jdact
De Mariana e da autoria das Cartas
«Afinal, se alguns anonimatos haviam, eram os de Chamilly e Guilleragues, a religiosa tinha um nome, Marianna, que se traduziu para Marianne:
- [...] Deixa, deixa, infeliz Mariana, de te ralar em vão e de procurar um amante que não verás jamais, que atravessou os mares para te fugir e está em França no meio dos seus prazeres, que não pensa sequer no teu sofrimento e que dispensa todos esses enlevos, que nunca te agradecerá.
Quer no documento de baptismo, quer no de óbito, ou nos que assinou como escrivã e vigária, Mariana, vem escrito: Marianna (com dois n), nos dois primeiros registos e, nos outros, assinados por ela, como Maria Anna. É a mesma pessoa, a caprichar com o seu nome composto de Maria mais Ana, mas também tem sido o suficiente para alguns investigadores darem ares da sua erudição, como Denis Fauconnier que tenta não relacionar Maria Anna Alcoforado com a Marianna Alcoforado mencionada por Boissonade.
Nos assentos de baptismo e de óbito vê-se bem como escreviam o seu nome e como a chamavam, ‘Marianna’.
Se Barbin e os outros editores coevos como, Phillippe e Loyson, mentiram quanto à autenticidade das missivas, ditas portuguesas, e usufruíram da credulidade de um público acrítico, é estranho que durante tanto tempo ninguém os tenha contestado e denunciado.
Cortesia de 100Luz
Gabriel Guéret, no seu manuscrito "La Promenade de Saint-Cloud" ou diálogo sobre os autores, datado do Verão de 1669, mas somente publicado em 1751, nas “Mémoires historiques, critiques et littéraires” de Bruys, critica o jogo artificioso de Claude Barbin aplicado à sua edição das Cartas, embora não afirme que são obra de um homem, ou de qualquer outra pessoa que não seja a religiosa. Constata o que ainda hoje acontece: há obras literariamente boas que ficam nas prateleiras das lojas a ganhar pó e outras, sem estilo e com a maior parte dos períodos sem medida, além da repetição das mesmas frases e sentimentos, como é o caso das “Leftres Portugaises”, que a não ser pela novidade, não se percebe como vendem tanto. Estas observações de Guéret, sobre o não clacissismo das Cartas, têm sido usadas, apesar de tudo, contra a sua autoria portuguesa, quando na verdade o que se depreende é uma inveja enorme, da parte de Guéret, pelo sucesso de Barbin, aliada à tentativa de desvalorizar as obras que edita. Se as Cartas não obedeciam aos cânones da época, então é mais uma prova de que não são originárias do meio literário francês.
Boileau Despreaux (1636-1711), o príncipe francês da sátira, coetâneo do livreiro Barbin, ao receber do 4º conde da Ericeira, Francisco Xavier de Menezes (1673-1743), a tradução portuguesa da sua Arte Poética e uma epístola em versos franceses, agradeceu-lhe, em carta datada de 1697, elogiando a distinção de que fora alvo e dando como exemplo, para grande contentamento do conde, que até as pedras em que este tocava se convertiam em jóias. Asseverava-lhe que na primeira edição das suas obras incluiria a tradução do conde. Passados quatro anos Boileau editava as suas obras, alegando como desculpa da promessa não cumprida que se tinha perdido o primeiro canto da tradução e que por vergonha não o pedira. Segundo Camilo Castelo Branco que narra este acontecimento, tratava-se de um subterfúgio, vulgaríssimo nos talentos superiores». In Leonel Borrela, Cartas de Soror Mariana Alcoforado, Edição 100Luz, 2007, ISBN 978-972-99886-7-7.
Cortesia de 100Luz/JDACT