domingo, 26 de junho de 2011

José Manuel Anes: Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos: «Caeiro foi o Mestre do neopaganismo; Ricardo Reis e António Mora seus discípulos e seguidores. Álvaro de Campos e Bernardo Soares, para além de ele próprio, o Ortónimo, foram os que, apesar de o desejarem, não conseguiram nunca libertar-se das raízes da Igreja de Roma e viveram, por isso mesmo, a angústia constante de não terem aprendido a serenidade dos ensinamentos do seu Mestre Caeiro»

Cortesia de luzparaasluzes

Neopaganismo
«Pessoa sentiu-se também dividido entre a religião de sua mãe, a da Igreja Católica, pela qual foi baptizado e preparado para a Primeira Comunhão, e a religião do seu pai, cristão-novo, de origem judaica, descendente de fidalgos e judeus. Menino e moço, foi o Deus da mãe que o dominou até ter idade de pensar e decidir por si. Em 1905, ao prontificar-se a deixar Durban e regressar a Lisboa, é para casa da avó paterna que decide ir viver, o que poderá significar um reatar os laços perdidos com a família de origem judaica. Sabendo que alguns dos seus antepassados paternos foram cristãos novos e combatentes de campanhas liberais, nomeadamente, o seu avô paterno, o General Joaquim António de Araújo Pessoa, preso pelos absolutistas pelo seu envolvimento nessas lutas liberais. Por eles, sentiu sempre Pessoa grande orgulho em ser um descendente directo; este passado que sempre quis rever, leva-o a entreter-se a desenhar brasões de armas e a percorrer a árvore genealógica até encontrar alguns companheiros do próprio D. Sebastião em África, ou mesmo descendentes de D. Nuno Álvares Pereira.

Cortesia de pecanhaleitao

Datam precisamente de 1905 os primeiros textos onde Pessoa se insurge contra a Igreja Católica. Alguns deles assinados pelas personalidades inglesas C. R. Anon e Alexander Search, outros em seu próprio nome, outros ainda em nome de uma outra personalidade literária, então criada para dar voz a este seu espírito contestatário, que é o poeta satírico, militante republicano, de nome Joaquim de Moura Costa. Esta sua rejeição pela Igreja de Roma, que o levará a definir-se, em 1935, como um cristão gnóstico, motivou-o a acreditar na possibilidade de reconstruir uma nova atitude religiosa, a que chamou de Neopaganismo português. O programa deste movimento neopagão era o de reconstruir o espírito religioso dos efeitos nocivos de que tinha padecido pelo Cristianismo.
A religião pagã é, para Pessoa, a mais natural de todas as religiões. Se a Natureza é plural, como diz Caeiro, então também o neopagão terá de admitir todas as metafísicas como verdadeiras, assim como o pagão aceita a existência de todos os deuses no seu panteão. Religião, por isso, politeísta na sua pluralidade, Pessoa encontrou a especificidade de cada uma das atitudes dos seus heterónimos e semi-heterónimos, como refere Paula Costa.

Cortesia de lasreligiones

Caeiro foi o Mestre do neopaganismo; Ricardo Reis e António Mora seus discípulos e seguidores. Álvaro de Campos e Bernardo Soares, para além de ele próprio, o Ortónimo, foram os que, apesar de o desejarem, não conseguiram nunca libertar-se das raízes da Igreja de Roma e viveram, por isso mesmo, a angústia constante de não terem aprendido a serenidade dos ensinamentos do seu Mestre Caeiro.
Aprender a saúde de espírito do pagão, por oposição à doença e decadência do espírito «cristista», como lhe chamou, foi outra das militâncias de muitas das personagens pessoanas. Através deste estádio neopagão que se desenvolve essencialmente (mas não exclusivamente) entre 1915/6 e 1918/9 (ou mesmo até 1920), Pessoa viu crescer e desenvolverem-se muitos dos seus objectivos esotéricos, ou apetência para o transcendente, oculto e sobrenatural, que num estádio posterior - o gnóstico - se irão realizar». In José Manuel Anes, Fernando pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.

Cortesia de Ésquilo/JDACT