Cortesia de rtleiria
«Questionam-se alguns autores portugueses acerca da origem das técnicas de grafismo e de impressão, então, por demais ainda incipientes, utilizadas na feitura dos inçunábulos hebraicos produzidos em Portugal na segunda metade do século XV. Regista a propósito Pina Martins:
- «O problema dos nossos incunábulos hebraicos e da origem dos motivos decorativos e iconográficos que os valorizam está ainda por solucionar. Já hoje se não aceita a tese de que se trate de impressões xilográficas, a não ser, bem entendido, por parte de estudiosos pouco informados e pouco preparados neste domínio, e por isso só temos que considerá-los como eles de facto são: impressões tipográficas de uma comunidade que, entre nós, tinha raízes profundas e grandes tradições de cultura. Pensámos durante muito tempo que, tratando-se de uma comunidade internacional ou, pelo menos, com laços internacionais muito marcados, o itinerário histórico destes livros pudesse haver tido o seu início na Itália meridional e central e seguimento através da Espanha».
O autor confessa, então, que hoje tem já dúvidas acerca dessa origem, sobretudo após a publicação do trabalho de Gabrielle Sed-Rajna, “Manuscrits Hébreux de Lisbonne”. Isso prova, em seu entender, a existência, nesse mundo lusíada de quinhentos, de um importante centro de calígrafos judaicos. Entre os códices reproduzidos, salienta, «contam-se algumas imagens que são bem uma prova de como, na origem da matriz xilográfica do “Séfer Abudraham” de 1489 e de outras matrizes xilográficas que apareceram noutros incunábulos hebraicos impressos em Portugal, pode ter havido uma escola hebraica de xilogravura ou pelo menos um esboço de escola, ligada ao atelier de copistas e iluminadores hebraicos».
Cortesia de cmleiria
É conveniente conhecer-se, também, a opinião de Gabrielle Sed-Rajna, mesmo que Pina Martins ponha algumas reticências em relação ao facto da posição dessa especialista francesa não se salvaguardar em documentação precisa, a tal respeito. Regista ela:
- «Os copistas e iluministas de Lisboa, ao contrário do que sucede com os artistas italianos, colaboravam também com os primeiros tipógrafos. Foi já posta em relevo a semelhança entre a grafia das cópias manuscritas e os caracteres tipográficos de Lisboa. O estilo típico dos ornamentos tinha também o seu prolongamento na própria imprensa».
O último vector, inerente ao cabal funcionamento da tipografia de caracteres hebraicos nesse Portugal dos finais do século XV, é a existência de «stocks» de papel com que se possa realizar uma dada edição. Ora pata a utilização desses mesmos «stocks» tornava-se necessário, antes do mais, a existência de «fábricas» em Portugal onde se pudesse fabricar precisamente papel.
A primeira «fábrica portuguesa de papel
A primeira fábrica portuguesa desse tipo, de que chegaram até nós provas documentais - é precisamente o “moinho de Leiria”, existente no rio Liz, e que já estava em funcionamento em 1411.
NOTA: Refere em 1913 Pedro de Azevedo, que a cidade de Fez tinha, já em 1184, «400 moinhos ou fábricas de papel», existindo já em Xativa, junto de Valença um grande centro de indústria daquele produto. Em 1276 fabricava-se papel na Itália, e em 1346 no Hérault, estabelecendo-se dois anos depois um moinho junto de Troyes. Em 1411 funda-se um moinho na Suíça, em 1390 entra esta indústria na Alemanha, em 1405 na Bélgica, antes de 1494 na Inglaterra, em 1586 na Holanda e em 1690 nos Estados Unidos.
Acreditava-se, até agora, que o autor contemporâneo que divulgou, pela primeira vez, em letra de forma, a existência de um documento da Chancelaria de D. João I respeitante a esse moinho-fábrica de papel foi António Baião, em 1915. Já um ano antes, porém, em artigo publicado no «Archeologo Português», Pedro A. de Azevedo dá notícia da existência desse mesmo documento, podendo até, e1e próprio, ser a fonte de onde partiu António Baião para a sua consequente pesquisa neste campo.
