domingo, 29 de abril de 2012

Trindade Coelho na História e nas Letras. Luís Afonso Ruivo. «Uma vida opaca, fechada, sem horizontes, longe da sua família e do contacto sadio da natureza que ele amava, teria contribuído para ele classificar de "seis anos miseráveis, os seis anos de colégio, de uma obediência estúpida e passiva, sempre ao toque da sineta, eu e mais alguns trezentos!"»


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«Trindade Coelho vinha duma terra privilegiada, onde os montes parecem cismar, as fontes são cristalinas, as águas descendo das serras cantam e convidam a adormecer e sonhar e, na Primavera, as searas ondejam e o homem nasce com apego à terra, onde os dois rios Sabor e Douro, lhe oferecem, para se rever, o espelho de suas águas e se cultiva o amor ao trabalho, desbravando montes com um esforço teimoso e constante, nos campos, com uma actividade que é um exemplo.
Por aqui e por além, o frondoso castanheiro, o olmo, o pinho, os vinhedos, igrejas e ermidas com a sua cor alvimitente, a cor das coisas santas, a deixar cair, sobre os campos, a sua bênção, espiritualizando, assim, a paisagem e os homens.
Agora, no colégio, Trindade Coelho segregado do mundo. Uma vida opaca, fechada, sem horizontes, longe da sua família e do contacto sadio da natureza que ele amava, teria contribuído para ele classificar de "seis anos miseráveis, os seis anos de colégio, de uma obediência estúpida e passiva, sempre ao toque da sineta, eu e mais alguns trezentos!"
Mas acrescenta ele, logo a seguir: Dei-me sempre bem com os meus companheiros, que me chamavam o "Mogadouro" e ao director tinha-lhe medo e aos prefeitos e professores, e eles não se faziam amar... Mas, mais adiante: "o director era bom e diziam que era meu amigo e que me apontava aos outros como bom estudante e, no último ano, não quis aparecer quando chegou a hora de me despedir, mandou-me presentes e dizem que ele chorou".
Durante o curso, não caiu nas boas graças de alguns professores, chegando mesmo a não o proporem para exame, estando ele bem preparado, segundo ele diz, tendo havido, vejam lá!, quem o recomendasse para não ser aprovado. .. Mas ficou distinto.
Apesar deste pouco interesse por parte de alguns professores, fez os preparatórios todos, distinguindo-se em algumas disciplinas.
No colégio, revelara já um certo jeito para as letras e tornou-se conhecido, mesmo por alguns escritores, como Camilo Castelo Branco.
Seu pai não gostava que escrevesse e foi mesmo aconselhado a que:
  • "se desejava conservar inabaláveis os seus bons princípios e sempre pura a consciência, se não abalança, se a afrontar os perigos que lhe oferecia a vida de jornalista...
Este conselho é um verdadeiro conselho amigo.
A alegria que sentiu ao publicar o seu primeiro trabalho literário sobre o "cepticismo", somada às vitórias alcançadas pelo seu "engenho e arte" levaram-no, algumas vezes, a fazer exame, "à sorrelfa", contra as indicações dos professores, passando, apesar de tudo, com distinção e conquistando vários prémios e diplomas.

Do colégio foi Trindade Coelho, directamente, para Coimbra, matricular-se na Faculdade de Direito.
Coimbra cresceu e foi edificada, à sombra da Universidade, com as suas praxes, boémias e repúblicas, evocada e cantada por poetas e escritores. Aí, parece que até as árvores do choupal cismam e meditam.
A cidade tem a seus pés um rio de sonho; nos flancos, encostas de um declive indolente, donde se divisam montes de recortes vigorosos, colinas de ondulações suaves e delicadas, campos vastos e férteis, até onde a vista alcança.
A sua paisagem é curiosa, interessante.
Lá para as bandas de leste, o horizonte fechado pelo reposteiro das serranias da Beira, majestoso e severo; a caminho do mar é triste, mas doce. Há um quê de melancolia nas coisas; as águas do Mondego deslizam, tímidas, e as árvores afiguram-se-nos trementes de comoção.
Esta terra, para quem lá passou é "uma saudade".
Com ela se identificou, de certa maneira, Trindade Coelho. Como ele foi delicado, amável, austero na prática dos seus deveres, intransigente e severo no culto da sua dignidade e da sua honra. Era forte e tenaz na luta, pondo sempre o seu amor e a sua inteligência ao serviço da defesa de acções justas.
Como Coimbra ficava a 200 quilómetros de Trás-os-Montes, "o meio de transporte, nesse tempo, era em cima dum macho, também portador de alforges atacados de meranda".

Mogadouro, segundo Duarte D’Armas
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Depois das recomendações, repassadas de emoção, a "caravana" dos académicos arrancava para a cidade do Mondego, onde chegava, passados oito ou mais dias, e aí se instalava, numa república de transmontanos». In Luís Afonso Ruivo, Trindade Coelho na História e nas Letras, tipografia Artegráfica Brigantina, Bragança, 1993.

Cortesia Tipografia Artegráfica Brigantina/JDACT