Fr. Joaquim de S. José
1707-1755
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«Sobre o “Diário” recolhem-se no ‘Catalogo’ (...) alguns primeiros dados que vale a pena fixar. Ao descrever o “Díário”, Morato averbou: «Começa este “Diário” em 12 de Fevereiro [...] e acaba em 17 de Agosto, dia em que entrarão já de volta em Elvas». E comenta: «Este “Diário” foi escrito muito negligentemente quanto ao estilo: além disto muitas cousas se achão ahi apenas apontadas; outras ao contrario, sendo de pouca monta, são tratadas com demasiada minudência [...]». Soa como se Aragão Morato tivesse manuseado o “Diário”, hipótese que fica no limbo quando acrescenta que «conservão este Livro os parentes do Sr. Arcebispo, e foi-me communicado pelo José Jorge de Gusmão».
Alguma da informação utilizada no ‘Elogio’ e no ‘Catalogo’ foi, sem dúvida, coligida a partir de Vicente Salgado mas o discurso directo a que Morato recorre nesta passagem parece indicar que terá sido ele próprio a recolher a informação que registou. É o caso dos dados físicos e das datas deixando a impressão que manuseou o manuscrito.
Trata-se, na realidade, de informação preciosa porque o manuscrito que agora nos chegou às mãos só tem oitenta páginas organizadas em quarenta ‘in octavos'. E, de facto, não aparenta estar finalizado, seja pela exposição um tanto ou quanto inesperadamente interrompida, seja pela data, a qual, de acordo com a informação recolhida a partir do próprio manuscrito permite, através de cálculos, concluir que o último dia relatado corresponde ao período que vai do início de Junho a meados de Julho contrariando, portanto, Morato que atesta que o “Diário” termina com a chegada dos romeiros a Elvas em Agosto de 1750. A informação de Aragão Morato parece absolutamente credível porque o texto assim a sustenta.
Vista parcial de cidade italiana, 1472
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O manuscrito deixa-nos suspensos, mesmo insatisfeitos; não termina, é inconclusivo. Qualquer leitor estaria à espera de mais narrativa, de outro dia de jornada o que, inesperadamente, não ocorre, embora o texto não dê uma explicação. De repente, a escrita acaba, não há mais fólios e a pergunta que instintivamente se coloca é «e o resto, onde está o resto?».
De momento, não foi possível localizar as cento e treze páginas em falta, a fazer fé naquilo que é afirmado. Inocêncio da Silva utilizou a informação de Morato mas nem todos os autores posteriores a Inocêncio deram a mesma atenção à informação recolhida. Portanto a primeira questão apurada é que o manuscrito agora transcrito não corresponde à totalidade do documento redigido. Entre o que temos em mão e a data final de entrada em Portugal, fica um vazio de cerca de dois meses. Se o que falta se perdeu ou continua na prateleira de alguma biblioteca ou arquivo a aguardar por identificação, é uma pergunta que por agora fica em aberto.
Coloca-se a seguir a questão intrigante da atribuição da autoria do manuscrito. A atribuição foi ensaiada por Morato no ‘Elogio’, fonte considerada suficientemente fidedigna para Inocêncio a reutilizar classificando o “Diário”, na entrada dedicada a Cenáculo, sob a epígrafe ‘Escritos Inéditos’.
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Temos a certeza de que esta atribuição de autoria é errónea, e a nossa posição baseia-se em quatro argumentos muito simples e evidentes, todos contidos nas fontes da época. O primeiro fundamento para escorar a argumentação encontra-se logo no próprio título do manuscrito. A não ser que estivéssemos perante um espírito muito rebuscado e uma situação editorial de grande risco, características que a leitura do manuscrito de imediato repudia, a autoridade apropriadamente incluída no título não parece deixar margem para segundas conjecturas, trate-se ou não de título da responsabilidade do próprio Frei Joaquim de S. José. Trata-se do “Diário” de alguém num momento concreto da sua vida, um marco. Não há razão para questionar ou para complicar o que se apresenta como evidente.
O segundo, e mais decisivo fundamento, tem a ver com uma declaração do próprio Frei Manuel do Cenáculo. Cabe ao discípulo, numa manifestação de grande lealdade afectiva e intelectual, fazer a atribuição correcta. No momento em que prepara o ‘Elogio fúnebre do Padre Fr. Joaquim de S. Joseph’, Cenáculo escreve o que transcrevemos:
- «Este douto [...] somente nos deixou impresso um elegante sermão [...]; capazes de ver a luz na região dos sábios temos várias composições de poesia, cartas, pensamentos [...], o Itinerário da sua jornada a Roma bem escrito [...]».
Parece irrefutável uma afirmação feita num momento de solenidade máxima e de despedida final. Este ‘Elogio’, editado em 1757, não havia, portanto, merecido até agora uma leitura completa e a informação jazia à espera da sua oportunidade. O terceiro fundamento recolhe-se a partir da leitura do próprio “Diário”. Por quatro vezes o manuscrito se refere a «Manuel Cenáculo» e, a não ser que essa referência constituísse um recurso do Autor a uma figura de estilo falando dele próprio na terceira pessoa, o que contrastaria de todo com o estilo descritivo, isento de artifícios e coloquial utilizado, não é crível que fosse o próprio Cenáculo a escrever o texto». In Maria Luísa Cabral, Até Roma: uma viagem com devoção, longa e árdua, Diário de Frei Joaquim de S. José em 1750, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, 2011, ISBN 978-972-565-462-0.
Cortesia da BNP/JDACT