sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Filinto Elísio: «Foi um autor único na sua visão dos clássicos, pois dava relevo ao maravilhoso e ao fantástico, pressentindo tendências modernas em relação ao racionalismo de seu tempo. A queda da Bastilha trouxe-lhe um sentimento positivo aliado a um sentimento com resquícios de rancor contra a maldita Inquisição que o exilou»

(1734-1819)
Lisboa
Cortesia de tomarpartido

Filinto Elísio foi um poeta e tradutor do Neoclassicismo. O seu verdadeiro nome é Francisco Manuel do Nascimento e foi sacerdote. O seu pseudónimo, Filinto Elísio, ou também Niceno, foi-lhe atribuído pela Marquesa de Alorna, a quem ensinou latim quando se encontrava reclusa no Convento de Chelas, dado Francisco Manuel do Nascimento ter pertencido a uma sociedade literária, Grupo da Ribeira das Naus, cujos membros adoptavam nomes simbólicos.
Apesar de ser clérigo, lendo livros racionalistas franceses proibidos pela maldita Inquisição, teve de fugir para França, exilando-se em Paris em 1778. Estabeleceu relações de amizade com o poeta Lamartine. As suas poesias foram publicadas em Paris em 11 volumes entre 1817 e 1819, seguindo-se uma segunda edição em Lisboa de 22 volumes entre 1836 e 1840. Além de poeta era tradutor, escrevendo para português os Mártires de Chateaubriand, as Fábulas de La Fontaine e Púnica de Sílio Itálico.
Cortesia de ricardoriso  
A obra de Filinto Elísio tem sido estudada por Fernando Alberto Torres Moreira, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (tese de mestrado com o título O Epigrama em Filinto ElísioUm Género para um Poeta, 1995). Têm vindo a ser publicadas desde 1998 as Obras Completas de Filinto Elísio. Fernando Moreira, professor da UTAD, com o apoio do Ministério da Cultura e do Instituto Português do Livro e da Leitura, coordenada actualmente a reedição das mesmas. Foram publicados até ao momento 4 volumes (Filinto Elísio: Obras Completas, colecção Clássicos da Literatura Portuguesa, Braga, Edições APPACDM, 1998-1999. Edição de Fernando Moreira).


CONTO
Saiu da Samardã certo pedreiro,
faminto de ouro, em busca da fortuna.
Embarca, vai-se ao Rio, deita às Minas
e lida e fossa e sua, arranca à Terra
o luzente metal, que o vulgo adora.
Vem rico à Samardã: vinhas, searas,
casas, móveis, baixela compra fofo;
brocados veste, vai-se nos domingos
espanejar à igreja, acompanhado
de lacaios esbeltos. Vem o Cura
saudá-lo coa água benta; os mais graúdos
do lugarejo a visitá-lo acorrem;
para ele os rapapés, as barretadas
se apostavam de longe, a qual mais prestes.
Falaram-lhe os vizinhos, e a gazeta
na célebre Paris, cidade guapa,
onde todo o estrangeiro, nobre ou rico,
vai fazer seu papel. Ei-lo azoado,
que deixa a Samardã, que se apresenta
na capital francesa; roda em coche,
alardeia librés, passeia Louvres,
Versalhes, Trianões. Volta enfadado
à sua Samardã. – «Gabam tal gente
de polida?! Oh, mal haja quem tal disse!
Corri casas, palácios, corri ruas;
não vi um só, nem grande, nem plebeu,
que ao passar me corteje co chapéu!»
Filinto Elísio, in Obras, vol. III

Filinto Elísio sentiu uma forte influência de Almeida Garrett, que aparece sob a denominação de «filintismo». Foi um autor único na sua visão dos clássicos, pois dava relevo ao maravilhoso e ao fantástico, pressentindo tendências modernas em relação ao racionalismo de seu tempo. Filinto tinha simpatia pelas ideias de Rousseau, pelos ideais da Revolução Francesa e por Franklin e George Washington. A queda da Bastilha trouxe-lhe um sentimento positivo aliado a um sentimento com resquícios de rancor contra a maldita Inquisição que o exilou.


Cortesia de livrariaultramarina
Cortesia de Projecto Vercial/JDACT