segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Armando de Mattos. As Armas da capela dos Coimbras: «Essas armas, sem elmos nem ornatos exteriores, à excepção do último referido, apresentam uma planta florida e arrancada posta em pala, e um cordão de S. Francisco em orla. E, no ângulo direito do chefe, uma estrela de cinco raios por diferença»

Brasão de João Afonso, o da Fazenda
Cortesia de ilustracaomoderna43

«A capela dos Coimbras, como vulgarmente é designada a que o doutor João de Coimbra fez erigir em Braga na igreja S. João do Souto, sob a invocação de N. S.ª da Conceição e que foi cabeça do seu morgado, é uma preciosa jóia arquitectónica, que já ocupou a atenção de estudiosos e eruditos, como Vilhena Barbosa, Sousa Viterbo, Álvaro Belino, Sousa Machado, Aguiar Barreiros, Alberto Feio, Aarão de Lacerda, Vergílio Correia, Cunha Saraiva e possivelmente de mais alguns.
E, se eu venho hoje também alguma coisa dizer sobre ela, é unicamente com o desejo de ajudar a esclarecer uma dúvida que se levanta ante a observação cuidada de alguns dos atrás citados, especialmente de Sousa Machado.
Essa dúvida, é um curioso e atraente problema de identificação heráldica, suscitado pelos três brasões que enobrecem a capela. São eles iguais, mas de diferente estilização, estando um no fecho da abóbada artesonada, outro no entablamento do grupo renascença «Deposição no túmulo», e o último no gradeamento, século XVIII, de ferro forjado da galilé.

Essas armas, sem elmos nem ornatos exteriores, à excepção do último referido, apresentam uma planta florida e arrancada posta em pala, e um cordão de S. Francisco em orla. E, no ângulo direito do chefe, uma estrela de cinco raios por diferença.

Abóbada artezonada em cujo fecho se descobre o primeiro brasão
Cortesia de ilustracaomoderna43

Os escudos são em formato clássico nacional, sendo os dois primeiros ligeiramente desproporcionados ao comprimento. Agora, antes de me pronunciar sobre o apelido correspondente a estas armas, vou recapitular o que está dito acerca deste assunto. Sousa Machado, no Boletim da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, deixou dito o seguinte:
  • «Se, por um lado, o silêncio dos nobiliários acerca da ascendência de João de Coimbra e a circunstância desanimadora de não haver nos livros de reis de armas, o brasão dos Coimbras, sobejavam para nos convencer da impossibilidade de decifrar este enigma pitoresco, por outro lado, o facto do escudo armoreado do fundador ser ali exibido com tanta galhardia, nessa época em que aqui viviam tantos fidalgos, parentes, amigos e familiares do arcebispo D. Diogo de Sousa e poucos anos depois da carta de ordenação d'el-rei D. Manuel de 18 de Julho de l515 «contra os que traziam armas usadas ou as não podiam trazer» dava-nos força para continuar as nossas investigações».
E, mais adiante:
  • «João de Coimbra, doutor em degredos, provisor e oficial do Arcebispado pelo Cardeal D. Jorge da Costa, irmão do Cardeal de Alpedrinha, 1505, e depois provisor e vigário geral de D. Diogo de Sousa (1505-1532), que o cumulou de benefícios, aparece-nos em Braga em Fevereiro de 1505».
Disto, se deduz que o dr. João de Coimbra não era de Braga, o que se confirma com as seguintes passagens dos ms. nº 276 e nº 442 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, que dizem, respectivamente:
  • «O doutor João de Coimbra natural de Lisboa, veio para Braga com o arcebispo D. Diogo de Sousa…»
e
  • «… foi natural de Lisboa aonde morava as escollas geraes por sima do Marco Salgado …»
e mais com o facto de ele não ter bens de raiz, para «dotar e deixar» à dita, capela, segundo se infere de uma carta de D. João III transcrita por Cunha Saraiva:
  • «Carta por que V. A da Leça ao doutor João de coynbra provysor em no arcebispado de braga para comprar bens de Rais para dotar e deixar a hua capela que ora faz em Igreja de Sã João do souto …»
Sobre a ascendência de João de Coimbra, Sousa Machado supõe-o descendente de um João Afonso de Coimbra, casado em Évora com Clara Gonçalves, e que possuía nessa cidade algumas casas que haviam sido doadas por D. Afonso V a um seu antepassado chamado Afonso de Coimbra.

Entablamento renascença, «A deposição no túmulo»,
onde se encontra o segundo brasão
Cortesia de ilustracaomoderna43

Essas casas eram propriedade em 1487, de Gonçalo Baina, filho do referido João Afonso de Coimbra.
  • «Deste apellido de Coimbra ha alguns dos povoadores de estremos, q' erã, naturais de Coimbra e trassem hua cobra ou serpente por armas - assim estavã nu’a sepoltura em s. ft.co destremos entrando na pr.a nave a mão direita ao pe da parede hua sepoltura de João de Coimbra; e na parede estava o mesmo João de Coimbra pintado, a cavalo q'forã dos conquistadores dela estes se ligarão cõ os capellos e os Curuos de q' ha en Veiros muitos desta geração - e em Poco redondo no termo de Tomar he gente deste apellido - e em Braga»
Lê-se isto em um manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa. A .serpente apontada como símbolo heráldico, podia ser uma alusão às armas de Coimbra, qualquer motivo de outras armas a que ele tivesse direito, uma má representação do «cordão de S. Francisco», ou ainda o «corpo» de qualquer «divisa».

Pina Cabral, transcrevendo esta mesma passagem, comenta que Soares de Albergaria parece querer distinguir estes «Coimbrãs» de Estremoz dos de Braga. Ora, se o Dr. João de Coimbra era do sul, e pelas outras razões apontadas, inclino-me a crer que todos estes núcleos da linhagem citada, eram de um tronco comum. Os Coimbras de Évora, ainda segundo Sousa Machado, talvez fossem descendentes dos «Moedeiros», família de Coimbra de que foram chefes D. Diogo Dias e seu filho D. Vicente Dias de Coimbra, netos de Gonçalo Gonçalves, que atacou de surpresa, emboscado numas romãzeiras, uns mouros. Este herói de que fala o «Nobiliário» do conde D. Pedro, foi progenitor dos Rangeis, que ainda hoje brasonam de romãs em memória do feito». In Armando de Mattos, As Armas da capela dos Coimbras, Edições Apolino, Gaia, 1931, Ilustração Moderna nº 43.

(Continua)
Cortesia de Ilustração Moderna 43/JDACT