quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. «Mas isso não impediu que Pires e companheiros tenham "vendido os seus bens, por bom preço, e dizem que é tão lucrativo levar especiarias para a China como levá-las para Portugal; pois é um país frio e fazem muito uso delas. De Malaca à China são quinhentas léguas, navegando em direcção a norte"»

Cortesia de foriente

A Chegada a Guangzhou
«Em Julho de 1511, a frota de Afonso de Albuquerque aparece ao largo de Malaca, então talvez o porto mercantil mais importante do Índico Oriental. Ele já tinha resolvido a questão do mar Vermelho, com a conquista de Ormuz, já tinha conquistado Goa, tornando esta última a sede do império no Oriente; iria resolver a questão que faltava.
Ancorada a armada de Albuquerque, os portugueses contactaram aí alguns juncos chineses. O sultão de Malaca, Mahmud Xá, tinha-os detido uns dias antes, assim como as respectivas tripulações. A origem dos problemas entre os mercadores chineses (e outros) e o sultão não está bem estudada, mas parece radicar na sua política antiestrangeira e de centralização política. Os chineses aproveitaram a primeira oportunidade e fugiram com os seus barcos, oferecendo-se a Albuquerque para ajudar os portugueses no ataque à cidade-estado, tributária do imperador da China.

O vice-rei português recusou a oferta, argumentando que, em caso de fracasso do ataque português, os chineses ficariam, daí em diante, se ajudassem, marcados negativamente junto do rei de Malaca, que os trataria mal. Mas sugeriu que eles emprestassem algumas barcaças para o desembarque das suas tropas. Diz-se que os mercadores chineses, longe de desagradados, ficaram sensibilizados com a consideração mostrada pelo comandante português.

Cortesia de wikipedia

Prestaram mais tarde, de bom grado, ajuda aos portugueses no transporte dos enviados de Albuquerque na viagem de ida e volta ao Sião (Tailândia). Quando regressaram à China, levariam assim consigo uma ideia muito favorável do carácter e da coragem dos lusitanos. Segundo alguns historiadores chineses, quando o cronista João de Barros diz nas “Décadas” que de Malaca Afonso de Albuquerque "enviou mensageiros seus" à China, entre outros países, deveria estar a referir-se a estes mercadores, pois não há conhecimento de quaisquer outros mensageiros então enviados ao Império do Meio. No entanto, segundo historiadores portugueses, tratar-se-ia de um grupo constituído em 1512, comandado por um tal João Viegas e que não chegaria sequer a ser transportado.

O sultão Mahmud Xá, retirado para o reino de Pahang ao ver que a resistência era impossível, e que a recuperação da cidade entretanto saqueada também sem ajuda do exterior, enviou à corte chinesa uma embaixada chefiada por seu tio, Nacem Mudaliar. Segundo o xá deposto, com a conquista de Malaca os portugueses tinham alterado o equilíbrio geoestratégico da região e, sobretudo, a ordem chinesa do mundo, uma vez que Malaca era um Estado tributário da China.
Chegada a Guangzhou (Cantão), a embaixada recebeu autorização de prosseguir até Beijing, seguindo o protocolo em relação aos Estados sob suserania chinesa. Recebido pelo imperador, Mudaliar pediu ajuda, mas não a encontrou. A China estava nessa altura mais preocupada em preparar uma gigantesca expedição destinada a expulsar os mongóis da sua fronteira norte.

Cortesia de raiadiplomatica

Nas fontes chinesas, os historiadores apenas encontraram até agora uma breve referência sobre a conquista de Malaca pelos “folangji feringis ou franks”, o nome pelo qual os portugueses foram conhecidos nos primeiros tempos na Ásia do Sul e no Extremo Oriente, para cujos povos os brancos vindos do Ocidente eram todos francos.

Em 1513, o novo capitão de Malaca, Jorge de Albuquerque, envia um oficial da coroa, Jorge Álvares, com o objectivo claro, pela primeira vez, de navegar até à China. A missão de Álvares levava um carregamento de pimenta de Samatra. Barros conta como os portugueses chegaram a uma ilha, Tongman, na região do delta do rio da Pérola (Zhujiang), ao largo de Guangzhou.
Ali ele ergueu um padrão, com as armas portuguesas, e a intenção de comemorar esta "descoberta" da China. Um filho seu, entretanto falecido, é lá enterrado, e ele próprio morreu ali, sete anos depois, na volta de outra viagem que fizera à China.
Cartas de mercadores italianos que aludem a esta viagem de Álvares, o primeiro contacto comercial luso-chinês que se conhece, referem que os portugueses "não foram autorizados a desembarcar; pois dizem que é contra os seus costumes deixar os estrangeiros entrar nas suas residências". Mas isso não impediu que Pires e companheiros tenham "vendido os seus bens, por bom preço, e dizem que é tão lucrativo levar especiarias para a China como levá-las para Portugal; pois é um país frio e fazem muito uso delas. De Malaca à China são quinhentas léguas, navegando em direcção a norte".

Ao encetarem relações comerciais com o Império do Meio, os portugueses procuraram imiscuir-se na rede de comércio regional que ligava há séculos a Insulíndia ao Sul da China». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Continua
Cortesia de Fundação Oriente/JDACT