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Esta história é do tempo... que os cristãos lutavam com os mouros pelo domínio do oeste da Ibéria e pela formação do reino cristão de Portugal. D. Diogo era um bravo cristão que tinha como missão a expulsão dos mouros daqueles reinos. Destemido e arrojado, o fidalgo gostava de montar o seu cavalo branco e sair pelos bosques e montes a caçar veados, javalis, lobos e ursos. Fizesse sol ou chuva, fosse Inverno ou Verão, lá estava o inquieto fidalgo longe do seu castelo, em caças perigosas a animais silvestres ou aos mouros infiéis.
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Sendo originária de Marialva, concelho de Mêda, no distrito da Guarda. Até hoje alguns crêem que se pode ver a Dama Pé de Cabra vagar na torre de menagem do castelo que encontra-se em ruínas. Dizem mesmo que o nome de Marialva tem origem no nome desta dama muçulmana, que se chamava Marialva. Eis a versão de Alexandre Herculano em Lendas e Narrativas.
Foi a perseguir um javali num monte agreste e coberto de silvas espinhentas, que o valente fidalgo um dia se deparou com o mais belo canto que já ouvira. O canto ecoava pelo ar, fazendo que o javali ficasse manso e esperasse pela sua lança, como se encontrasse a redenção. Embriagado por tão bela e aguda voz, D. Diogo correu com os olhos em direção a um pedregulho que aparecia à frente. No cimo encontrava-se, sentada, a mais formosa das mulheres. O coração do fidalgo disparou. Aproximou-se da mulher e perguntou:
- Quem sois vós, encantadora senhora? Quem sois vós que me cativou com o vosso belo canto?
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Ela riu-se. Do sorrriso saltava-lhe a mais bela feição, rimando com o olhar vindo de duas contas cristalinas, seus cabelos dourados dobravam-se ao vento, sua face gentil reluzia o dia de sol, suas mãos brancas traziam uma pele macia como a neve. Respondeu_lhe:
- Sou uma dama tão nobre quanto sois vós.
Ao ouvir-lhe as palavras, D. Diogo não se conteve, aproximou-se com o coração a arfar-lhe cada mais, descompassado de amor. Disse-lhe:
- Formosa senhora, se casardes comigo, ofereço-vos as minhas terras e os meus castelos, além do meu coração que já vos pertence!
Guarda as tuas terras que precisas para cavalgar a tua inquietude da alma.
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Numa malícia que se traduzia em constrangimento, a mulher baixou a cabeça, a demonstrar um fulgurante pudor. A olhar com um encanto de serpente para o homem, pronunciou as palavras com a mais doce das vozes:
- A única coisa que me interessa, não podes dar-me, porque foi um legado da tua mãe. Tens de jurar que não tornas a fazer o sinal da cruz que ela te ensinou quando eras pequeno.
Por alguns instantes, D. Diogo hesitou ante tão estranho pedido, que lhe pareceu coisa do diabo. Olhou-a com estranheza, mas ao deparar-se com tamanha beleza, com aquele sorriso tão puro, afastou as dúvidas e os pensamentos obscuros. Já se apaixonara irreversivelmente por ela. Questionou-se para que serviam as benzeduras? Chegou à conclusão que se deixasse de benzer, continuaria a ser o mais puro dos cristãos. Para compensar esta omissão, decidiu que mataria duzentos mouros e todos os pecados ser-lhe-iam perdoados. -Que assim seja, minha amada!
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Movido pela paixão, arrebatou-a nos braços, esporeou o cavalo e partiu a galope para o castelo. À noite, quando se deitaram, embriagados de amor, D. Diogo apercebeu-se que a dama tinha pés de cabra. Mas o seu coração apaixonado não deu importância àquele defeito, pois o corpo da amada era esbelto, esguio, os cabelos eram lisos e perfumados, a pele fina como a seda. Durante alguns anos o casal viveu em paz, felizes e apaixonados. Da união nasceu um menino, Inigo, e uma menina, Sol. Assim correram os anos, Diogo continuou inquieto nas suas caças, mas com a certeza que ao final delas, encontraria a paz que precisa nos braços da amada e no aconchego da família.
Numa noite, durante a ceia, Diogo reparou que o seu melhor cão de caça dormitava junto à lareira, enquanto que uma feroz cadela, pertencente à mulher, andava inquieta de um lado para o outro, com um rosnar estranho. Para afrontá-la, pegou num grande pedaço de osso, atirou-o para junto do focinho do cão que se encontrava próximo à lareira, e disse: -Toma lá tu, Silvano, valente caçador, precisas te alimentar. À cachorra não dou nada, porque não pára quieta!
Satisfeito e agradecido, abocanhou tão generoso osso, mas não teve tempo de comê-lo, pois a fúria da cadela fez com que se atirasse ao cão, abocanhando-lhe mortalmente a garganta. -Maldita cadela! Por minha fé cristã, jamais vi coisa assim! Por cá andam artes de Belzebu...
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Ao dizer tais palavras, D. Diogo esqueceu-se do juramento que fizera à mulher alguns anos antes, benzendo-se repetidas vezes. Foi quanto bastou para que a mulher emitisse urros pavorosos. Aos olhos apavorados de D. Diogo, a mulher parecia desmanchar-se em outra, a pele branca e sedosa tornou-se áspera e negra, os olhos reviraram, a boca ficou torta. A mulher tornara-se um animal horrendo, que se erguia no ar, leve como uma pena. Debaixo do braço esquerdo levava a filha, Sol, o braço direito alongava-se para o filho.-Santo Deus! Jesus Cristo! – Bradava o fidalgo. – A minha mulher é o diabo!
Antes que o braço direito da mulher alcançasse Inigo, o fidalgo agarrou o filho e fez vários sinais da cruz. A mulher soltou um último e horripilante grunhido, desaparecendo de vez por uma fresta próxima ao tecto, levando consigo a menina. Desde àquela noite, ninguém no castelo tornou a pôr os olhos em cima da mãe, da filha e da cadela. Desapareceram entre as artes mágicas.
Mesmo a saber que a mulher talvez fosse o diabo, D. Diogo Lopes sofreu a dor da sua perda, vivendo muito tempo cabisbaixo, triste e aborrecido com a vida. Para esquecer a dor que sentia no coração, decidiu partir para a guerra. Entregou ao filho Inigo o governo dos castelos. Os servos desenferrujaram-lhe as armas, preparando-lhe o cavalo. Partiu assim, para lutar contra os mouros e ajudar na formação do reino cristão de Portugal.
Cortesia de Lendas Medievais/JDACT