quinta-feira, 3 de março de 2011

Braga. Escadório do Bom Jesus do Monte: Haverá um percurso alquimista na escadaria? Parte VI. «O olfacto, tal como a visão, encontra-se muitas vezes associado à clarividência, à capacidade de percepcionar aquilo que o sentido físico não capta. A figura da fonte deita água pelo nariz, tem nas mãos uma caixa aberta e de cada lado um cão»

Cortesia de caminhosromanos 

Com a devida vénia ao Gabriel e ao sítio Peregrinar/Maria cito algumas frases. 
«O escadório dos cinco sentidos, é uma alegoria ao corpo humano mas está longe de constituir uma elegia. Ao contrário ele representa a mundovisão católica sobre o seu carácter pecaminoso e efémero, acrescido de uma desmistificante narrativa sobre o carácter erróneo do conhecimento sensorial; se é pelos sentidos que «se deriva o princípio do nosso conhecimento», como escrevia um dos primeiros moralistas do Bom Jesus, a atitude do crente não pode ser passiva nem acrítica no acto de conhecer. É necessário ir além das ilusões da imagem, como dizia Santo Agostinho ou o Padre António Vieira, é necessário ir além de todos os dados imediatos da percepção, dizem sem cessar todas as fontes do Escadório dos Cinco Sentidos. Tudo o que é sensorial é do domínio do reino animal:
  • «e serão sempre animais a exemplificar nas várias fontes as capacidades de cada sentido como que a quererem dizer que não é essa a condição humana».

Cortesia de caminhosromanos/wikipedia

3ª Fonte dos Sentidos: Fonte do Olfacto
Símbolos: cão – nariz

Na fonte do Olfacto a figura da fonte deita água pelo nariz, tem nas mãos uma caixa aberta e de cada lado um cão.

Cortesia de flickr  
Na Idade Média o cão nem sempre se associou a uma simbologia positiva. No entanto, progressivamente ele tende a representar o símbolo, por excelência, da fidelidade, tal como, de resto, foi transmitido pelos autores da Antiguidade. Louis Charbonneau-Lassay refere, que a arte cristã «le hizo justicia e hizo de él el símbolo de Fidelidad, de todas las fidelidades. En este sentido estaba echado al pie de las reinas y de las mujeres de bien, en sus monumentos funerarios, y también a los pies de los señores vasallos y de los escuderos fieles». Gerd Heinz-Mohr reitera esta simbologia, referindo que a Idade Média elevou o cão a símbolo «de fidelidade dos vassalos para com o Senhor das terras, da mulher para com o marido».

Cortesia de flickr
O símbolo do cão é bastante complexo na sua tradição mitológica. Frequentemente comparece associado à idéia de morte, à imagem dos infernos e do mundo subterrâneo. 
O Dicionário de Símbolos, afirma que a primeira função mítica do cãoé a de guia do homem na noite da morte, após ter sido seu companheiro no dia da vida (1992, p.176). Consta também ser intercessor e intermediário entre vivos e mortos, estando ligado à trilogia dos elementos,  terra, água e lua.

 
Cortesia de postaisdantigamente
Noé - Jacinto /Vir Sapiens - OLFACTO - Sunamita
A estátua por cima da fonte é de um varão sustendo a capa com a mão direita e pegando numa flor com a esquerda e a inscrição: Vir sapiens. Florete flores quasi lilium e date odorem. Eccl. 39, 19. «Varão sábio. Dai flores como o lírio e rescendei suave cheiro».

Jacinto era um jovem mortal muito amado pelas divindades, principalmente por Apolo que o seguia aonde quer que ele fosse. Certa vez em que ambos se divertiam com um jogo:
  • Apolo lançou o disco com tal habilidade para o céu que Jacinto olhando admirado correu para pegá-lo, ansioso por fazer sua jogada. Porém, o disco caiu em terra e voltando, bateu na testa de Jacinto, que caiu desmaiado. Apolo correu em desespero até Jacinto e com toda sua habilidade médica tenta reavivar o corpo de Jacinto, mas a sua cura estava além de qualquer habilidade. Apolo se sente tão culpado por sua morte que promete que Jacinto viveria pra sempre com ele na memória do seu canto.
O canto entoaria a canção do seu destino e ele se transformaria numa flor. Uma flor muito semelhante ao lírio, porém, roxa. Nela foi gravada a saudade e o pesar de Apolo com o lamento "Ai! Ai!" que ele escreveu na flor, como até hoje se vê. A flor carrega seu nome e renasce toda a Primavera relembrando o seu destino (a flor mencionada não parece ser o jacinto moderno).

Cortesia de excursvirtbraga 
À esquerda está Noé sustentando nos braços um cordeiro, junto dum altar com a inscrição: Noé. Odoratus est dominus odorem suavitatis. Genes. 8.- «Noé. Percebeu o Senhor um suave cheiro».
À direita Sunamites abraçada a uma palmeira dizendo: Sunnamites. Statura tua assimilata est palmae...et odor oris tui sicut malorum. Cant. Cantic. Cap. 7, vv 7 e 8. - «A tua estatura é semelhante a uma palmeira... e o cheiro da tua boca é como o das maçãs». Recordemos que a maçã é o fruto do conhecimento e da imortalidade. Contudo, esta fruta possuia um sentido ambíguo durante a Idade Média.
Por um lado foi identificada como aquela que causou o pecado original. Porém, também pode ter um significado positivo, pois, segundo Lurker, desde o século XI a maçã nas mãos do menino Jesus e na de Maria significava uma referência à absolvição do pecado e à vida eterna.

 «O olfacto, tal como a visão, encontra-se muitas vezes associado à clarividência, à capacidade de percepcionar aquilo que o sentido físico não capta». In José Ramos.

Nariz (olfacto) – Terra – Elemento Feminino
Cão (animal lunar) – Água – Elemento Feminino

In Peregrinar/Maria.

Cortesia de Gabriel/Peregrinar/Maria/JDACT