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A parte do diário dedicada a S. Salvador de Aramenha, que motiva estas páginas, contém a descrição das epígrafes que Cornide viu na chamada "Quinta do Deão" ou "Horta do Deão", que sabemos, pelo diário, que é a «horta e casa do deão de Portalegre e outras terras de sua pertença. Transcrevemos integralmente esta parte do diário:
- [fólio 13]. "A 8 [de Agosto] continuei a minha viagem até Marvaom [Marvão] para reconhecer o sítio e vestígios da antiga Meidubriga e do Itinerário de Antonino que sabia deviam existir num pequeno lugar chamado S. Salvador de Arameña [Aramenha], não longe de Marvaom [Marvão]; subi, pois, a Serra de Portalegre pelo caminho de Valência de Alcântara e, por entre frondosos e sombrios renques de castanheiros, cheguei à falda ocidental do monte de S. Mamede, o cabeço mais alto desta cordilheira, junto a cujo cume há uma ermida daquele santo, na qual fazem vida retirada quatro ou cinco anacoretas como os do Bom Jesus da Arrábida. Situa-se este monte nos confins de Portugal e não em Espanha, como o coloca o Sr. López no seu mapa. Devido à sua altura e por não ter outro mais dominante em redor é, decerto, o melhor ponto de defesa de toda esta fronteira e como tal o reconheceram os generais portugueses em 1797. Da sua falda, donde brotam muitas fontes que originam o rio Sever, segui, por veredas escabrosas mas povoadas de castanhais, o curso deste ribeiro, que me conduziu a Arameña [Aramenha]; está situada esta freguesia num vale compreendido entre duas cordilheiras que formam a Serra de Portalegre: a do meio-dia, em que está aquela cidade e cujo ponto mais elevado é S. Mamede, e a do norte, cuja maior altura é ocupada pelo castelo de Marvaom [Marvão] e na qual se situa também Castelo de Vide e os penedos chamados as Pitarrañas [Pitarranhas]. Por este vale vinha desde Abrantes o caminho para Mérida pelas mansões de Fraximum, Mundobriga e Septem Arae, que, segundo a opinião mais provável, correspondia a uma légua de San Vicente, na Dehesa de Maiorga; eu não consegui descobrir vestígios dessa via, quer porque o vale está em grande parte cultivado, quer porque o Sever, nas enxurradas, desfigurou o terreno; vi, porém, muitos troços da muralha da antiga povoação, que se estendia de sul para norte, na falda da cordilheira a sul, desde um cerrito a sudoeste até à margem do rio no terreno hoje ocupado por uma horta e pela casa do deão de Portalegre e outras terras de sua pertença; foi aqui que se encontraram moedas de ouro de Vespasiano e Severo, juntamente com outras de cobre de vários imperadores, cerâmica, vasos de vidro e outras curiosidades, mas sobretudo as inscrições que se conservam no pátio da casa e que copiei e são as seguintes:
Com nº 1, texto CIL II 161 (Amoenus…)
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Todas as seguintes estão em pedras de forma idêntica, mas umas defeituosas e outras inteiras, e todas de pedra granitoide.
Com nº 2, texto de CIL II 164 (L. Voconius Fuscus); o nº 3 é para CIL II 163 (Optata…) e o nº 4 para CIL II 162 (C. Licinius Verus…)
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- No interior da horta, vê-se outra grande placa de mármore branco, na qual, com bonitas letras de duas polegadas, se encontra gravada a seguinte inscrição, em que, embora esteja quebrado um canto da pedra, se lê bem o que segue:
O nº 5 é para CIL II 159
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- Reconhecido muito bem o terreno para que não me restassem dúvidas de que era esta a Mundobriga do Itinerário, só me faltava obter a confirmação de que era esta a mesma povoação a que Plínio dá o nome de Plumbario, devido às minas de chumbo exploradas nos arredores, o que verifiquei passando a ver a boca da dita mina, distante um quarto de légua do sítio da cidade, do outro lado do Sever, que recebe aqui um grande aumento de caudal com seis olhos de água que rebentam um tudo-nada mais abaixo do pisão da fábrica de Portalegre; a referida boca desce perpendicularmente, mas logo abaixo, segundo me informaram, estende-se em jeito de galeria por bastante espaço até a um poço ou corrente de água que impossibilita a passagem, o que constituiu, sem dúvida, a causa de os trabalhos das minas terem sido suspensos. Eu não descobri sinais de chumbo nem escórias e só notei que toda a montanha é de pedra calcária, que os naturais utilizam para fazer cal, para cuja finalidade dispõem de um forno nas imediações da referida abertura».
In Juan Manuel Abascal, Universidad de Alicante, Rosario Cebrián, Parque Arqueológico de Segóbriga, José d’Encarnação, Universidade de Coimbra, Marvão e Ammaia ao tempo das Guerras Peninsulares, IBN MARUAN, 2009, Edições Colibri, Câmara Municipal de Marvão, ISBN 978-972-772-876-3.
Continua
Cortesia de E. Colibri/CM de Marvão/JDACT