sábado, 10 de março de 2012

FCG. Historiografia Medieval. Luís Krus. «Copiada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra durante a década de 30 do século XII, dando origem aos “Annales Portucalenses Veteres” transmitidos, através de duas recensões, uma longa (com notícias até 1122) e uma breve (até 1168), a outras instituições eclesiásticas, monásticas (Santa Maria de Alcobaça), e episcopais (Lamego)»

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«No quadro da Hispânia cristã da Reconquista a memória letrada do passado regional português começa por ter origens monásticas e a expressar-se através de anais latinos. Os mais antigos, recolhendo notícias que remontam ao século IX, foram elaborados nos finais do século XI e começos do século XII em dois mosteiros localizados nos condados portucalense e conimbricense, respectivamente. Santo Tirso de Riba d'Ave e S. Mamede de Lorvão. Comemoram o passado da Reconquista da fronteira cristã ocidental, associando a lembrança dos feitos militares nela praticados pelos reis das Astúrias e Leão à recordação da sucessão dos seus abades (Lorvão) e à memória da acção de nobres guerreiros regionais (Santo Tirso). Destas duas séries de registos analíticos, foi a portucalense que teve maior difusão.
Copiada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra durante a década de 30 do século XII, foi nele acrescentada, dando origem aos chamados “Annales Portucalenses Veteres” transmitidos, por sua vez, através de duas recensões, uma longa (com notícias até 1122) e uma breve (até 1168), a outras instituições eclesiásticas, tanto monásticas (Santa Maria de Alcobaça), como episcopais (Lamego).

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No seu conjunto, todos os textos derivados dos “Annales Portucalenses Veteres” perspectivam o passado em função dos interesses do recém-fundado reino português. incluindo os designados “Annales D. Alfonsi Portugalensium Regis” uma sua continuação, feita em Santa Cruz, com notícias que alcançam o ano de 1184.Centrando as efemérides recolhidas nas conquistas efectuadas pelas hostes do patrono do mosteiro conimbricense, Afonso Henriques, o rei fundador, heroicizam-lhe as vitórias obtidas contra o Islão, nelas encontrando, cruzadisticamente, a legitimidade da independência portuguesa. Segundo os crúzios, o novo reino resultara de uma Reconquista autónoma da dos reis de Leão, não reconhecendo a tais soberanos quaisquer direitos históricos sobre os territórios anexados, uma vez que os monges contestavam a tese da existência de uma prévia herança goda transmitida à realeza descendente dos monarcas das Astúrias. Tendo como ponto de partida o registo das memórias de Afonso I, não raro associadas às hagiografias de santos seus contemporâneos, as recordações analísticas da história dos senhores reis de Portugal foram continuadas nos principais mosteiros de padroado régio durante os séculos XIII e XIV, sobretudo naqueles onde existiam sepulturas de antigos soberanos, como Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de Alcobaça, enquanto, paralelamente, outros cenóbios recolhiam notícias e tradições relativas ao passado das famílias dos seus nobres patronos e protectores, dando origem aos Livros de Linhagens.

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O mais antigo, o “Livro Velho de Linhagens”, foi redigido em português no Mosteiro de Santo Tirso, na década de 80 do século XIII. Composto numa época de tensões e conflitos entre a realeza centralizadora e a nobreza senhorial, apresentava as origens das principais famílias fidalgas portuguesas como anteriores à formação do reino, fazendo-as portadoras de uma genealogia recuada até aos tempos da Reconquista asturiana.
Desse modo, tornava a política régia de cerceamento e anulação dos direitos e privilégios detidos pela nobreza senhorial num atentado ao justo reconhecimento dos serviços prestados por linhagens cujos fundadores, antes dos reis, ‘andarom a la guerra a filhar o reino de Portugal’. Neste confronto político-ideológico em torno da questão das origens, o interesse senhorial pelos tempos da Reconquista asturiana não se restringiu aos textos genealógicos. Com efeito, foi numa das grandes casas senhoriais do reino, a dos senhores de Portel, que a historiografia medieval portuguesa aderiu a um novo género bastante desenvolvido no vizinho reino de Castela, a crónica, nela se efectuando, antes de 1315, a tradução do árabe para o português da “Crónica do Mouro Rasis”, um texto onde se aborda, globalmente, a geografia e a história peninsulares (continua)». In Luís Krus, Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, organização e coordenação de Giulia Lanciani e Giuseooe Tavani, Lisboa, Editorial Caminho, 1993, Fundação C. Gulbenkian, 1997.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT