quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Breve História dos Judeus em Portugal. Jorge Martins. «Durante o longo reinado do monarca Dinis (1279-1325) assistiu-se à intensificação das pressões do clero e da nobreza, suportadas pela Santa Sé, […] chegando mesmo a celebrar uma concordata com o clero português, em 26/09/1309»

Cortesia de novavega

Os judeus no período medieval
«Entre as disposições legais afonsinas, está a pena de morte pela fogueira a todo o judeu que profanasse uma igreja católica. Apesar da dureza desta determinação real contra os judeus, essas situações dever-se-iam a instigação de origem cristã, o que implicava, igualmente, a pena de morte para o cristão instigador, se pertencesse às camadas populares, e o desterro, se se tratasse de um fidalgo. Desde o tempo deste rei que os judeus são obrigados apagar dízimos à Igreja (situação de que há notícia em Silves).
Não podemos considerar, contudo, que Afonso III tenha introduzido uma alteração substancial ao clima de razoável tolerância em que os judeus portugueses viviam. Este rei legislou, em muitas matérias, sem discriminações relevantes. Por exemplo, em questões de litígio, judeus e cristãos podiam testemunhar, à excepção de querelas exclusivamente entre cristãos. Quanto à execução das disposições antijudaicas postuladas pelo IV Concílio de Latrão, o clero continuava a queixar-se do rei junto do papa de que Afonso III não as faria cumprir, antes continuava a conceder cargos públicos superiores aos judeus, não os obrigava ao uso do sinal no vestuário, nem os forçava ao pagamento do dízimo à igreja.

Apesar dos constantes protestos clericais, não se conhecem, neste reinado, motins antijudaicos entre a população cristã, sinal de que os judeus viviam uma situação de geral integração, embora com algumas restrições e limitações, que o monarca tratava de regular para responder às crescentes exigências do clero, apoiado, as mais das vezes, pelo Sumo Pontífice.
Durante o longo reinado do monarca Dinis (1279-1325) assistiu-se à intensificação das pressões do clero e da nobreza, suportadas pela Santa Sé, no sentido do uso do sinal em público e da não nomeação de judeus para altos cargos administrativos, chegando mesmo a celebrar uma concordata com o clero português, em 26/09/1309. Contudo, o rei manteve os privilégios contestados e não lhes impôs o sinal, preocupando-se, sobremaneira, com a protecção militar das portas das judiarias, especialmente em Lisboa e confiou aos rabis a administração das rendas públicas em todo o reino, organizado em sete províncias:
  • Santarém,
  • Viseu,
  • Covilhã,
  • Porto,
  • Torre de Moncorvo,
  • Évora,
  • Faro, superintendidas pelo Rabi-Mor, Judas, que gozava de protecção real.

Cortesia de novavega

Os hebreus viviam em comunas, disseminadas por todo o reino e o rei referia-se a eles como «os meus judeus», concedendo-lhes a livre prática religiosa, a edificação de sinagogas, a eleição de magistrados próprios, o lançamento de tributos e a aplicação do direito hebraico nas suas comunidades. Aliás, este rei preferia os médicos judeus aos cristãos. O monarca Dinis consentiria a coabitação dos judeus com a população cristã, apesar de prometer à Igreja que os obrigaria a viver separados em judiarias. Nesse tempo já existia a Sinagoga de Évora e a Sinagoga da Judiaria Velha de Lisboa foi mandada edificar, em 1307, por Judas, Rabi-Mor de Dinis. O Rabi-Mor dispunha de sete ouvidores, nas capitais das comarcas, com jurisdição sobre os judeus de cada distrito:
  • Porto (comarca de Entre Douro e Minho),
  • Torre de Moncorvo (Trás-os-Montes),
  • Viseu e Covilhã (Beiras),
  • Santarém (Estremadura),
  • Evora (Alentejo),
  • Faro (Algarve).
Este rei também obrigou os judeus a comprar terras em Bragança, com a finalidade de desenvolverem a agricultura. No tempo de Afonso IV (1325-1357) sabe-se que existiam aljamas espalhadas por todo o território português, embora só apareçam referidas na Chancelaria do soberano Dinis as de Lisboa, Santarém, Castelo Rodrigo, Viseu, Coimbra, Setúbal e Faro. Este rei criou vários impostos e foi ele quem obrigou os judeus ao uso do chapéu amarelo (que os seus sucessores mudariam para vermelho), mas, uma vez mais, não seria rigorosa a observância do uso do sinal, tolerando-se o seu disfarce por baixo da roupa. Em 1340, proibiu a usura, como resposta aos protestos que ouviu nas Cortes e, em 10/07/1354, proibiu a saída do reino sem autorização régia aos judeus com 500 ou mais libras.

Cortesia de novavega

No entanto, concedeu privilégios a alguns isentando-os do pagamento de impostos. São exemplos o Rabi-Mor, que foi dispensado de fazer os habituais róis de bens móveis e imóveis, implicando a isenção dos respectivos impostos; mestre Jacob, da Guarda, que foi isento do pagamento do foro e Moisés Navarro, rico proprietário rural, que foi autorizado, assim como sua mulher, a instituírem morgadios no termo de Lisboa a favor de seus filhos, Isaac e Jacob.
A mesma política de tolerância quanto ao sinal hebraico foi seguida por Pedro I (1357-1367), que continuou a conceder privilégios ao Rabi-Mor, seu almoxarife, resistindo às pretendidas imposições emanadas de Roma. Em consequência, multiplicavam-se as queixas contra as judiarias e, em especial, contra a de Lisboa. Recebem cartas de confirmação, pelo menos, as seguintes comunas judaicas: Atouguia, Coimbra, Beja, Setúbal, Lisboa, Tavira, Estremoz, Guarda, Loulé, Faro, Bragança, Évora, Portalegre, Trancoso, Serpa, Silves, Santiago do Cacém e Santarém.

Pedro I, respondendo às queixas da Cortes de Elvas de 1361, ordenou o afastamento do convívio dos judeus com os cristãos, impondo a criação de bairros próprios aos grupos de dez ou mais judeus e o seu recolher obrigatório depois do pôr-do-sol, sob pena de serem publicamente açoitados os infractores. Pelo menos desde este reinado os judeus prestam serviço militar, participando na guerra ao lado do rei. Apesar destas medidas, prosseguirem as queixas do clero contra a dispensa do sinal a alguns judeus e registaram-se atitudes protectoras como a da condenação à morte de dois escudeiros por assaltarem e assassinarem um judeu.
O rei Fernando (1367-1383) permitiu o ressurgimento do prestígio económico de judeus com a atribuição de cargos públicos, tendo sido um dos reis que mais protegeu a população hebraica. Proliferam as cartas de confirmação de privilégios aos judeus (Lisboa, Santarém, Beja, Coimbra, Tavira, Elvas, Guarda, Leiria, Estremoz, Setúbal e Trancoso). Este rei protegeu os judeus de Leiria, cujas casas foram assaltadas e seus proprietários espancados. À semelhança dos seus antecessores, o rei Fernando concedeu privilégios ao seu valido, o Rabi-Mor Judas Aben Menir, também seu tesoureiro-mor, rendeiro-mor e rendeiro do serviço dos judeus do reino, a quem doou casas, pardieiros e adegas em Lisboa e casas em Santarém e entregou a Reyna (mulher de Judas) casas, uma loja e sobreloja em Lisboa, no ano de 1383. O rei, tal como os seus antecessores, foi acusado de isentar judeus do uso do sinal». In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.

Cortesia de Nova Vega/JDACT