, apenas ocorreram acções militares com algum significado em Arronches, Flor da Rosa e Campo Maior

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Com a devida vénia a António Ventura, o Combate de Flor da Rosa, edição patrocinada pela Câmara Municipal do Crato, ISBN 972-8288-23-9, Edições Colibri, Junho de 1996.

O Combate de Arronches
«A posição de Arronches foi ocupada por 1300 homens de Infantaria e de Cavalaria, sob o comando do Coronel D. José Carcome Lobo, com instruções para não guarnecer a praça, mas de a utilizar apenas como ponto de apoio. Não se pretendia conservar Arronches, que não tinha, aliás, condições para uma defesa eficaz, dado o mau estado das suas fortificações, mas apenas estacionar ali uma força de observação para manter linhas de comunicação e para qualquer eventual operação de auxílio a Campo Maior, que sofria um rigoroso cerco, ou surtida sobre Monforte. Essas forças deviam recusar um confronto de envergadura com o inimigo, e possuíam instruções para, em caso de ataque espanhol, retirar em boa ordem em direcção a Alegrete. As rotas estavam previamente definidas e, no lugar de Mosteiros, o Brigadeiro Bernardim Freire de Andrade, com algumas forças, apoiaria a operação a realizar ou daria cobertura à retirada.

Alegrete
Cortesia de azenhadoramalho
Verificada a impossibilidade de socorrer Campo Maior, chegam a Arronches notícias de uma próxima investida espanhola. Monforte fora ocupado, o mesmo sucedendo a Assumar. Pelos diários de operações das Divisões espanholas observamos que duas delas - a 2ª e a de Vanguarda – avançaram sobre Arronches, onde corriam notícias sobre uma hipotética presença de novas tropas em Codecera, o que, a ser verdade, e juntamente com as que avançavam a partir de Assumar, ameaçariam a praça pelos flancos. Alguns contactos havidos entre vedetas portuguesas e espanholas comprovavam que a ameaça era, pelo menos em parte, real. D. José Carcome, em vez de retirar, ficou em Arronches, e quase foi surpreendido pela chegada súbita das forças adversas. Nem sequer tomou partido de algumas vantagens do terreno, encontrando-se a maior parte dos soldados portugueses formados no Rossio, fora das muralhas.

Arronches
Cortesia de cmarronches
A derrota foi rápida e só não assumiu a forma de uma catástrofe total pela pronta intervenção de Bernardim Freire, que enviou algumas tropas de Mosteiros para protegerem a retirada dos que estavam em Arronches. A confusão não podia ser mais completa; a Cavalaria debandou no meio do maior caos, atropelando a Infantaria. Os soldados fugiam cada um para seu lado, encurralados entre o rio e os muros da Vila, abandonando bagagens e armas.O relatório de D. José Carcome, onde pretende justificar a sua actuação, deve ser confrontado com o que Bernardim Freire de Andrade elaborou sobre os mesmos sucessos. Apresentam, como é óbvio, diferenças assinaláveis...

D. Manuel Godoy, nas suas Memórias, escritas muitos anos depois, no exílio, sem recurso a documentos e, por isso mesmo, com numerosas imprecisões, descrevia o combate de Arronches da seguinte forma: «Era ya el 28; noticioso yo de que el 30 era el dia senalado para el ataque general de nuestias posiciones, resolvi anticiparme y cargué el 29 sobre Arronches. La guarnición de aquella plaza, fuerte casi de dos mil hombres de tropas veteranas, o fuese por estar mal segura de poder defenderia sin el auxilio de las tropas que debían mostrarse el 30, o creyendo más bien que el ataque general se comenzaba ya por otros puntos, dejó la fortaleza para hacernos frente a campo raso, cierta de tener a poco trecho detrás de ella la vanguãrdia del Ejército. Llegó, en efecto, ésta y la caballería enemiga cubriendo sus dos alas. Nuestras tropas ligeras de vanguardia y algunos escuadrones de la división primera nos bastaron para ahuyentar a los que en grande fuerza habían de sostener a los de Arronches; la caballería enemiga, huyendo a toda brida desde el primer encuentro, desbarató los batallones que venía cubriendo; la fuga de éstos fué precipitada; la guarnición de Arronches, cortada de la plaza, retirándose de un punto a otro, y aguardando el socorro, nos hizo frente un poco tiempo, pero en vano. Unos trescientos hombres quedaron fuera de combate entre muertos y heridos; outro número casi igual quedaron prisionerosj los demás pudieron escaparse amparados de las malezas y con mejor conocimiento que nosotros de las sendas y los rodeos de aquel terreno. Arronches fué ocupada por nosotros».

