Cortesia de jdact e lenteoculta
«Estes estaus ou hospedaria pública devem ter sido legados por D. Henrique a um dos hospitais de Tomar do seu tempo; pois, fundada a Misericórdia local por el-rei D. Manuel no ano de 1510, no de 1542 ignoravam ali como eles haviam passado para o Hospital de Nossa Senhora da Graça de Tomar:
- E, quanto à via ou título por que os ditos estaus e casas e moradas que neles estão feitas, o não sabiam, mais que haver muitos anos que o dito hospital estava de posse do dito assento e casas e morada dele como das outras propriedades que tem.
As gentes medievais, eram profundamente crentes nas verdades cristãs. E, por isso, empenhavam-se na prática da maior das virtudes, segundo a classificação do apóstolo S. Paulo, a da caridade. E exerciam-na com os pobres e necessitados, de olhos postos nas exortações de Cristo, praticando sobretudo as Obras de Misericórdia corporais: saciar a fome aos famintos, agasalhar os viandantes pobres, assistir .aos enfermos e sepultar os mortos.
Cortesia de olhares
O infante D. Henrique, não se eximiu a tal prática, integrando-se assim no comum assentimento dos fiéis cristãos da época sobre o particular. Pelo que, solicitou licença a el-rei D. João, seu pai, para escambar as suas terras de Reigada e Pereiro, em Riba-Coa, havidas de seu servidor Pero Gonçalves de Curutelo, e casas que possuía em Lisboa, junto da igreja de Nicolau, compradas ao físico mestre Aires, porventura as que ele lhe adquirira em 1428 para instalar saboaria ou outras circunvizinhas, por bens da Ordem de Cristo em Tomar, a fim de nesta povoação fazer hospital em que se mantivessem certos pobres e ali fossem vestidos, calçados e assistidos de outras coisas necessárias; pois não havia o infante bens patrimoniais na dita povoação. O pedido consta do diploma régio de 11 de Junho de 1430, em que el-rei, por se tratar de movimento bom e de serviço de Deus, o deferiu.
Os bens patrimoniais do infante D. Henrique, outorgados por seu pai em carta de 17 de Abril de 1411, situavam-se exclusivamente na Beira, zona primeiro do senhorio do infante e depois do seu ducado de Viseu, e estendiam-se de Lalim, nas proximidades de Lamego, a Valezim, na serra da Estrela. O argumento henriquino de solicitar aquela permuta por não possuir bens patrimoniais em Tomar confere à sua iniciativa de fundação de hospital na vila o carácter de obra verdadeiramente pessoal, de cumprimento individual das Obras de Misericórdia.
Cortesia de nabantina
Antes de mais, havemos de observar que o termo «hospital» assume, etimologicamente, o significado de hospedagem, que foi, realmente, o seu primitivo, na Idade Média do País, anteriormente à fundação das Misericórdias pela rainha D. Leonor, por isso com a tríplice função de casa assistencial ou instituição de caridade para albergue de viandantes pobres, de asilo dos indigentes e de hospital para tratamento de enfermos pobres, à guisa, por exemplo, do fundado em Lisboa por el-rei D. Afonso IV em 1345.
E esta prática das Obras de Misericórdia parece ter começado a ser exercida primeiramente em partes de casas particulares cedidas aos pobres, depois, ou concomitantemente, em moradias independentes, cedo erectas em confrarias, com associados, quotas, estatutos e fundos próprios, cada uma delas colocada sob a invocação do Espírito Santo, da Virgem Maria ou de determinado santo. Ao procedermos, há anos, ao exame de arquivos de província, nomeadamente de Misericórdias do País, para a «Monumenta Henricina», tivemos ensejo de manusear dezenas de estatutos manuelinos dos princípios do século XVI, de reforma de velhos estatutos dessas confrarias assistenciais, por vezes numerosos em pequenas cidades e vilas. Mas chegaram a ser em demasia para com seus parcos recursos prestarem assistência eficiente aos pobres». In A Pobreza e a Assistência aos Pobres na Península Ibérica durante a Idade Média, Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos Históricos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1974.
Cortesia de Imprensa Nacional-Casa da Moeda/JDACT