segunda-feira, 7 de maio de 2012

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte IX. «João III via, pois, no casamento da irmã com o delfim uma forma de selar a união política que lhe permitiria controlar as pilhagens francesas nos mares e, apesar de haver passado dois anos sobre a data estipulada em Madrid, em 1535 este plano estava ainda de pé»



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A "Sempre-Noiva”. Política matrimonial e diplomacia paralela
«A justificação para o epíteto de "sempre-Noiva" com que Carolina Michaëlis de Vasconcelos baptizou D. Maria foi sempre baseada em dois estigmas que condicionavam a visão da personalidade da Infanta: a sua enorme fortuna e os interesses políticos adversos. Estas não são razões menores, o erário estava depauperado com os incontáveis gastos dos três casamentos reais, o de Manuel I com D. Leonor em 1518, o de João III com D. Catarina em 1525, e o de Carlos V com D. Isabel em 1526, com a questão das Molucas e as constantes perdas financeiras envolvendo o Império e as considerações político-diplomáticas jogaram aqui um papel importante. No entanto, elas não foram razões exclusivas.
O dote da Infanta era avultadíssimo, de facto, e havia duas faces da mesma moeda a considerar. Se por um lado o erário não podia suportar tal perda, por outro, o enorme dote devido a D. Maria iria engrandecer monetariamente outro Estado, cuja aliança teria de, indubitavelmente, beneficiar Portugal. De qualquer forma, não havia em Portugal pessoa nobre que pudesse casar com a Infanta, quer pela sua cultura e condição que, acima de tudo, pela sua fortuna. Assim, desde muito cedo se lhe procurou noivo fora do reino.
Em 1526 (14 de Janeiro, no Tratado de Madrid, pelo qual se definira o contrato de casamento entre Francisco I e D. Leonor), Carlos V que acabara de infligir uma pesada derrota e humilhação pessoal ao rei dos franceses na Batalha de Pavia, julgava poder dominar o seu arqui-inimigo. Concede, então, à irmã a única cláusula por ela pedida e que estipulava o casamento do delfim Francisco, filho primogénito do rei francês, com D. Maria, a concretizar-se em 1533, altura em que ambos teriam já completado os 12 anos.
Francisco I revelar-se-ia bastante mais intransigente, e nem o consórcio apaziguador com D. Leonor o afasta do desejo de guerrear com Carlos V Ao longo de toda a década de 30, volta a provocar e prejudicar os interesses dos Habsburgo e, também, de Portugal. Estes factos não o impedem de fazer a esperada proposta a João III. Numa carta deste a Bernardim de Távora, que estava na corte francesa para felicitar o rei pelo casamento do seu filho Henrique com Catarina de Médicis e desejar as melhoras à rainha D. Leonor na sua doença, confessava que:
  • Nos dias passados Honorato de Caiz veo a mi e me cometteo Casamento da Infante minha Irmaã para hum filho de El Rey de França e assi que nos comcertacemos nas navegaçoens dos Mares; que eu quizesse que se vendessem em França certas especiarias, e porque nestes tempos sempre os Francezes fizeraõ roubos, e tomadas a meus Vassalos e nunca se fez justiça [...] Vos dareis essa carta minha de crença a El Rey de França e lhe direis que ouvi o que Honorato de Caiz Seu Embaixador me disse, e porque dezejo muito conservar sua amizade e assi por cumprir o que os Reys […] devem a Deos me pareceo bem de lhe pedir e muito lhe rogar o que já outras vezes lhe tenho pedido e rogado; que elle queira ver como estas couzas de entre os seus Vassalos e os meus passaõ [...] daria muy grandes castigos, aos que assi lhe dizem o que nam hé, mas se espantaria muito de tamanhos roubos e damnos como se fazem a meus Vassalos.
João III via, pois, no casamento da irmã com o delfim uma forma de selar a união política que lhe permitiria controlar as pilhagens francesas nos mares e, apesar de haver passado dois anos sobre a data estipulada em Madrid, em 1535 este plano estava ainda de pé. Contudo, as fortes pressões de Carlos V, que encontrava no avultado dote da Infanta o financiamento da guerra francesa, dificultaram o plano do rei português, ou pelo menos delongaram as decisões por todos estes anos.

NOTA: O que não impede João III de fazer uma proposta muito mais vantajosa para os seus descendentes directos, escusando-se que por não tirar dinheiro de meus Reynos não queria outra liança senão a sua e a dos seus. Ou seja, é numa carta cuja função é o pedido de Honorato de Caix da mão da princesa D. Maria para o delfim francês que o rei toca pela primeira vez com Carlos V num assunto que verdadeiramente lhe interessa […]

A negociação diplomática desta questão terá sido definitivamente minada quando o imperador fez saber que a disputa sobre o Ducado de Milão resultara de um pedido de João III». 
In A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT