domingo, 5 de junho de 2011

António Damásio: O Livro da Consciência. «No amanhecer da vida, essas células foram dos primeiros organismos verdadeiramente independentes. Podiam sobreviver individualmente sem parcerias simbióticas. Esses organismos unicelulares simples ainda hoje se encontram entre nós. A ameba é um bom exemplo, tal como o é o maravilhoso paramécio»

Cortesia de pop

Vontade natural
«Precisamos, mais uma vez, de uma fábula. Há muito, muito tempo, a vida fez a sua aparição na longa história da evolução. Tudo isto se passou há 3,8 mil milhões de anos quando surgiu o antepassado de todos futuros organismos. Cerca de dois mil milhões de anos mais tarde, numa altura em que colónias de bactérias individuais mais deveriam parecer donas da terra, foi a vez de surgirem organismos unicelulares equipados com um núcleo. As bactérias eram também organismos vivos unicelulares, mas o seu ADN não se agrupara ainda num núcleo. Os seres unicelulares dotados de núcleo estavam num degrau mais alto. Tecnicamente trata-se de células eucarióticas, que pertencem a um grande grupo de organismos, os protozoários.

No amanhecer da vida, essas células foram dos primeiros organismos verdadeiramente independentes. Podiam sobreviver individualmente sem parcerias simbióticas. Esses organismos unicelulares simples ainda hoje se encontram entre nós. A ameba é um bom exemplo, tal como o é o maravilhoso paramécio.

Cortesia de temasedebates

Um organismo unicelular possui uma estrutura corporal (um citoesqueleto),dentro da qual se encontra um núcleo (o centro de mando que alberga o ADN da célula) e um citoplasma (onde tem lugar a transformação de combustível em energia, controlada por organitos como as mitocôndrias). Os corpos definem-se pela pele que os reveste e a célula apresenta-a também, uma fronteira entre o seu interior e o mundo exterior. Chama-se membrana cerular.

Em muitos aspectos, um organismo unicelular é a antevisão daquilo que um organismo como o nosso veio a ser. Podemos vê-lo como uma espécie de abstracção, uma caricatura daquilo que somos. O citoesqueleto é a estrutura do corpo, tal como o é o esqueleto ósseo em todos nós. O citoplasma corresponde ao interior, do corpo, com todos os seus órgãos. O núcleo é o equivalente do cérebro. A membrana celular equivale à pele. Algumas destas células chegam a apresentar o equivalente a membros, cílios, cujos movimentos concertados lhes permitem nadar.

Cortesia de universo42

Os componentes separados de uma célula eucariótica uniram-se graças à colaboração ntre criaturas individuais mais simples, nomeadamente bactérias que abdicaram da sua independência para fazer parte de um novo colectivo mais conveniente. Um certo tipo de bactéria deu origem às mitocôndrias; outro tipo, como as espiroquetas, ajudou, com o citoesqueleto e os cílios, os organismos que gostavam de nadar. A grande maravilha é o facto de o nosso organismo multicelular ser estruturado de acordo com esta mesma estratégia, agregando milhares de milhões de células Para constituir tecidos, unindo diferentes tipos de tecido para compor órgãos e ligando diferentes órgãos para formar sistemas. Entre os vários tipos de tecidos contam-se os epitélios da pele, das mucosas de revestimento e das glândulas endócrinas; «o tecido muscular», o tecido nervoso ou neural, e o tecido conjuntivo que os une a todos. Os possíveis exemplos de órgãos são óbvios, desde o coração e os intestinos ao cérebro. Exemplos de sistemas incluem o conjunto formado pelo coração, sangue e vasos sanguíneos (o sistema circulatório), o sistema imunitário e o sistema nervoso. Em resultado desta tendência colaborativa, o nosso organismo é a combinação extremamente diferenciada de triliões de células de variadíssimos tipos, onde se inclui, claro está, um tipo especial de células chamadas neurónios, o mais distinto constituinte do cérebro». In António Damásio, O Livro da Consciência, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2010, ISBN 978-989-644-120-3.


Cortesia de Temas e Debates/JDACT