quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Poesia. O Livro de Cesário Verde. «Fosse eu aquelas aves de pilhagem, e cercara-lhe a fronte, em homenagem»

Lisboa no século XIX
Cortesias de geopedrados e auladeliteraturaportuguesa

Responso
Num castelo deserto e solitário,
toda de preto, às horas silenciosas,
envolve-se nas pregas dum sudário
e chora como as grandes criminosas.

Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
em que ela esconde as lágrimas singelas.

É loura como as doces escocesas,
duma beleza ideal, quase indecisa;
circunda-se de luto e de tristezas
e excede a melancólica Artemisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
e havia de escutar-lhe os seus pecados.

Alta noite, os planetas argentados
deslizam um olhar macio e vago
nos seus olhos de pranto marejados
e nas águas mansíssimos do lago.

Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

E os abutres e os corvos fazem giros
de roda das ameias e dos pegos,
e nas salas rossoam uns suspiros
dolentes como as súplicas dos cegos.

Fosse eu aquelas aves de pilhagem,
e cercara-lhe a fronte, em homenagem.
Poema de Césário Verde, in «O Livro de Cesário Verde»

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