Cortesia de falcaodejade
D. Enguiço
O bom amigo que vou cantando,
neto de santos, irmão de aflitos,
nasceu chorando, nasceu gritando,
nasceu aos gritos! Nasceu aos gritos!
Já pressentia, menino estranho,
o que no mundo cá o esperava,
e assim pedia, num dó tamanho,
não mo tirassem lá donde estava.
Mas a parteira pouco se importa:
- Oh que rabugem! Ai credo! Cruzes!
Esta eu vos juro que não vem morta...
(No altar da Virgem ardem as luzes.)
E foi crescendo. Mas como via
quanto era inútil a sua queixa,
aí caiu nessa melancolia,
que não o deixa, que não o deixa!
O amor precoce feriu-lhe o peito
que paixão doida não era a sua!
«Se a vir, dizia, no mar me deito»
e até promessas fazia à Lua...
Mais tarde, em Coimbra, nalguma ceia
com mais rapazes, no Zé Magrinho,
diante dum copo, duma lampreia,
só debicava, cheirava o vinho.
Não tinha sede, não tinha fome,
nunca dormia, sempre em vigília:
ele é o herdeiro dum grande nome.
Assim são todos nessa família.
Ia às batotas (que mal faz isso?)
Ver seus amigos se lá estavam,
e, mal no viam: «Lá vem o enguiço!»
E era verdade - que não ganhavam...
Um dia, em Maio, no mês das flores,
chamou-o a Pátria pra tê-lo ao lado:
vieram vê-lo cinco doutores,
não no quiseram para soldado!
(...)
Tem graça sempre, tem imprevisto:
anda ele agora, na Terra Santa,
pra achar os ossos de Jesus Cristo...
Vede-o, bons sábios!Tirando a planta.
Olá, senhoras, que ides na frota,
que ides às Ásias, enquanto eu fico,
boa viagem!... E tomai nota,
dai lá saudades ao compatriota...
Meu pobre Chico! Meu pobre Chico!
Poema de António Nobre, in «Só»
(Paris, 1893)
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