Cortesia de purl
«Declaro por sucessor de meus Reynos ao Princioe D. Affonso… e porque se acha em menoridade, e pelas leys destes Reynos toca sua tutela e a de seus irmãos, á Raynha minha sobre todas muito amada e prezada mulher, a nomeio Tutora e Curadora do dito Principe e dos Infantes meus filhos». Assim exprime o testamento de D. João IV, de 2 de Novembro de 1656.
Esse príncipe D. Afonso veio a ser o rei Afonso VI, um dos monarcas mais infelizes da História de Portugal senão o mais infeliz de todos, incluindo o infortunado D. Sancho II, como o mais tarde D. Pedro V.
Há, com efeito na longa lista de soberanos portugueses quem haja tido vidas desgraçadas ou morte violenta, tombando às mãos de assassinos facciosos ou desvairados. Não existe porém, outro que tanto tenha sofrido em toda a sua vida, aliás não muito longa mas sempre tocada de amargura e de martírio, como sucedeu ao filho do Restaurador da Independência.
Nascido em plena efervescência política e patriótica, a recuperação da nacionalidade fizera-se, apenas, três anos antes, e Portugal e a Espanha engalfinhavam-se numa guerra decisiva que duraria vinte e tantos anos, logo dos dois para os três anos, o principezinho marcado pela desgraça, foi vitimado por uma doença que viria a desvalorizá-lo, física e mentalmente, durante a sua existência. Dizem uns que era poliomilite, a terrível paralisia infantil, enquanto outros asseveram tratar-se de um ar, rótulo cientificamente vago, mas que sempre teve credenciais populares para explicar o que, então, talvez fosse inexplicável. Ainda outros acreditam numa febre maligna.
O seu «Primeiro Ministro»
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A doença, qualquer que fosse, deixou nítidos sinais no organismo do herdeiro do trono e fez dele um farrapo humano, imbecilizado e tarado. Ele ficou com todo o lado direito paralisado «com distorção da boca e principalmente no modo de cuspir, na paralisia da mão, na imobilidade da coxa e distorção do pé, donde procede o vício de coxear».
Um relatório de peritos observa, ainda, que a paralisia se estende aos músculos do dorso, nuca e regiões lombar e sagrada, além de outras lesões que o impossibilitavam para a prática normal do amor. Todos esses achaques miseráveis, crê-se, junto à péssima educação recebida lhe teriam criado aquele estado permanente de espírito a que hoje se chama «complexo de inferioridade», e aquela ânsia, muita vez manifestada, de convencer os outros de que era um homem normal.
O seu carácter tornou-se violento, azedo, colérico, e tinha ocasiões em que ficava «num estado estúpido, digno de piedade», com intermitências de pessoa sensata. Era enfim; um individuo «doente e cheio de enfermidades» mas não de índole má.
Em 1656, com a idade de 13 anos, pela morte do pai foi proclamado rei, mas só em 1662, de facto, tomou conta do poder, confiando imediatamente o governo ao Conde de Castelo Melhor, que se revelou um dos melhores estadistas portugueses.
A sua esposa, Francisca de Sabóia
Cortesia de livrariaul
Foi este ministro que seguindo vigorosamente a politica anti-espanhola imposta pelo momento político, procurou na alta aristocracia francesa uma princesa para rainha de Portugal. D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, um «serafim de formosura», segundo a linguagem romântica da época, mulher extraordinariamente bela e com aquela graça e encanto peculiares às mulheres da sociedade francesa, teve festiva e entusiástica recepção em Lisboa, onde chegou em 2 de Agosto de 1666.
A sua apresentação à noite, na corte, durante as cerimónias em sua honra, despertou vivo interesse. Ela seria ali com efeito rainha, não só pelo casamento que acabara de celebrar, mes sobretudo pela sua notável beleza, como pelo fausto que a sua pessoa e as da sua comitiva ostentavam. Em Portugal, saído de um período agitado e a braços com complicações internacionais, ainda não existia aquela pompa e luxo que haviam de caracterizar a corte portuguesa de D. João V. Portanto, o esplendor da rainha e do seu séquito foi causa de justificada admiração para os portugueses.
De todos os altos personagens da corte, só D. Afonso VI, o noivo, não assistiu ao banquete por «estar cansado de opressão e fadiga» e o facto imediatamente se tornou notado, desagradando à rainha, que o atribuíra a falta de gentileza, pecadilho que uma francesa orgulhosa e ciosa dos seus predicados não perdoa». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
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