Cortesia de contosdiaadia
Elegia do Outono
Em vão se agarra o Sol,
em vão se agarra o Sol às paredes do céu!
Escorregaram-lhe os dedos
(E vede:
que torcidos e queimados!)
do rútilo, dourado, efémero trapézio
onde breves minutos balouçara
na cúpula brilhante do meio-dia.
Quem não guarda, raivoso, na memória,
quem não guarda, cioso e deslumbrado,
a imagem de um meio-dia
assim perdido!?
Calai-vos ! Ah, calai-vos...
Quem sois vós?
Nada sabeis do Sol
Nada sabeis do Mar.
E que sabeis do amor, das vossas próprias vozes?
Vozes adolescentes, vozes e risos, rios
e cascatas de risos - oh, cessai! -
pois, correndo, manchais a grave
intimidade desta praia, a torpe
intimidade desta praia
(vede, vede:
escancarado
o vestíbulo
do Outono!)
Inutilmene o Sol,
inutilmente vos ensina, e também
eu não soube aprender. Inutilmente,
nas paredes redondas e polidas
em azul impiedoso os dedos esgarçamos!
Mas vós subis,
subis ainda
- e que escada de seda
tão suave!
no circo iluminado,
acrobatas gentis!
Mas vós, subis, subis ainda
- e quem sabe já quantos dentre vós
um deus compadecido assinalou!
Quantos tereis - prémio supremo! o fim
da queda vertical, vertiginosa,
em lugar desta
convulsa
lôbrega descida?
ti-mo-ra-ta des-ci-da
ao longo das
paredes!
E de súbito lembro, e de súbito vejo
(Ó mistura de beijo e bofetada!)
na ondulada arena - areia desta praia! -
tua carne ensanguentada, adolescente eleita!
Mas epitáfios, não!
Antes louvor! louvor
ao deus que te impeliu,
ao deus que te empurrou,
lá do alto do trapézio
efémera companheira!
E agradeço, esmagando, entre os dedos, areia.
Poema de David Mourão-Ferreira
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