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«O génio versátil de Góis, embora não fosse invulgar naquele tempo, era
notável. Assim, por exemplo, revelava um excelente domínio de complicados
assuntos económicos, que possivelmente adquirira na sua experiência juvenil da
economia florescente e da luxuosa sociedade de Portugal. Durante os anos da
adolescência Góis ficava muitas vezes maravilhado a contemplar o oceano, e à
espera que os navios carregados com mercadorias de outras terras entrassem no
porto. Ninguém, pensava ele, que não «os tivesse visto e tocado» podia imaginar
a enorme quantidade e variedade de importações armazenadas na feitoria de Lisboa.
Observava que, em certos dias, as transacções atingiam tais proporções que o
tesoureiro, incapaz de controlar todo o dinheiro, tinha que fechar e dar o
negócio por encerrado. Por outro lado, ainda cedo na vida, Gois aprendeu também
a conhecer os perigos duma economia explorada ao extremo. Se se perdia um
navio, fosse por causa duma tempestade, fosse por ataque dos piratas, o
orçamento real ficava seriamente desequilibrado porque as despesas eram enormes
e Manuel I, contrário à sua redução, recorria a perigosas especulações financeiras.
Durante o seu reinado a bandeira portuguesa estava arvorada em muitas
terras distantes nos três continentes. Nunca até então tinha um rei português
alargado o seu poder a tão vasto território. Mas o carácter do rei que chefiava
Portugal nesta imensa conquista permanece um tanto ou quanto dúbio e Damião de
Góis, cuja lealdade e dedicação a Manuel I se não podem pôr em dúvida, não
escondeu nos seus escritos o lado mais sombrio da personalidade do rei. Teve
fortes palavras de censura para a ingratidão de Manuel I para com Duarte Pacheco
Pereira, herói do ultramar que o rei puniu severamente, baseado em falsas
acusações; Gois também citou as amargas palavras de Albuquerque depois de ter
perdido as boas graças do rei:
“... alevantou has mãos pera ho çeo dizendo em alta voz, Deos seja
louvado, mal com hos homës per amor delRei, mal com elRei per amor dos homës”.
Outra mancha no nome do rei resultou da expulsão dos Judeus que não se converteram
ao Cristianismo e do decreto cruel que determinava que os filhos lhes fossem
tirados. Manuel I, agindo talvez contra o íntimo da sua consciência (pois até
ali ele tinha tratado bastante bem os Judeus) e contra os avisos do seu
conselho, submetera-se desta vez, aos desejos da princesa espanhola D. Isabel,
que ele tencionava desposar, na esperança de que a Espanha viesse um dia a ser
incorporada em Portugal.
Os conselheiros já tinham avisado Manuel I de que o Tesouro necessitava
do tributo pago pelos Judeus pois que, apesar das riquezas que dimanavam do
Oriente, as finanças do rei andavam num caos permanente. Isso era devido em
parte às grandes despesas acarretadas na preparação de armadas que se enviavam
além-mar, não só para trazerem especiarias, drogas e outros artigos de que
havia grande procura na Europa, como também para salvaguardar as possessões
portuguesas espalhadas pelo mundo fora. Mas também era em parte porque o rei gostava
de exibir riqueza e poder; como foi dito atrás, enchia o luxuoso palácio de
materiais preciosos importados do estrangeiro.
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Não se contentava em informar o
Papa das suas conquistas e navegações em cartas que eram posteriormente
traduzidas em várias línguas, ou mesmo em mandar ao Santo Padre presentes raros
como elefantes e rinocerontes, para que fossem vistos e admirados por muitos europeus,
mas queria também deixar monumentos duradouros para a posteridade. Antes dele
nenhum rei português tinha contratado tantos e tão excelsos artistas. Gastando
o dinheiro tão depressa como ele entrava, dependia do apoio financeiro de
banqueiros alemães e italianos que investiam dinheiro nas expedições
portugueses. A situação não melhorou grandemente depois de Manuel I abrir uma
feitoria em Antuérpia em 1505; na verdade, esses mesmos mercadores participavam
na distribuição de mercadorias da Flandres para o resto da Europa. Damião de
Góis, que estudava esses métodos de perto, criticava as manipulações
financeiras de Manuel I, que incluíam mudanças súbitas de moeda, as quais, a
seu ver, só contribuíam para aumentar a confusão». In Elisabeth Feist Hirsch,
Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.
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