«As horriveis desordens, a que dava ocasião o culto de Ísis, praticavam-se nos subterrâneos, onde o iniciado não penetrava senão depois de um certo tempo de prova e purificação. Heródoto, contidente e testemunha desta prostituição, que os sacerdotes egípcios lhe haviam revelado, diz a tal respeito o suficiente para que as suas próprias reticências nos permitam adivinhar o o que não diz.
«Foram os egípcios os primeiros que por principio de religião proibiram ter-se comércio com as mulheres nos lugares sagrados e ainda mesmo entrar nesses lugares depois de relações carnais com o outro sexo, sem previamente se ter procedido a abluções. Quase todos os povos, exceptuando o Egipto e a Grécia, têm comércio carnal nos lugares sagrados, ou entram nesses lugares sem se lavarem depois de o haverem tido em lugar profano. Julgam que nisto os homens devem proceder exactamente como os animais. E, se não, dizem eles, veja-se como os animais e as diferentes espécíes das aves se cobrem os templos e nos outros lugares consagrados aos deuses: se esta acção fora desagradável à divindade, não a praticariam os próprios irracionais».
Cortesia de wikipedia
A história dos reis do Egipto apresenta-nos todavia na obra do citado historiador dois estranhos exemplos de prostituição legal. Ramsés, que reinou pelo ano de 2244 antes de Jesus Cristo, querendo descobrir um hábil ladrão que lhe havia roubado o seu tesouro, imaginou uma astúcia, que parece inacreditável, diz Heródoto, cuja credulidade havia sido posta à prova com muita frequência: «prostituiu sua própria filha, ordenando-lhe que fosse a um lugar de libertinagem e que ali aceitasse sem escolha nem preferência todos os homens que se lhe apresentassem, com a condição de cada um delles lhe dizer previamente tudo quanto na sua vida tivesse feito em questões de malvadez ou de astúcia». O ladrão amputou um braço a um cadáver, escondeu-o debaixo do manto e foi visitar a filha do rei, gabando-se-lhe da astúcia e subtileza com que havia roubado o tesouro. A princesa ao ouvir semelhante revelação procurou retê-lo, visto que para isso estava naquela degradação, mas como ambos se achavam às escuras não apanhou senão o braço do morto, em quanto o vivo se punha a salvo. Esta nova subtileza de tal modo o recomendou à estima do rei, que este lhe perdoou o roubo e o casou com a filha, que ele já havia conhecido naquele lugar impúdico.
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«Colocado om grande apuro em consequência do enorme dispêndio da construção, diz Heródoto, o rei chegou á extrema infâmia de desonrar sua própria filha, enviando-a para um lugar de prostituição, com ordem de extorquir aos seus amantes uma certa soma de dinheiro. Ignoro a cifra que atingiu esse dinheiro, porque os sacerdotes não me revelaram esse pormenor; o que sei é que a princesa não só executou à risca as ordens de el-rei seu pai, mas até quis fazer à sua custa outro monumento. E, para isso, ordenava a todos os que iam ter com ela que lhe levassem uma pedra para certa obra que desejava fazer. Essa obra, segundo os sacerdotes me asseveraram, foi a pirâmide do meio».
A ciência moderna não calculou por enquanto o número de pedras que entraram na construção desse monumento. A construção de uma pirâmide, por mais dispendiosa que fosse, não parecia superior aos recursos de uma cortesã. Por isso, apesar da cronologia e da história, atribuia-se geralmente no Egipto a construção da pirâmide de Micerino à cortesã Rodopisa. Esta cortesã não era egípcia de nascimento, mas havia feito no Egipto a sua fortuna muito tempo depois do reinado de Micerino.
Rodopisa, viveu em tempo de Amasis, era oriunda da Thracia, e fora companheira de escravidão do célebre fabulista Esopo em casa de Yadmon em Samos.
Foi conduzida ao Egypto por Xanto, de Samos, que fazia com ela uma especulação infame, ainda que muito lucrativa por certo, tendo-a comprado expressamente para este fim. A fama da sua beleza e encantos atraíra-lhe uma grande multidão de amantes, e entre eles Caraxo, de Mytelene, irmão da célebre poetisa Sapho. Este mancebo de tal modo se apaixonou da formosa cortesã que chegou a dar uma soma considerável pelo seu resgate.
