segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Pedro Dufour. História da Prostituição em todos os Povos do Mundo: Parte VII. «Por mais bellas que fossem as hebreias com os seus olhos negros e rasgados, a sua bocca voluptuosa com dentes de pérolas e lábios de coral, a sua estatura flexível, as suas formas opulentas, essas mulheres, cujo seductor retrato achamos no ‘Cântico dos Cânticos’, padeciam, segundo nos diz Moysés, enfermidades secretas»


Cortesia de wikipedia
NOTA: Texto na versão original

«Estes dois artigos do código de Moysés regularam a prostituição entre os hebreus, quando estes se fixaram na Palestina, constituindo-se em corpo de nação sob o governo dos seus juízes e dos seus reis. Os lugares de prostituição eram dirigidos por estrangeiros, ordinariamente syrios, e as mulheres de prazer ou consagradas, como se lhes chamava, eram todas estrangeiras, syrias também pela maior parte. As razões que decidiram Moysés a excluir as mulheres hebreias da prostituição legal, podem perfeitamente deduzir-se dos capítulos de “Levítico”, em que o legislador não escrupulisa em revelar as enfermidades secretas a que então estavam sujeitas as mulheres da sua raça. Daqui todas as precauções que toma para que as uniões sejam saudáveis e prolíficas.
Não pode explicar-se de outro modo o capitulo XVIII do “Levítico”, onde o legislador enumera todas as pessoas do sexo feminino, cujas túnicas não poderia levantar o bom israelita (‘turpitudinem non discoperies’), sob pena de desagradar ao Senhor.

Assim, pois, o hebreu não podia sem crime conhecer sua mãe ou sogra, sua irmã ou cunhada, sua filha ou neta, sua tia paterna ou materna, sua prima co-irmã ou sobrinha. Moysés julgou estabelecer d'este modo os graus de parentesco que tornam uma alliança incompatível e mais contraria ainda ao estado physico de uma sociedade, do que á sua organisação moral. Por motivos análogos, prohibiu também e ás vezes com pena de morte, ter copula com a mulher nos dias da sua indisposição menstrual. Verdade seja que o perigo era mais grave no povo hebreu do que em qualquer outro povo.
Por mais bellas que fossem as hebreias com os seus olhos negros e rasgados, a sua bocca voluptuosa com dentes de pérolas e lábios de coral, a sua estatura flexível, as suas formas opulentas, essas mulheres, cujo seductor retrato achamos no ‘Cântico dos Cânticos’, padeciam, segundo nos diz Moysés, enfermidades secretas, nas quaes certos archeologos da medicina pretenderam encontrar os symptomas da syphilis. Como esse mal, decerto, não lhes viria de Nápoles nem da America, achamos imprudente e arriscado pronunciarmo-nos em assumpto tão delicado. Em todo o caso, não podemos deixar de approvar as precauções de Moysés para perservar de tal infecção a saúde dos hebreus, e para impedir o gérmen da degeneração da sua raça.


Cortesia de pc 

Segundo outros commentadores, pouco ou nada competentes em medicina, mas atilados theologos por certo, não se tracta senão do fluxo de sangue e das hemorrhoidas n'esse terrível capitulo do “Levítico”, cuja traducção omittimos por decência. O texto da Vulgata não deixa dúvidas a respeito da natureza d'este fluxo, ou pelo menos da sua origem; (Vir qiii patitur fluxum semims immundus erit; et tunc indicabitur huic vitiis subjacere, cum per singiila momenta adhoeseri cari ejus atque concrererit foedus humor.) Eis aqui porque Moysés prescreveu abluções tão rigorosas e provas tão austeras aos que fluíam, segundo a expressão das traducçôes orthodoxas da Bíblia.
O enfermo que tornava impuro tudo aquillo que tocava e cujos vestidos deviam ser lavados no mesmo instante em que se manchavam, apresentava-se á entrada do tabernáculo ao oitavo dia do seu fluxo, e sacrificava duas rolas ou dois pombos, um pelo seu peccado, outro em holocausto. Estes dois pombos que o paganismo havia consagrado a Vénus, por causa do ardor e frequência das suas carícias, representavam evidentemente os dois auctores de um peccado que havia tido tão nojentas consequencias. O sacrifício expiatório não curava o enfermo, o qual permanecia separado de Israel e longe do tabernáculo até que terminava a sua doença.

Moysés dá ainda importantes regulamentos de policia tendentes a impedir quanto possivel que uma enfermidade immunda, que viciava as fontes da geração entre os hebreus, não se propagasse, aumentando os seus estragos e acabando por infeccionar todo o povo de Deus.
Apesar de tudo isto, a enfermidade tinha-se de tal modo agravado, e tanto se propagara, durante a estada do povo no deserto, que Moysés teve de expulsar do campo todos os que d'ella estavam atacados. Por ordem do Senhor, os filhos de Israel expulsaram também sem piedade nem compaixão todos os leprosos e todos os que fluíam. Podemos crer, sem receio de nos enganarmos, que aquelles desgraçados, a quem sem duvida o Senhor não enviou o manná, morreram á fome e ao frio, se não foi que succumbiram á sua cruel enfermidade.

Seja-nos lícito ainda attribuir a este mal estranho e odioso a lei dos zelos, que Moysés formulou para tranquillisar os maridos que accusavam suas mulheres de lhes haverem prejudicado a saúde, commettendo um adultério, de que ellas próprias conservavam a triste prova. Disputas frequentes e inextinguíveis surgiam por este motivo no interior das tendas. O marido desconfiava de sua mulher e procurava as provas das suas suspeitas no estado de saúde recíproca; a mulher jurava e perjurava em vão que não se havia manchado com o crime de adultério, imputando por sua vez ao marido as accusações que este lhe fazia. Então o marido e a mulher apresentavam-se ao sacrificador. O marido offertava por sua mulher um pequeno pão de cevada sem azeite, e os dois permaneciam de pé em presença do Senhor. O sacrificador collocava a offerenda nas mãos da mulher, tendo nas suas as aguas amargas que traziam a maldição.
  • «Se nenhum homem te conheceu, dizia-lhe, e se não te manchaste de impureza, estás isempta da maldição d’estas aguas. Se, porém, te manchaste, ou se qualquer homem além de teu marido te conheceu, que o Senhor te entregue á execração a que debaixo de juramento te sujeitas, e que estas aguas de maldição entrem nas tuas entranhas para te incharem o ventre e seccarem a perna»
A mulher respondia, assim seja, e bebia as aguas amargas, em quanto o sacrificador punha a offerenda sobre o altar. Se mais tarde o ventre da mulher inchava, ou a perna se lhe seccava, era convicta de adultério e vinha a ser infame aos olhos de Israel. O marido, pelo contrario, achava-se justificado, se não curado do seu mal, com a compaixão e os louvores do povo, que o chamava victima innocente, visto que, apesar de não ter bebido as aguas amargas em presença do sacerdote, tinha com frequencia a maior parte das enfermidades asquerosas e accidentes terríveis que a execração fazia pesar sobre sua mulher culpada. Quando esta podia manifestar a sua innocencia com o bom estado do seu ventre ou da sua perna, não tinha que soffrer mais as censuras de seu marido e podia ter filhos do seu sémen». In Pedro Dufour, História da Prostituição em todos os Povos do Mundo, Typ da Empreza Litteraria Luso-Brazileira, Pateo do Aljube 5, 1885, Library University of Toronto, May 23 1968, Lisboa.

Cortesia de Library University of Toronto/JDACT