Cortesia da gradiva
Por virtude desta estrada natural, onde depois se implantou uma grande estrada romana e uma via de caminho de ferro, Portugal, cujas raízes estão nos maciços isolados do Noroeste, pôde prolongar-se ao longo do litoral, criando uma espécie de apêndice; e o Tejo, fronteira geográfica, deixou de ser uma fronteira histórica. Mas a franja do litoral liga-se com a zona semidesértica da Meseta castelhana.
Lisboa, no cruzamento da estrada litoral com um rio profundamente navegável, situada no fim das montanhas e frente à planície do Sul, viria a tornar-se a capital de uma nova entidade política, um pouco híbrida, já em parte desprendida das raízes asturo-cantábricas e galegas.
Considerando a zona onde actualmente se encontram Portugal e a Galiza, vê-se imediatamente que está dividida por rios paralelos, que a separam em fatias. O Minho separa a antiga Galiza romana em duas partes, das quais a do sul, só, é actualmente portuguesa. O Douro marcava a fronteira entre a Galiza e a Lusitânia romanas, e durante muito tempo, na chamada reconquista, foi o limite da terra cristã. Entre o Douro e o Tejo estão as Beiras, com as suas serras oblíquas à costa, zona de transição entre o Norte e o Sul. A orientação das serras determina o curso do Mondego e estabelece duas zonas: uma, ao norte da Estrela, leva a Coimbra, que é uma capital regional natural, entre o Mondego e o Douro. Outra, no sul, conduz, por estradas naturais, até Lisboa: é a Beira Baixa. Esta província tem uma função central, porque é ela que estabelece a ligação, pelo interior, entre o Norte e o Sul. Na medida em que tem a Beira Baixa como ‘hinterland’ pelo interior, ao mesmo tempo que se encontra na margem do Tejo e na estrada natural, Lisboa tem uma posição chave em relação ao resto do País, mas especialmente até ao Douro.
Finalmente, o Tejo separa o Sul do Norte; mas as serras algarvias abrem uma concha sobre o mar que tem pouco que ver com o Alentejo.
Mas além desta fragmentação transversal, os geógrafos têm assinalado uma outra, também evidente: é a que separa a orla atlântica, Minho litoral, Beira Litoral, Estremadura, estuários do Tejo e do Sado, do país interior, para lá dos montes, que inclui o Alentejo, separado do mar por altas falésias.
No seu estudo sobre “Os Arados Portugueses”, Jorge Dias apresentou um mapa de distribuição dos tipos de arado que em seu parecer distingue áreas culturais muito antigas.
Cortesia de familiareszende
Toda a zona interior até ao Tejo, parte da Galiza e de Leão, Alto Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta e Beira Baixa, foi arada com o «arado radial», que é o mais primitivo e o mais simples. O «dente» que fura aterra, e a «rabiça», por onde pega o lavrador, formam uma peça só; uma simples pernada de árvore, com uma curvatura apropriada e um bico aparado, pode servir ao efeito; acrescenta-se-lhe um pau comprido, o «temão», para puxar o instrumento. Este arado, leve e portátil, especialmente adaptado à cultura do centeio, que é a das terras altas, já era conhecido dos Romanos e também de tribos do Atlas marroquino. Jorge Dias chama-lhe o arado «lusitano», admitindo que o seu foco de irradiação seria a zorra actualmente portuguesa da Lusitânia romana.
Diferentemente, em toda a zona ao sul do Tejo, predomina o «arado de garganta», muito mais complicado, pois supõe a justaposição de várias peças. O dente é fixado, com cravos e argolas de ferro, a um pau curvo, a «garganta», que se prolonga na rabiça; na garganta fixa-se a vara do temão. Este arado, difundido em várias regiões mediterrânicas, teria vingado, antes das invasões romanas, “na civilização ibérica, altamente evoluída, de Tartessos, que teve o seu foco na Andaluzia e se espalhou por toda a Península”, excepto nalgumas zonas montanhosas na fronteira actual portuguesa ao norte do Tejo, e nos Pirenéus. É o arado do trigo.
Finalmente, na zona litoral, de Lisboa à Galiza, para cá dos montes, predomina o «arado quadrangular», que é o mais complicado. Ao pau do dente fixam-se peças a que se prende o temão, que está também fixado à rabiça, ou ao par de rabiças (dispostas como o guiador de uma bicicleta), formando o conjunto um paralelogramo; ao pau da rabiça fixam-se também largas asas de madeira, as «aivecas», para revirar a leiva da terra. Em alguns casos funciona com rodas. É preciso para a cultura do milho, e chama-se-lhe o «arado suevo», porque se supõe que foi trazido com as invasões do Centro e do Norte da Europa». In António José Saraiva, A Cultura em Portugal, Teoria e História, Introdução Geral à Cultura Portuguesa, Herdeiros de António José Saraiva, Gradiva Publicações, Lisboa, 1996.
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