Cortesia de rcbpdgl
Canção da Felicidade
Felicidade! Felicidade!
Ai quem ma dera na minha mão!
Não passar nunca da mesma idade,
Dos 25, do quarteirão.
Morar, mui simples, nalguma casa
Toda caiada, defronte o mar;
No lume, ao menos ter uma brasa
E uma sardinha pra nela assar...
Não ter fortuna, não ter dinheiro,
Papéis no banco, nada a render:
Guardar, podendo, num mealheiro
Economia prò que vier.
Ir, pelas tardes, até à fonte
Ver as pequenas a encher e a rir,
E ver entre elas o Zé da Ponte
Um pouco torto, quase a cair.
Não ter quimeras, não ter cuidados
E contentar-se com o que é seu,
Não ter torturas, não ter pecados,
Que, em se morrendo, vai-se prò Ceu!
Não ter talento: suficiente
Para na vida saber andar,
E quanto a estudos saber somente
(Mas ai somente!) ler e contar.
Mulher e filhos! A mulherzinha
Tão loira e alegre, Jesus! Jesus!
E, em nove meses, vê-la choquinha
Como uma pomba, dar outra à luz.
Oh! grande vida, valha a verdade!
Oh! grande vida, mas que ilusão!
Felicidade! Felicidade!
Ai quem me dera na minha mão!
Para as Raparigas de Coimbra
Tristezas têm-nas os montes
Tristezas tem-nas o Céu
Tristezas têm-nas as fontes,
Tristezas tenho-as eu!
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós,
És tal qual meu avozinho:
Falta te apenas a voz.
Minha capa vos acoite
Que é pra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!
A Lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É duma certa farinha
Que não apanha bolor.
Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água,
Qu'é dos prantos que eu chorei?
No Inverno não tens fadigas
E tens água para leões!
Mondego das raparigas,
Estudantes e violões!
E só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes de vistas de pomba...
Pombas pretas também há!
Poemas de António Nobre, in «Só»
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