quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O Último Regimento e o Regimento da Economia da Inquisição de Goa. Série Documental. «Em toda a minuta é patente o cuidado em entrelaçar as responsabilidades do arcebispo e dos inquisidores. Uma vez e outra se insiste e recomenda a presença daquele, quer para receber as denunciações e reconciliações, quer para comutar as penitências»

Histoire de L’Inquisition de Goa
Charles Dellon
Cortesia de BNP

Leitura e prefácio de Raul Rêgo
«Dessa feita, logo a 6 de Março de 1554, eram indigitados para primeiros inquisidores de Goa Henrique Jacques e o licenciado Francisco Álvares. Mas a tentativa, como nos diz também Baião, falhou. Na minuta do diploma que estabelece o Tribunal em Goa se determina que será bom começar pelas cidades de Goa e Cochim:
  • «Primeiro em Goa e, feita aí a visitação, irão publicá-la em Cochim, por serem as principais e de maior povoação; e depois, ao diante, se parecer necessário publicar-se em outras partes, se fará»
Em toda a minuta é patente o cuidado em entrelaçar as responsabilidades do arcebispo e dos inquisidores. Uma vez e outra se insiste e recomenda a presença daquele, quer para receber as denunciações e reconciliações, quer para comutar as penitências. Recomenda-se igualmente:
  • «Se alguma pessoa for presa pelo Santo Ofício (maldito) que for tão poderosa ou de qualidade de que lá se não possa fazer justiça, enviarão cá o tal preso com o processo e culpas que dele houver, o que se não fará senão com muita causa, e quando se tal não puder fazer, virão as testemunhas da justiça ratificadas e assim as referidas e o processo substanciado para final despacho».
Problema grande se punha com os judeus de Cochim, muito numerosos, e quando aos que entravam por Ormuz, vindos da Turqui. Essa entrada ia estimular os judeus e cristãos-novos lá existentes. Por isso se diz que:
  • ‘é coisa muito importante não vir e irem-se os que já há, o que se poderá efectuar fazendo-se a lei que todo o judeu branco que for achado nestas partes de Ormuz para dentro, ou em qualquer fortaleza ou povoação de Vossa Alteza, ou portos em que haja seus capitães-mores, morram morte natural ou fiquem cativos de quem os tomar e as fazendas perdidas para as obras da Ribeira e quem os acusar; e se perca a embarcação em que forem achados ou se provar que forem nela, ou fazenda sua, depois de ser passado o termo que lhes deve ser dado para se irem, porque desta maneira não virão mais e os que há se tornarão para a Turquia’.

Cortesia de bnp

Entretanto as instalações foram progredindo e a Inquisição (maldita) e os inquisidores, os cárceres dos presos, ficaram definitivamente instalados no Palácio do Sabaio. Em 1577, o rei mandava «que as ditas casas aposentos do Sabaio que ora servem aos ditos oficiais e presos não possam ser aplicadas a outro uso algum, somente ao que pertencer ao ministério da Santa Inquisição (maldita)».
Estava montada a grande fortaleza da fé católica no Oriente e da perseguição a crenças e ritos tradicionais, populares, afastando-nos das populações, longe daquele entremear de gentes e sentimentos que fora o objectivo político do maior dos conquistadores: Afonso de Albuquerque.
Ia-se para a orientação que se traduzirá, anos mais tarde, nas palavras do rei de Cochim, e um dos mais conhecidos viajantes na Índia:
  • «Disse-nos que nós éramos livres para ficar ou para partir; e que, estando resolutos a marchar, nos não queria impedir este desígnio; mas que sobretudo andássemos bem precatados de nos não fiar muito dos Portugueses».
A história da Inquisição de Goa é uma série de misérias morais e ambições, de competências e ciumeiras entre o poder civil e o poder religioso, dos inquisidores a queixarem-se do vice-rei, do arcebispo, e deste e daquele contra os inquisidores. Há os casos mais diversos e a corrupção é frequente, o clima e a distância, a demora no ir e vir da correspondência e das ordens, meses e meses em cada monção, contribuem sobremodo para agravar os males de um tribunal já de si odioso». In O Último Regimento e o Regimento da Economia da Inquisição de Goa, Leitura e Prefácio de Raul Rêgo, Série Documental, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1983.


Cortesia da BN de Portugal/JDACT