Dançarina acrobática do Império Novo. Museu de Turim
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«No entanto, o funcionário zeloso, que prepara a sua casa de eternidade, previdentemente não dispensa as concubinas que o acompanham nas imagens da tumba e o servirão no outro mundo, renascendo das pinturas e relevos murais ou vivificando-se nas pequenas estatuetas funerárias (as concubinas chauabtizadas). São bem detectáveis as diferenças de representação das damas com um porte nobre e das jovens servidoras e dançarinas que animam os frescos tumulares, sumariamente vestidas ou mesmo nuas. Mais soltas e desregradas são as representações de concubinas e dançarinas feitas sobre óstracos ou outros materiais, para não falar do já mencionado ‘Papiro de Turim’, onde os homens e as mulheres que participam nas cenas exibem claramente os seus órgãos sexuais, por vezes exagerada e caricaturalmente representados. Mas a iconografia egípcia fornece-nos também um característico tipo de imagens, que Baines chama de «figuras de fecundidade»: personagens hermafroditas, com a típica pêra divina mas com seios pendentes, geralmente associadas ao Nilo.
Embora Siegfried Morenz nos diga que as partes mais íntimas do corpo humano não eram referidas nos textos devido ao grande pudor dos Egípcios em relação a essa matéria, a verdade é que conhecemos um bom número de expressões e vocábulos que podem ser respigados nos chamados «papiros médicos», entre outros. Para o referido autor, a menção de algumas partes do corpo humano, como o ânus ou os órgãos genitais, era tabu por serem, segundo ele, «chocantes». No entanto, os dicionários de egípcio, e o de Raymond Faulkner, utilizado neste trabalho, é um instrutivo exemplo, registam várias palavras da anatomia íntima ou de timbre sexual e erótico. Pode servir de paradigma a palavra falo, com várias formas de redacção:
Para a palavra copular há uma maior variedade de opções:
Assinale-se que a forma ‘nehep’ (nhp) quando usada para animais leva um determinativo fálico de acordo com a potência do copulador: assim se vê num baixo-relevo da capela funerária da mastaba do funcionário Hetep-herakhti, que foi sacerdote do templo solar do faraó Niuserré (Império Antigo, V dinastia). A referida construção foi transportada do Egipto e remontada no Museu de Leiden (Rijksmuseum van Oudheden te Leiden, Holanda), onde a pudemos apreciar. Numa das cenas figura um boi cobrindo uma vaca, e a legenda que descreve o acto de reprodução inclui a palavra ‘nehep’ (copular) determinada com um descomunal falo de bovino.
Se as cenas de cobrição animal estão bem documentadas em relevos murais de túmulos do Império Antigo, também dessa época existem imagens que nos evocam a circuncisão. São poucas, é verdade (conhecem-se pelo menos duas), mas na mastaba de Ankhmahor, em Sakara, pode-se apreciar a inequívoca cena de ablação do prepúcio: um paciente coloca a mão sobre a cabeça do operador, enquanto este procede à circuncisão com uma afiada faca de sílex. A circuncisão nos rapazes era feita na puberdade, não existindo provas cabais de que ela fosse generalizada. Por outro lado não há dados para a circuncisão nas raparigas (excisão) embora Baines nos diga que provavelmente também elas eram sujeitas a essa operação.
Circuncisos ou não, os jovens começavam cedo a actividade sexual e os contactos com o sexo oposto, estando por vezes os casamentos programados desde a mais tenra infância. Sabe-se que os príncipes, ainda adolescentes, recebiam o seu harém privativo que depois seria continuamente renovado. Também os altos funcionários dispunham das suas concubinas, embora a família monogâmica constituísse o padrão típico da sociedade egípcia e à esposa fosse devido, ao menos teoricamente, um grande respeito na sua digna qualidade de «dona de casa», ‘nebet-per’. À esposa, à namorada, ou às amantes, podia o apaixonado dedicar poemas de amor, alguns dos quais estavam «publicados» em papiros e em óstracos que chegaram até nós». In Luís Manuel de Araújo, Estudos sobre erotismo no Antigo Egipto, Edições Colibri, Temas Pré-Clássicos, 2000, ISBN-972-8285-05-0.
Cortesia de Edições Colibri/JDACT