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O poder da matemâtica
«Como é possível que a matemática, interrogava-se Einstein, «que é afinal um produto do pensamento humano independente da experiência, esteja tão admiravelmente adaptada aos objectos da realidade? Será pois que a razão humana é capaz de captar as propriedades das coisas reais sem se basear na experiência e meramente pelo pensamento puro?»
A questão não é simples nem ingénua. No dizer do grande físico, que expôs a sua perspectiva na alocução "Geometria e experiência”, de 1921, «trata-se de um enigma que sempre agitou as mentes inquiridoras». Um enigma cuja resposta tem dividido os matemáticos e os filósofos. Enquanto uns vêem a aplicabilidade da matemática como o produto natural das raízes que esta teria na experiência, outros vêem o seu sucesso como a necessária correspondência do mundo real com as leis da lógica em que a matemática se baseia. Einstein relativizava as coisas, numa perspectiva que tem o apoio de muitos matemáticos, cientistas e filósofos. «Na medida em que as proposições da matemática se reportam à realidade», dizia, «elas não estão certas; e na medida em que estão certas, não se referem à realidade».
Segundo Einstein, a matemática moderna, assente numa dedução lógico-formal com base em axiomas, conseguiu separar o seu aspecto lógico-formal do seu conteúdo objectivo e intuitivo. A correspondência das conclusões matemáticas com a realidade física é apenas aproximada e deriva da possível aproximação dos axiomas a leis básicas da natureza.
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Ian Stewart, um prolífico matemático inglês que também se dedica, e com grande sucesso, à divulgação, tem uma resposta para estas questões. No seu livro “Os Números da Natureza”, publicado em Portugal com a chancela da Temas e Debates, reconhece que .«há várias teorias explicativas» para a utilidade da matemática, «que vão desde a estrutura da mente humana à ideia de que o universo é, de alguma forma, composto de pequenos pedaços de matemática». Mas a sua resposta «é bastante simples: a matemática ê a ciência dos padrões e a natureza explora praticamente todos os padrões que existem».
No livro, Stewart procura mostrar como a investigação matemática de padrões pode explicar muitos fenómenos encontrados na natureza. Retoma, por exemplo, a velha questão da forma espiral das cascas de caracóis, búzios e outros animais semelhantes, já abordada no princípio do século pelo zoólogo escocês D'Arcy Thompson, no livro “On Growth and Form (Sobre o Crescimento e a Forma)”, um clássico escrito em 1917 e ainda hoje à venda.
A estrutura espiral das cascas desses animais pode ser explicada através da geometria. Se aceitarmos que a casca se desenvolve à medida que o animal cresce, que se desenvolve sempre de maneira semelhante, e que a largura do tubo da casca que está a ser construída depende do tamanho do animal nesse momento, então é natural que os anéis que se desenvolvem desenhem as espirais que encontramos na natureza. A relação entre a largura dos anéis e a dimensão do animal quando este os está a construir origina diferentes tipos de espirais, que podem ser descritas com fórmulas matemáticas bem determinadas.
O exemplo permite regressar ao argumento de Einstein. As espirais geométricas perfeitas dadas pelas funções matemáticas não se encontram na natureza. E as que se encontram na natureza não são perfeitas. Como por vezes se diz, pontos, rectas e triângulos perfeitos não existem fora da nossa mente, mas raciocinar com precisão sobre esses objectos perfeitos ajuda-nos a tirar conclusões sobre os pontos, rectas e triângulos imperfeitos e aproximados que existem na natureza.
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Outro exemplo interessante de padrão matemático encontrado no mundo vivo é a organização de pétalas e de flósculos, as pequenas flores rudimentares que se encontram bem visíveis no centro de algumas flores, nomeadamente dos girassóis. Em algumas espécies, esses flósculos encontram-se dispostos em famílias de espirais que se interceptam, enroladas em sentidos contrários. Muitas vezes, o número de elementos enrolados num sentido é 34, enquanto o número de elementos enrolados no sentido contrário é 55. Noutros casos, encontram-se os pares 55 e 89, ou ainda 89 e 144.
Tudo isto pode parecer mera curiosidade, mas os matemáticos encontram nestes números termos consecutivos da sucessão:
- 1, 1, 2, 3, 5, ..., 34, 55, 89, 144, 233, ..., uma sucessão numérica construída em 1202 por Leonardo de Pisa (1170-1250), também chamado Fibonacci, na discussão de um problema em que falava do crescimento das populações de coelhos. Nesta sucessão, todos os termos a partir do segundo se obtêm como a soma dos dois anteriores (2=1+1, 3=1+2, 5=3+2, etc.).
Porque se encontram estes números, criados para responder a um problema tão diferente, nos elementos das flores? Um biólogo pode ser tentado a dizer que são números que se encontram nos genes das plantas, mas um matemático procura outras razões. Os genes determinam como o ser se desenvolve, mas ele desenvolve-se num mundo físico e geométrico onde existem restrições. Os matemáticos conseguiram mostrar que os elementos que se desenvolvam em torno de um centro e que o façam de forma a ocupar uma superfície da forma mais compacta possível, o fazem de acordo com um ângulo de divergência preciso, o dito ângulo dourado (aproximadamente 137,5º). Ora os elementos que se desenvolvam separados sempre por esse ângulo tendem a formar espirais onde aparecem os números de Fibonacci. Não espanta pois que esse ângulo e esses números se encontrem com grande regularidade nos elementos das flores, tanto em pétalas como em flósculos.
A matemática consegue explicar a regularidade geométrica e numérica a partir de princípios de crescimento muito simples, que podem ser determinados pelos genes. Mas o mundo vivo não precisa de ter todas as regras matemáticas escritas no seu código. Elas surgem naturalmente, a partir de regras de crescimento mais simples. Os padrões matemáticos são afinal padrões necessários da natureza. Será isso que explica que a matemática esteja «tão admiravelmente adaptada aos objectos da realidade?». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Sociedade Portuguesa de Matemática, Abril 2008, ISBN 978-989-616-241-2.
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