Manuel Godoy
Cortesia de wikipédia

D. José Carcome, muito criticado pela incompetência demonstrada, foi considerado responsável pelo ocorrido, mas não sofreu qualquer punição, continuando a manter a confiança do Duque de Lafões que, na noite em que recebeu a notícia do que sucedera em Arronches, elogiou o comportamento daquele oficial bebendo à saúde da sua bravura. No livro que dedicámos ao Combate de Arronches alinhámos algumas notas biográficas, ainda que incompletas, sobre aquele polémico militar.

D. José Carcome Lobo nascera em Ameixoeira, em 1757, filho e neto de militares. Assentou praça em Agosto de 1774 no Regimento de Lippe, transitando em 1778 para o de Setúbal. A partir de l781 faz serviço no Regimento da Armada,nomeadamente na nau «Santo António» e nas fragatas «Bom Despacho» e «Cisne» (1785). Em Abril de 1794 era Capitão graduado do Regimento de Cascais, passando para o Regimento de Infantaria de Castelo de Vide como Sargento-Mor (25 de Abril). Nesse mesmo ano, a 15 de Outubro, passou para a 2ª Companhia de Granadeiros do Exército Auxiliar à Coroa de Espanha. Como reconhecimento pelos serviços prestados no Rossilhão e na Catalunha, foi promovido a Tenente Coronel agregado do Regimento de Castelo de Vide (17-12-1795) e pelas «suas qualidades merecimentos e serviços», era novamente promovido em 17 de Dezembro de 1797, passando para o 2º Regimento de Infantaria de Olivença com a patente de Coronel.

Geografia Histórica, 1736
Cortesia de edicoescolibri

Quanto à sua experiência guerreira, existem referências contraditórias. Soriano, que escreve muito depois dos acontecimentos e certamente influenciado pela opinião geral desfavorável sobre o militar, afirma que fora «criado somente nos exercícios de paradas», enquanto que Stockler refere a experiência de Carcome no Rossilhão, concluindo que o que lhe faltava era preparação teórica, não deixando, porém, de rematar: «mas de que vale a prática da guerra sem os princípios da Arte?».

Após a derrota de Arronches, as tropas portuguesas sediadas entre aquela vila e Alegrete, comandadas por Bernardim Freire de Andrade, retiraram em direcção a Portalegre. Nesta cidade, onde já se encontrava o Duque de Lafões, as notícias da derrota causaram uma profunda inquietação, ampliada por boatos alarmistas que davam como certa a chegada de tropas espanholas aos arredores da cidade e de reforços inimigos a Valência de Alcântara, o que possibilitariam uma nova frente de ataque. O Exército português abandonou Portalegre e empreendeu uma retirada em direcção a Alpalhão, no que foi seguido quer pelas forças que marchavam a partir de Alegrete, e que tomaram a estrada de Castelo de Vide, quer por outros corpos que guarneciam a Serra de Portalegre. As tropas espanholas puderam avançar sem resistência, apoderando-se de armazéns, depósitos de munições, hospitais e bagagens que as forças portuguesas abandonaram. Em alguns casos, as próprias autoridades portuguesas cooperavam com os invasores , como sucedeu com o governador de Portalegre, Mateus de Pina Pereira Moscoso». In O Combate de Flor da Rosa, edição patrocinada pela Câmara Municipal do Crato, ISBN 972-8288-23-9, Edições Colibri, Junho de 1996.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT