domingo, 17 de julho de 2011

A Bela Poesia. O Livro de Cesário Verde. «Em si tudo me atrai como um tesoiro: o seu ar pensativo e senhoril, a sua voz que tem um timbre de oiro e o seu nevado e lúcido perfil!»


Cortesia de poemargens e alfobre 

Deslumbramentos
«Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e anormal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas! ...

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina ...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérfula e feminina,
E tão alta e serena como a Morte! ..

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar:
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais,
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!»
Cesário Verde, in «O Livro de Cesário Verde».

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