sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Diário de Fr. Joaquim S. José. 1750. Até Roma, uma Viagem com Devoção, longa e árdua: «O manuscrito será designado por ‘Diário’. Manuscrito referido por Cenáculo, mereceu a atenção e referência sucessivas de Aragão Morato. Interesse um pouco traiçoeiro […] a contribuição de Cenáculo, no seu impacto global, para a cultura portuguesa do século XVIII»

Fr. Joaquim de S. José
1707-1755
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O documento denominado ‘Diário do Reverendíssimo Padre Mestre Doutor Fr. Joaquim de S. José na jornada que fez ao Capítulo Geral de Roma em 1750.
Dados históricos: identificação do documento e atribuição de autoridade
«O manuscrito integra o vastíssimo espólio de Frei Manuel do Cenáculo depositado na Biblioteca Pública de Évora (bpe). Trata-se do ‘Diário do Rmo P. M. Dr. Fr. Joaquim de S. José na jornada que fez ao Capº Gal de Roma em 1750’ a que corresponde a cota BPE Cód. CVl-10d. O manuscrito será abreviadamente designado por ‘Diário’. Manuscrito referido por Cenáculo, inventariado primeiramente por Vicente Salgado, com atribuição indiscutível de autoria a Fr. Joaquim, mereceu a atenção e referência sucessivas de Aragão Morato, Inocêncio da Silva, Cunha Rivara, Gama Caeiro, Nobre de Gusmão, Marcadé, Machado, Brigola ou Yaz. Interesse um pouco traiçoeiro já que provocou algum «ruído» em torno do ‘Diário’ ao qual não ficaram imunes os autores contemporâneos que mais se têm dedicado a analisar a contribuição de Cenáculo, no seu impacto global, para a cultura portuguesa do século XVIII.
Ao mesmo tempo os estudos publicados sobre a relação entre Cenáculo e as bibliotecas, concretamente com a Real Biblioteca Pública da Corte (1796), quando referem este manuscrito fazem-no de forma marginal o que, na verdade, é surpreendente. Os estudos que aludem mais demoradamente a este manuscrito fazem-no, uns, porque o atribuem ao próprio Cenáculo, outros nem tanto e outros porque o questionam mas, polémica à parte, sempre porque a jornada nele descrita é tida como um ponto de viragem no entendimento que Cenáculo tinha sobre as bibliotecas, organização função, actualidade, e, portanto, se o entendimento era sobre as bibliotecas em geral, por maioria de razão seria sobre aquelas com as quais Cenáculo teve directamente a ver, e, entre estas, com destaque o caso da Real Biblioteca Pública da Corte. Estas deduções, a partir do ‘Diário’ que profundamente analisámos, não nos parecem encontrar fundamento suficiente sendo, logo, excessivas. Forçando um pouco a expressão feliz de Xavier, o manuscrito é bem um exemplo de uma «paisagem invisível» pelas questões que nos obriga a [re]equacionar, não tanto pelas respostas ‘stricto sensu’.

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A bibliografia sobre Cenáculo personalidade e obra, é vasta e inicia-se ainda em tempo de vida do próprio Franciscano pela pena de Frei Vicente Salgado, nomeado em Junho de 1787 cronista oficial da Ordem Terceira de S. Francisco. A leitura e análise dos trabalhos de Vicente Salgado são pródigas em informações sobre Cenáculo, a sua vida e intervenção. Da sua leitura e análise retiram-se dados sobre o papel de Cenáculo como reformador em questões de ensino, como organizador, como homem de grande cultura. Segundo Vicente Salgado através do contacto com personalidades e visita a bibliotecas, Cenáculo terá recolhido informações preciosas:
  • «Passando a Roma assistiu ao Capítulo Geral da Ordem Franciscana celebrado no ano do Jubileu de 1750. O trato civil dos sábios, as coisas grandes e novas, as distintas e numerosas bibliotecas, fazem encher de novas ideias a sua grande alma. Recolhido ao Reino medita empresas literárias que o seu espírito felicita. O grego, o hebraico, o arabigo, e a latinidade pura, são cultivadas».
Claro que o tom é laudatório, primeiro porque, no período em que Vicente Salgado escreve, Cenáculo ocupa um lugar proeminente e desenvolve uma intensa actividade cultural a partir de Beja, actividade sempre empolada pelos múltiplos visitantes que recebe; segundo, porque Frei Vicente Salgado foi discípulo de Cenáculo em Coimbra, tendo-se estabelecido entre eles uma relação afectuosa. Convém reconhecer, no entanto, não se tratar de louvores desajustados. Hoje, à distância de mais de dois séculos, estando em posição de analisar e sopesar toda a obra de Cenáculo, quer a escrita quer a de intervenção, não podemos concluir que Vicente Salgado tivesse exagerado.

Vista parcial de cidade italiana, 1472
Manuel do Cenáculo, Elogio fúnebre do Fr. Joaquim, 1757
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No contexto da análise ao ‘Diário’, impõe-se uma incursão na bibliografia sobre Cenáculo, situando-a no tempo. De facto é importante dominar essa bibliografia no sentido de averiguar se a mesma refere, ou não, o ‘Diário’. Tanto quanto conseguimos apurar, até 1814 este manuscrito nem despertou a atenção de ninguém, nem foi mencionado. À parte os registos de Vicente Salgado, só temos a referência explícita feita pelo próprio Cenáculo.
O repertório biobibliográfico organizado por Inocêncio, decorridos hoje exactamente cento e cinquenta anos sobre a primeira edição, continua a constituir uma fonte inesgotável de informação e a proporcionar a descoberta.
O caso em mãos testemunha bem esta afirmação.
O primeiro contacto que tivemos com o ‘Diário’ foi através da leitura de Marcadé. A partir daí, tentámos reunir mais informação sobre o manuscrito e fazer um pouco da sua história, o que começou de imediato a revelar algumas contradições. De facto, o manuscrito está identificado por Inocêncio da Silva como «escrito inédito» sendo descrito como tratando-se de volume ‘in 8.º’ com 193 páginas enquanto a entrada de Inocêncio da Silva nos remete para Morato entenda-se, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato. Acatando a sugestão, seguimos este fio condutor que passava por Morato e localizámos, então, o dito documento que não é mais do que o apêndice final ao 'Elogio histórico do Excellentíssimo e Reverendíssimo D. Fr. Manoel do Cenáculo' intitulado Catalogo das obras do Senhor Arcebispo de Évora’ o qual «se não dá por completo» segundo o próprio Aragão Morato. Este ‘Catalogo’ é uma peça importante para a investigação cenaculana por se tratar duma listagem abrangente de toda a produção escrita de Cenáculo impressa ou manuscrita, fazendo-se acompanhar de observações pertinentes». In Maria Luísa Cabral, Até Roma: uma viagem com devoção, longa e árdua, Diário de Frei Joaquim de S. José em 1750, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, 2011, ISBN 978-972-565-462-0.

Cortesia da BNP/JDACT