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Apenas se viu liberta da escravidão infame em que vivera, Rodopisa permaneceu no Egipto, onde a sua formosura e talento lhe grangearam uma fortuna fabulosa, de que fez um uso bem singular, empregando a décima parte na construção de uns colmilhos de ferro, que ofereceu, não se sabe bem em virtude de que voto, ao templo de Delphos, onde existiam ainda no tempo de Heródoto.Este grave historiador fala desses dentes simbólicos, como de uma coisa insignificante, sem procurar investigar a significação daquela estranha oferenda. No tempo de Plutarcho apenas se mostrava já o sítio em que haviam estado. A tradição popular de tal modo chegou a confundir os colmilhos do templo de Apolo em Delphos e a pirâmide de Micerino, construída muitos séculos antes deles, que todos no Egipto se obstinavam em atribuir a Rodopisa a construção desta pirâmide. Segundo uns, fora ela que havia custeado a obra: segundo outros, (Strabão e Diodoro da Sicília seguem ao que parece esta errónea opinião) foram os seus amantes que mandaram erigir a pirâmide à sua custa para comprazerem com os desejos que a tal respeito lhes manifestara a cortesã. Donde temos de coligir que esta mulher ambiciosa era muito afeiçoada às pirâmides.
Rodopisa, a quem os gregos chamam Dórica, célebre em toda a Grécia, abriu a lista dos seus amantes por Esopo, que, feio e corcunda como era, deu uma das suas fábulas para obter todos os favores da bela Rodopisa. O beijo lascivo do poeta designou-a aos olhares da posteridade. O belo Caraxo, a quem a cortesã devia a liberdade e a base da sua opulência, permitiu-lhe que se estabelecesse em Neueralis, onde ia vê-la todas as vezes que se dirigia ao Egipto para negociar com os seus vinhos. Rodopisa amava este galhardo mancebo o suficiente para lhe ser fiel enquanto ele permanecia em Neucratis, onde ia, como os leitores supõem, levado mais pelo amor do que pela ideia do comércio.
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Numa das ausências do apaixonado Caraxo, Rodopisa, sentada no terraço do seu palácio, contemplava a corrente do Nilo, procurando descobrir no horisonte a vela do navio que havia de trazer o seu amado. Uma das sandálias tinha-lhe escorregado do pé e cintilava com os seus ricos bordados de ouro e pedraria em cima de um tapete; uma águia viu a primorosa sandália, desceu rápida sobre ela, e levou-a no bico para as alturas.Nessa ocasião o rei Amasis achava-se em Neucratis com a sua corte. A águia que havia roubado a sandália da formosa cortesã, sem que ela tivesse dado por tal coisa, foi deixá-la cair sobre os joelhos do faraó.
Nunca o rei vira em sua vida uma sandália tão pequena e graciosa, e teve a curiosidade de saber quem seria a dona daquela jóia delicada. Quando conseguiu descobri-la, depois de ter calçado aquela preciosidade nos pés de todas as mulheres do seus estados, fez de Rodopisa a sua favorita. Apesar disto a favorita de Amasis não renunciou ao amor de Caraxo, e a Grécia celebrou nos cantos dos seus poetas os amores de Dórica, a quem Sapho, irmã de Caraxo, perseguiu com as suas amargas censuras.
«Um laço de fitas vistosas adornava as tuas compridas tranças, perfumes voluptuosos exalavam-se da tua flutuante túnica. E, tão exaltada como o vinho que ferve em cristalinas taças, apertas em teus braços o belo Caraxo... Os versos de Sapho asseguram-te a imortalidade, e Neucratis conservará a memória dos teus amores, enquanto as curvas quilhas fenderem as águas do majestoso Nilo».
Neucratis era a cidade das cortesãs. Parece que todas ali haviam aproveitado as lições de Rodopisa. Os seus encantos e seduções fizeram por muito tempo as delícias da Grécia, que enviava com frequência a Neucratis os seus libertinos, e todos eles volviam à pátria, contando maravilhas da divina prostituição do Egipto.
A amizade de PC.
Cortesia de Library University of Toronto/JDACT
A amizade de PC.
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