Refere Pedro da Azevedo, com efeito, que Sousa Viterbo, em obra por esse tempo publicada, referira a existência, em Fevereiro de 1441, de moinhos de papel em Leiria. Azevedo vai mais longe ao salientar:
- “Talvez que esta fábrica fosse fundada pelo escrivão da puridade de D. João I, Gonçalo Lourenço, antepassado do grande Afonso de Albuquerque, porque na Chancelaria daquele rei, a fls. 127v. do livro III, encontra-se registada uma licença para estabelecer no rio de Leiria artificio e engenhos de fazer ferro, serrar madeira, pisar burel e fazer papel. Sendo a carta datada de 1411 vê-se que Portugal não ficou atrasado nesta indústria em comparação com outros países”.
Cortesia de urbansketchers
Eis, portanto, o teor (na íntegra) desse documento:
- “Licença a Gonçalo Lourenço para fazer fabricas no termo de Leiria”. Dom Joham etç. A quãtos esta carta virem fazemos saber que gonçalo lourenço nosso criado scripvam da puridade nos dise e fez certo per scriptura pubrica feta e asignada per maão de pêro afomso nosso tabaliam na cidade de coimbra que elle ouve ora per scambo dabadesa do moesteiro de s.ta clara da cidade de cojmbra dous asentamentos velhos que em outro tempo forom moynhos que som em termo e ribeira da nossa villa de leirea no rio que vay pera fora da dita villa que som anbos de huü asentamento apar do outro que stam aso a ponte dos caniços os quaaes soya de trager do dito moosteiro Afomso anes fanqueiro os quaaes jaziam destroydos ha gram tempo e que ora el quer fazer nos ditos asentamentos onde esteveram os ditos moynhos arteficios e engenhos de fazer ferro e serrar madeira e pisar burel e fazer papel ou outras algüas cousas que se façam com arteficio dagoa quaaes el entender mais por sua prol com tãto que nom seiam moynhos de pam e por quanto no foral da dita villa he contheudo que de todas moendas que forem fetas na dita villa de leirea e seu termo os reis ouvesem ametade da renda que rendesem el nom entendia de fazer os ditos moynhos arteficios e engenhos ou alguús delles salvo dando lhos nos por alguú foro razoado por quanto eram cousas sobre que era forçado fazer grandes despezas e que nom era certo da prol que se lhe delo podia recrecer e que nos pedia por mercee que visemos nos esto e as despesas que era forçado de se fazerem em taes cousas e otemperasemos como nossa mercee fose em tal guisa que elle com sua prol pudese poer mão em fazer os ditos arteficios e nos veendo o que nos dizia e pedia e por quanto avemos certa enformaçam per pessoas dignas de crer e outrossy per scripturas pubricas que os asentamentos dos dytos moynhos huü deles pasava de lxxx anos que era destroido e ho outro era derribado tal de que nom aviamos alguu proveito e porque outrossy entendemos que os arteficios e engenhos que o dito gonçalo lourenço diz que em eles quer fazer seram prol e onrra dos nossos regnos e outrossy da dita villa de leirea e de que se a nos recrecera serviço e outrossy querendo fazer graça e mercee ao dito gonçalo lourenço por muito serviço que del recebemos e entendemos ao diante de receber de nosso proprio movimento e poder absoluto outorgamos e queremos e mãdamos que o dito gonçalo lourenço e os que depos elle vierem façam e possam fazer se lhes prouver nos ditos dous asentamentos de moynhos e açudes delles quaesquer arteficios e engenhos dos sobreditos ou doutros quaaesquer […]
In Manuel Cadafaz Matos, Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI, Publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra 1986.
Continua
Cortesia do Arquivo da Universidade de Coimbra/JDACT