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Uma pesquisa assente na leitura dos mais antigos poemas da língua portuguesa, abraçando os aspectos filológicos, poético e mítico. ‘A Saudade Portuguesa’ abriu novos caminhos à compreensão do mais enigmático dos enigmas portugueses: “a Saudade”.
«Quanto à cançãozita portuguesa, entoada no drama castelhano de Vélez de Guevara, pelas duas protagonistas femininas, Inês e sua dama Violante, os problemas respectivos são de resolução relativamente fácil: por que razão foi ela escolhida? De onde provém? Como se deve ler? Haverá algo de positivo na lenda tardia que transforma o cruel Justiceiro em pálido trovador?
Vejamos primeiro o texto, tal como foi impresso, na edição-príncipe de “Reinar despues de morir”.
A cena 6ª do acto I representa-nos Inês de Castro na quinta que habitava à beira do Mondego. Voltando fatigadíssima de uma caçada, triste e ‘saudosa’ do seu ‘bem’ ausente, ela repousa numa camilha, e adormece enquanto a dama vai cantando a fim de mitigar as suas penas. Essa principia dizendo:
Descansa, señora, Pues.
Todo disgusto me dá.
Quieres, señora, que cante
para divertir tu pena,
‘una letra nueva y buena’
que te alegre?
Si, Violante.
Canta, y no por alegrar
mi pena, te lo consiento,
sino porque a mi tormento
quisiera un rato aliviar.
Canta Viol.
‘Saudade minha,
quando vos veria?’
Diga el pensamiento,
pues solo él lo siente,
adorado ausente,
lo que de vós siento.
Mi pena y tormento
se trueque en contento
con dulce porfia:
‘Saudade minha
quando vos veria?’
Canta Viol.
Minha saudade,
caro penhor meu,
e quem direi eu
tamanha verdade?
a minha vontade
de noite e de dia
……………………
‘Saudade minha
quando vos veria?’
A “Volta” portuguesa, tal como está, não se compreende. A edição-príncipe, de que me sirvo fora impressa em 1652, oito anos depois da morte de Guevara! Por ora só direi que a edição de 1652 erra também em colocar a “Volta lª “ em boca de “Inês”, como se fosse um improviso dela. Acho preferível fazermos entrar a Amante de voz baixa apenas na ‘repetição’ do refrão, que é um apelo ao bem ausente, como quem, meio adormecido, começa a sonhar.
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Reconhecendo isso, é que nas edições posteriores, em que substituíram “una letra nueva y buena” por una “letrilha muy buena”, atribuíram positivamente a Inês e Violante juntas, a primeira repetição de “Saudade minha”, como refrão. Em todo o caso, a “saudade” de Inês, o “ausente adorado, o caro penhor meu”, só pode ser Pedro, seu príncipe.
Na fórmula “una letra nueva y buena” creio reconhecer que Guevara ‘não’ pensava de modo algum em atribuir, com licença poética, o monte da “Saudade”, cantado por Inês, ao próprio príncipe. Não pensava em igualá-lo assim a Sancho I, que positivamente escrevera uma linda bailada para sua amada Maria Paes Ribeiro.
Nem houve entre os que se ocupavam de Pedro e Inês, quem se lembrasse de o fazer.
A cena transcrita passou despercebida aos que acreditam no talento poético do neto de Dinis, e lhe atribuem pálidos e artificiosos versos forjados no século XVII, e outros verdadeiros, mas alheios, do século XV». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, A Saudade Portuguesa. Divagações filológicas e Literar-Históricas em volta de Inês de Castro e do Cantar Velho, “Saudade minha – quanto te veria?”, Colecção Filosofia & Ensaios, Guimarães Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-665-397-5.
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT