Cortesia de radiotrofa
a estrada ignora a velocidade do automóvel
tal como a sombra parece ignorar a própria árvore
cada viagem por mais curta que seja
é muito mais que o simples retrato do vento
perto de nós angústia e mistério
vão conduzindo todas as coordenadas até à erosão da ternura
é difícil (talvez impossível) compreender a linguagem das formas
mesmo que a verdura dos pinheiros nos introduza
a minuciosa ordem do ritmo e do crescimento
como um incêndio
ou como um fantasma
dentro do olhar há ressonâncias e arbustos
sinais de permanência edificados entre a lembrança dos
lençóis postos de novo
e a construção do próprio itinerário
gota ou minuto
que nos contempla como um vagabundo perante o anoitecer
continuemos devagar
entre ruínas de nuvens e telhados
e a visão do tronco da cerejeira
no inventário das estações é inútil ceder espaço
continuaremos sempre a acreditar
que levantar cedo a vista frente à inquietação da paisagem
será escrever dentro de nossas células
tudo quanto iremos encontrando
na moldura do asfalto
é este o lugar da imagem
resposta à inquietação dos instrumentos
e dos algarismos
início aparente do universo do qual retiramos a cada instante
o trajecto que nos guia até à proximidade
de um olhar ou
sentimento
Ruy Ventura
(para nuno guimarães)
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