«Sirvam também exemplos a descrição da chegada de Vasco da Gama a Calicut e da prosperidade económica da região; ou a descrição da nova terra do Brasil; ou a do comércio do Coulão. Narrando a descoberta da ilha de S. Lourenço, Damião de Góis não se esqueceu de mencionar,com todo o pormenor, as suas produções agrícolas e mineiras; e o mesmo fez quando descreveu «o sítio das terras, e senhorios que possue ho preçioso João, Emperador da Ethiopia».
Da Crónica do Príncipe D. João, citamos três exemplos onde Damião de Góis aludiu a assuntos económicos. O primeiro, quando tratou das produções das ilhas dos Açores, mencionando a exportação cerealífera para o Reino e a de pastel para a Flandres, Inglaterra, etc. O segundo, ao falar da posição estratégica de Alcácer Ceguer e da sua situação económica, vila povoada por gente do mar e por mercadores, vivendo essencialmente da indústria textil. O terceiro, quando mencionou a proibição do resgate da malagueta, gatos de argália e unicórnios, e o reenforço das medidas proibitivas da saída de ouro e prata do Reino.
Mas foi nas cartas a D. João III que as referências de tipo económico se tornaram mais abundantes e precisas. Ainda secretário da feitoria de Antuérpia, escrevendo em 13 de Outubro de 1528, a propósito da aliança do Duque de Geldren com o rei de França contra a Flandres, acentuava terem daí resultado graves prejuízos «pryncipallmente porque as mercadorias nom podião pasar por Allemanha, França e outras partes por ter terras nas fronteiras». A paz que acabava de ser tratada entre Carlos V e Francisco I fora muito bem acolhida na Flandres, «e na verdade pera estas terras nehua cousa lhe podera mais bem fazer que ysto de que todos estam muito ledos e contentes as especyarias a causa também o sentirão porque daquy peravante terão muito melhor despacho per que poderão ir pera todas partes que he grande bem seguramente».
Veja-se, como outro exemplo, a carta que dirigiu de Antuérpia, em 2 de Julho de 1544, justificando-se por não ter partido ainda para Portugal: bem metade era preenchida com temas económicos, queixava-se de já muitas vezes ter escrito ao rei sobre os «negoceos desta terra e feytorya», sem nunca receber resposta; e era com perfeito conhecimento de causa e visão racional dos problemas económicos portugueses e mundiais, que afirmava não ser honra nem proveito do rei «mandar nenhuas especearyas fora dese reyno per sua conta, nem fazer contratos çarados, que dahy procede emriquecer toda Europa dos bens de Vossa Alteza, e eses reynos e Vossa Alteza empobrecerem».
Cortesia de wikipedia
Defensor intransigente da liberdade de comércio, foi com manifesta alegria que felicitou o monarca pelo encerramento da feitoria da Flandres (carta de 15 de Fevereiro de 1549), aconselhando-o:
- «e pois agora por bom e verdadeiro conselho tirou a estes reynos de todo todallas dividas de Flandres, como pessoa desinteressada digo a Vossa Alteza (...) que por modo que seja consinta se fazer contracto serrado, para o qual já muitos fazem liga, com intenção de outra vez tomarem Vossa Alteza entre talas, e o fazerem dever fora destes reinos, o que dantes devia, por que desta parte se tem toda a Europa feita rica».
A carta sem data dirigida a D. João III, constituindo um memorial sobre a cunhagem de moeda, que se anunciava, foi, de todas aquelas em que Damião de Góis tratou de questões económicas, a mais importante. Antes de entrar propriamente no assunto que se propunha abordar, Góis comentava, num exórdio, as desvantagens que as amoedações traziam, em regra, para todos, visto que «se segue ha carestia de mantimentos e fructos da terra e asy das mercadorias naturaes como estrangeiras ...». In Portugal Quinhentista (Ensaios), A. Oliveira Marques, Quetzal Editores (Referências), Lisboa 1987.
Cortesia de Quetzal Editores/JDACT
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