segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Bela Poesia: Antero de Quental. «... Palpita a noite n'um clarão que offusca prque eu venho de longe, em tua busca, Trazer-te paz e alivio, pobre amigo...»

Ponta Delgada
Cortesia de ognosco

Entre Sombras
Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim
 A noite desce, desfolhando as rosas
Vem ter commigo, ás horas duvidosas,
Uma visão, com azas de setim...

Pousa de leve a delicada mão
 Rescende amena a noite socegada
Pousa a mão compassiva e perfumada
Sobre o meu dolorido coração...

E diz-me essa visão compadecida
 Ha suspiros no espaço vaporoso 
Diz-me: Porque é que choras silencioso?
Porque é tão erma e triste a tua vida?

Vem commigo! Embalado nos meus braços
Na noite funda ha um silencio santo
N'um sonho feito só de luz e encanto
Transporás a dormir esses espaços...

Porque eu habito a região distante
 A noite exhala uma doçura infinda 
Onde ainda se crê e se ama ainda,
Onde uma aurora igual brilha constante...

Habito ali, e tu virás commigo
 Palpita a noite n'um clarão que offusca
Porque eu venho de longe, em tua busca,
Trazer-te paz e alivio, pobre amigo...

Assim me fala essa visão nocturna
No vago espaço ha vozes dolorosas
São as suas palavras carinhosas
Agua correndo em crystalina urna...

Mas eu escuto-a immovel, somnolento
A noite verte um desconsolo immenso
Sinto nos membros como um chumbo denso,
E mudo e tenebroso o pensamento...

Fito-a, n'um pasmo doloroso absorto
A noite é erma como campa enorme
Fito-a com olhos turvos de quem dorme
E respondo: Bem sabes que estou morto!
Antero de Quental
 
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