Cortesia de difel
A Ásia nos Princípios da Idade Moderna. Transformações Geopolíticas e Económicas
Os Estados dos séculos XV e XVI
«As transformações que ocorreram na Ásia ao longo destes séculos são no entanto mais evidentes e visíveis ao nível das «elites» politicas. No século XVI, formaram-se no Sul e no Oeste da Ásia dois estados importantes e poderosos, o dos Mogores e o dos Safávidas, enquanto outro estado crescia consideravelmente em força, o Otomano. No Sul da Índia, o grande sistema político centrado em volta da metrópole de Vijayanagar consolidou-se primeiro, e depois, na segunda metade do século, entrou em declínio. Transformações igualmente dramáticas podem ser vistas na evolução dos estados da Ásia do Sueste: no primeiro caso, o Achém e Arracão, e em menor extensão Macassar, são três notáveis histórias de sucesso no século XVI, enquanto que no Extremo Oriente as perturbações do século XVI levaram à formação de uma instituição duradoira, o «bakufu», o governo «da tenda» da casa guerreira dos Tokugawa no Japão, que reinaram por detrás da fachada da soberania imperial até 1868.
Porém, estas transformações podem ser facilmente refutadas como desprovidas de consequências, como o foram de facto por diversas vezes pelos apoiantes da «abordagem Omar Khayyam», que insiste o autor do «Rubaiyat» estar a formação dos Estados na Idade Moderna Asiática contida neste poema:
«Pensa, nesta velha Hospedaria
Cujas Portas são alternadamente o Dia e a Noite,
Como cada Sultão, um após outro, com sua Pompa,
Aguardou a sua Hora, e partiu».
(Versículo XVÌI)
Cortesia deÁsia e Oceania, c. 1550
Isto equivale a dizer que estas transformações não representam mais do que a substituição de um regime por outro, sendo todos idênticos nas suas características essenciais. Este foi afinal, durante muito tempo, o cerne de teorias como as do «Modo de Produção Asiático» ou do «Despotismo Oriental», que realçavam o carácter estático e imutável quer das sociedades asiáticas, quer dos estados que as regiam. Se é de facto nossa convicção que os estados asiáticos formados nesta época (que chamaremos de modernos) diferiam dos de uma época anterior (digamos, dos séculos VIII ao XIV, que poderíamos chamar de medievais), como evoluíram deste modo?
Porém, antes de abordarmos esta questão, talvez fosse útil fazer algumas distinções entre tipos de estados na Ásia moderna.
Distinguem-se vulgarmente os estados asiáticos da época em duas categorias: primeiro, as sólidas formações imperiais de base agrária, como os Otomanos, os Safávidas, Vijayanagar e os Mogores, os Ming na China, e Mataram em Java; em oposição, os estados relativamente minúsculos (geralmente costeiros) como Quíloa, Ormuz, Calecute ou Malaca, considerados como tendo uma base essencialmente comercial, logo obtendo os seus recursos não tanto da utilização das forças sob sistemas prebendários, mas sim do controlo sobre pontos-chave estratégicos ao longo das principais rotas comerciais. Consideremos os Otomanos como um exemplo do primeiro tipo. Durante os séculos XV e XVI, a sua principal instituição fiscal é o «timar», uma atribuição de rendimentos dada aos detentores das prebendas, «timartot», que prestam serviços militares e outros ao estado.
Mau grado as tentativas de desenvolvimento de instituições centrais, com o fito de reduzir a dependência do estado em relação a tais forças dispersas, tentativas que os historiadores datam sobretudo durante o reinado do sultão Suleimão «o Magnífico» (r. 1520-1566), considera-se que os Otomanos nunca poderiam abandonar o seu carácter de estado cuja instituição fundamental era uma combinação da «iqta» islãmica clássica e de uma doação fundiária «feudal» herdada dos Paleólogos, a última dinastia bizantina.
Peregrinação de Fernão Mendes Pinto
Cortesia de wikipedia e slide
O «timar», tal como o seu correspondente «jagir» nos territórios dos Mogores, é geralmente considerado como a chave da compreensão do funcionamento dos Otomanos, e também porque falharam na modernização e competição com o Ocidente.
Está implícita em muitas caracterizações de estados como os impérios Otomano e Mogol a ideia de que o grosso das suas receitas viria da «terra» e não do «comércio». Na prática, estas categorias são bem difíceis de discernir na documentação da época. Os impostos sobre a produção agrícola eram geralmente cobrados através do controlo da comercialização destes produtos; para mais, «terra» era uma categoria conveniente para fins de atribuição, uma vez que ocultava o facto de que o que realmente era dividido era o direito de utilizar a força coerciva. Porém, é certamente verdade que, se examinarmos os orçamentos otomanos do século XVI, vemos que os rendimentos da maior parte das províncias sob o seu controlo mostram uma preponderância de cobranças em categorias que não «direitos de alfândega».
O orçamento da província do Iémen em 1599-1600 revela que, de um total de rendimentos correntes de 13 675 239 «para», não mais de 35% provêm de direitos portuários, e isto numa região com uma base agrícola relativamente pobre. Igualmente, o orçamento do Egipto em 1596-97 mostra que os direitos alfandegários não ultrapassam uns meros 8,2% do total das receitas da província, e os impostos sobre os mercadores e artesãos do Cairo, outros 6,6%. Mesmo para anos anteriores, tal como na década de 1560, foi sugerido por Salih Ozbaran que o imposto fundiário (harac-i arazi) domina os orçamentos do Iémen.
É isto o que é geralmente apontado para distinguir tais estados de, digamos o sultanato de Malaca no Sueste Asiático ou o sultanato leste-africano de Quíloa, governado desde os fins do século XIII por uma familia de «sharifs» iemenitas, os Mahdali.
No caso de Quíloa, ou dos seus vizinhos e rivais a norte Mombaça e Melinde, que adquiriram importância no século XIV, não conhecemos quaisquer dados sobre as fundações fiscais do estado, embora sejam geralmente apontadas as relações entre a prosperidade destes estados e o triângulo comercial do Oceano Índico formado pelo Guzerate - Mar Vermelho - África Oriental, como igualmente apontada é, no caso de Quíloa, o controlo do comércio do ouro.
Quanto a Malaca, estamos mais bem servidos, pois os primeiros observadores portugueses residentes na cidade, após a sua tomada em Agosto de 1511, descreveram meticulosamente o funcionamento do antigo sultanato. Nos primeiros anos do século XVI, Malaca, que havia sido fundada em circunstâncias obscuras cem anos antes, era a capital metrópole de um estado cuja sombra se estendia à outra extremidade do arquipélago indonésio. A população da cidade, cujas estimativas oscilam entre 100 000 e 200 000, era numerosa segundo os padrões asiáticos da época; na segunda metade do século XV, Istambul tinha uma população que não excedia os 100 000, enquanto que, das cidades japonesas da primeira metade do século XVI, apenas Quioto se podia orgulhar de ter uma população acima dos 150 000 (18)». In Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN 972-29-0328-4.
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