Lourdes de Castro, Sombras, 1964
Cortesia do cvc
O Centro Virtual Camões apresenta a base temática Arte e Artistas em Portugal
Art and Artists in Portugal, uma adaptação Web da obra bilingue homónima com coordenação de Alexandre Melo, lançada pelo Instituto Camões no âmbito da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia em 2007. Esta base temática apresenta uma panorâmica abrangente sobre as artes plásticas em Portugal, desde os anos 60 do Século XX até à actualidade, fornecendo ainda informação biográfica sobre alguns dos autores mais relevantes.
Os Anos 60
«A ditadura protagonizada por Salazar, quer se considere ou não que foi uma ditadura fascista, foi talvez menos feroz e menos espectacular que as suas congéneres europeias, mas foi também muito mais longa (1926-1974) e não menos castradora em relação a todos os aspectos do desenvolvimento económico, social e cultural de Portugal. Salvo momentos de excepção limitados no tempo, foi um período em que predominou uma atitude oficial de isolamento em relação às correntes que, a nível internacional, iam fazendo a história da modernidade.
Os casos excepcionais dos artistas emigrados ou alguns momentos de ligeira abertura, se pontualmente permitiram uma efectiva actualização e revitalização do meio artístico em sentido estrito, não alteravam um contexto geral caracterizado pelo muito baixo nível de formação escolar da população, a desinformação massiva da opinião pública, o conservadorismo da cultura oficial e o crescente anacronismo cultural da oposição.
Noronha da Costa, s/título, 1968
Cortesia do cvc
No campo das artes plásticas durante toda a primeira metade do século assistimos ao arrastar de um modernismo incipiente em luta constante contra a permanência do naturalismo e do romantismo lírico. O único momento de fulgor deste trajecto ocorre na 2ª década do século, graças à obra de Amadeo de Souza-Cardoso, acompanhado por Almada Negreiros, no quadro das actividades da "geração do Orpheu" e com o impulso proporcionado pela vinda do casal Delaunay para Portugal durante a I Guerra Mundial.
Chegada a década de 60, a sociedade portuguesa, considerada no seu conjunto, mantinha-se afastada dos circuitos internacionais de produção e circulação artística, privada do acesso a exposições e iniciativas susceptíveis de dar à opinião pública uma formação artística básica e de fornecer ao público especializado uma informação actualizada e uma experiência directa da contemporaneidade.
Em termos políticos crescia a desilusão face à continuidade do regime ditatorial, afinal prolongado pelo governo de Marcelo Caetano (1968-1974), e crescia também a revolta perante uma guerra colonial absurda e sem solução que se arrastava desde 1961. Nos sectores culturais, nos meios estudantis e entre a juventude aumentava a frustração e alastrava a contestação face à situação de alheamento que o Estado mantinha em relação às grandes viragens sociais e culturais que internacionalmente marcaram a década.
Fernando Lanhas, 1969
Cortesia do cvc
A ascensão e morte de Kennedy, as batalhas políticas e ideológicas do Vietname, a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas, os hippies, a revolução pop ou o Maio de 68 chegam a Portugal através de ecos censurados e distorcidos só entendidos por minúsculas elites culturais urbanas.
Nas artes plásticas os anos 60 são um período de experimentação e de confluência de vários movimentos e correntes estéticas, nomeadamente a pop art e o "nouveau réalisme", a op art, o minimalismo, a arte conceptual, a arte povera, a arte vídeo, a performance, a body art ou a land art. É também a década em que morre Marcel Duchamp (1968).
No contexto artístico português a década de 50 tinha sido um período de continuidade das soluções estéticas anteriores, centradas na persistente dialéctica figuração/abstracção, cujos protagonistas se dividiam, grosso modo, entre neo-realistas, surrealistas e defensores do abstraccionismo.
Neste contexto a obra de Maria Helena Vieira da Silva, combinação original de figuração e abstracção, com um forte cunho pessoal, emerge como a expressão maior deste período com significativos prolongamentos nas décadas seguintes.
Nos anos 60 vamos assistir à formação de uma nova conjuntura artística, marcada pela emergência de uma nova geração de artistas e agentes culturais e à afirmação de novas tendências na produção artística nacional que reflectem a necessidade de sintonização com as linguagens internacionais, em grande parte devido à emigração de um vasto número de artistas num movimento que se prolonga até meados dos anos 70.
Menez, Henrique VIII, 1966
Cortesia do cvc
Abandonar o país, de forma temporária ou permanente, em consonância com o massivo fluxo de emigração registado durante este período, foi a opção tomada por diversos artistas, quer por razões políticas quer motivados pela busca de uma carreira ou de contacto com novas tendências inacessíveis dentro das fronteiras nacionais. A título de exemplo, refira-se que por Inglaterra passaram António Areal, Rolando Sá Nogueira, Mário Cesariny, Menez, Paula Rego, João Cutileiro, Bartolomeu Cid dos Santos, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, Eduardo Batarda, António Sena, João Vieira, Ruy Leitão, João Penalva e Graça Pereira Coutinho. Já em Paris encontravam-se Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, que compunham o grupo KWY, assim como António Dacosta, Júlio Pomar, Jorge Martins e Manuel Baptista.
O esforço de renovação abriu caminho a uma aproximação à arte internacional, em grande parte devido aos artistas que emigravam e ao programa de bolsas da recém-criada Fundação Calouste Gulbenkian, mas também devido ao novo modo de encarar o fenómeno artístico, às grandes exposições colectivas (a inaugurar a década, em 1961, a II Exposição de Artes Plásticas na Fundação Gulbenkian) e à abertura de novas galerias que vieram dinamizar o mercado nacional». In Alexandre Melo, Centro Virtual Camões.
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