Algés
Cortesia de museudochiadoipmuseus
Com a devida vénia a Helena Vasconcelos.
Mário Eloy, justamente considerado como um dos artistas portugueses mais marcantes do século XX. Desde muito jovem, Mário demonstrou ser irreverente e inquieto, arvorando uma atitude de contestação precoce. Em 1913, abandonou o Liceu e matriculou-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde apenas permaneceu 2 anos, insatisfeito com o ensino tradicional que aí se ministrava.
Entre 1915 e 1919, Mário levou uma vida boémia. Frequentou assiduamente os cafés lisboetas e, nas mesas do «Martinho» ou nos de «A Brasileira», aproveitava para desenhar os seus companheiros de tertúlia. Fugiu para Madrid onde, no Museu do Prado, encontrou um universo artístico que o desassossegou ao ponto de decidir o seu futuro:
- ser artista.
Regressou a Portugal a pedido de um cenógrafo amigo da família, prometendo-lhe trabalho no atelier do Teatro D. Maria II, em Lisboa, onde se exercitou nas técnicas do desenho. O contacto com o meio teatral, que lhe era familiar e que possuía uma enorme vitalidade criativa, convinha às suas ambições artísticas, (chegou a representar com Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro na peça “A Ribeirinha” que estreou no Politeama em 1923) e demonstrou ser importante uma vez que lhe proporcionou uma boa formação. As suas primeiras experiências como pintor foram retratos de amigos, como a actriz Maria Helena Andrade, por quem se apaixonou tão perdidamente que chegou a tentar o suicídio.
Em 1925, Eloy abandonou Portugal e partiu para Paris, a cidade trepidante onde se cruzavam todos os artistas e todas as modas e movimentos. Aí, sobreviveu graças aos cheques enviados pelo irmão e à venda de retratos. Acolhia-se geralmente em ateliers, como o do seu amigo Alberto Cardoso, na Cité Falguière. Em 1927 expôs em conjunto com a artista russa Hélène Puciatieka e com o austríaco Erwin Singer na galeria Au Sacre du Printemps. A exposição foi repetida na Chez Fast, a título individual. Os críticos falaram de uma «personalidade brutalmente expressa, audaciosa, até mesmo temerária mas pensada e sentida, simultaneamente moderna e clássica, tradicionalista». No final de 1927, Mário deixou Paris, rumo a Berlim.
Algumas das obras que produziu nesse tempo foram enviadas para Lisboa e expostas no Sindicato dos Profissionais de Imprensa, em 1928. Raoul Leal-Henoch, no nº16 da Presença, escreveu que «os quadros (de Mário Eloy) parecem ter sido forjados nos infernos, (são) alucinações sinistras de um Além feérico, orquestrado por Satã». Em 1930 expôs 8 obras, quatro pinturas e quatro desenhos no I Salão dos Independentes em cujo catálogo professava o seu desejo de «ter na cabeça pincéis em vez de cabelos», o que seria a situação ideal para «não desvirtuar a intenção no acto de pintar», na «procura da síntese na forma». O pintor transmitia assim a sua ansiedade quanto ao desejo de um imediatismo e de uma pureza do gesto, no acto criador.
Durante os anos trinta, Mário Eloy atingiu o seu apogeu como artista. Experimentou formas e cores, desenvolveu novas técnicas e revelou uma inclinação para temas marcados pela alegoria:
- «Amor», 1935,
- «A Fuga», 1938-39,
- «O Poeta», 1938.
- Retratou personalidades do meio artístico português como Abel Manta, António Pedro, Diogo de Macedo e João Gaspar Simões, pintou bailarinas russas e desenhou cenas do quotidiano, bailes populares, o casario de Lisboa e bordéis, lugares de eleição de artistas que aí se sentiam à vontade, longe dos constrangimentos familiares e sociais.
Data de 1934 a sua única obra abstracta conhecida, um óleo sobre tela intitulado «Komposição», natureza-morta. A partir de 1938 e agravada em 1939, a temática de Eloy evoluiu para um inclinação ferozmente crítica, catastrófica e decadente, a prenunciar tempos sombrios, marcados pela doença. A esperança pareceu, então, abandonar Eloy. Os últimos desenhos são dramáticos, cobertos de imagens de monstros, facas, suicidas, mãos e pés dependurados, corpos desmembrados. As suas obras acompanham, de uma forma tormentosa, a decadência e desregramento do mundo e da sua mente. Não chegou a conhecer a fama que procurava.
Mário Eloy foi um autodidacta como Amadeo, Cristiano Cruz, Almada, Viana, Botelho e Bernardo Marques. Controverso, diletante, «anti-mainstream», contribuiu para um «segundo Modernismo», em Portugal. É nele que é possível detectar as influências que o regeram e acompanhar a sua evolução, tanto psicológica artística, funcionando como pontos de viragem na sua atribulada existência, tanto pessoal como criativa». In Helena Vasconcelos, Instituto Camões.
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