sábado, 10 de dezembro de 2011

Poesia. Só. António Nobre. «Um dia, em Maio, no mês das flores, chamou-o a Pátria pra tê-lo ao lado: vieram vê-lo cinco doutores, não no quiseram para soldado!»

Cortesia de falcaodejade

D. Enguiço
O bom amigo que vou cantando,
neto de santos, irmão de aflitos,
nasceu chorando, nasceu gritando,
nasceu aos gritos! Nasceu aos gritos!

Já pressentia, menino estranho,
o que no mundo cá o esperava,
e assim pedia, num dó tamanho,
não mo tirassem lá donde estava.

Mas a parteira pouco se importa:
- Oh que rabugem! Ai credo! Cruzes!
Esta eu vos juro que não vem morta...
(No altar da Virgem ardem as luzes.)

E foi crescendo. Mas como via
quanto era inútil a sua queixa,
aí caiu nessa melancolia,
que não o deixa, que não o deixa!

O amor precoce feriu-lhe o peito 
que paixão doida não era a sua!
«Se a vir, dizia, no mar me deito»
e até promessas fazia à Lua...

Mais tarde, em Coimbra, nalguma ceia
com mais rapazes, no Zé Magrinho,
diante dum copo, duma lampreia,
só debicava, cheirava o vinho.

Não tinha sede, não tinha fome,
nunca dormia, sempre em vigília:
ele é o herdeiro dum grande nome.
Assim são todos nessa família.

Ia às batotas (que mal faz isso?)
Ver seus amigos se lá estavam,
 e, mal no viam: «Lá vem o enguiço!»
E era verdade - que não ganhavam...

Um dia, em Maio, no mês das flores,
chamou-o a Pátria pra tê-lo ao lado:
vieram vê-lo cinco doutores,
não no quiseram para soldado!
(...)
Tem graça sempre, tem imprevisto:
anda ele agora, na Terra Santa,
pra achar os ossos de Jesus Cristo...
Vede-o, bons sábios!Tirando a planta.

Olá, senhoras, que ides na frota,
que ides às Ásias, enquanto eu fico,
boa viagem!... E tomai nota,
dai lá saudades ao compatriota...
Meu pobre Chico! Meu pobre Chico!
Poema de António Nobre, in «»
(Paris, 1893)

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