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A "Sempre-Noiva”. Política matrimonial e diplomacia paralela
«A justificação para o epíteto de "sempre-Noiva"
com que Carolina Michaëlis de Vasconcelos baptizou D. Maria foi sempre baseada
em dois estigmas que condicionavam a visão da personalidade da Infanta: a sua
enorme fortuna e os interesses políticos adversos. Estas não são razões menores,
o erário estava depauperado com os incontáveis gastos dos três casamentos reais,
o de Manuel I com D. Leonor em 1518, o de João III com D. Catarina em 1525, e o
de Carlos V com D. Isabel em 1526, com a questão das Molucas e as constantes
perdas financeiras envolvendo o Império e as considerações
político-diplomáticas jogaram aqui um papel importante. No entanto, elas não
foram razões exclusivas.
O dote da Infanta era avultadíssimo, de facto, e havia duas
faces da mesma moeda a considerar. Se por um lado o erário não podia suportar
tal perda, por outro, o enorme dote devido a D. Maria iria engrandecer monetariamente
outro Estado, cuja aliança teria de, indubitavelmente, beneficiar Portugal. De
qualquer forma, não havia em Portugal pessoa nobre que pudesse casar com a
Infanta, quer pela sua cultura e condição que, acima de tudo, pela sua fortuna.
Assim, desde muito cedo se lhe procurou noivo fora do reino.
Em 1526 (14 de Janeiro, no Tratado de Madrid, pelo qual se definira
o contrato de casamento entre Francisco I e D. Leonor), Carlos V que acabara de
infligir uma pesada derrota e humilhação pessoal ao rei dos franceses na
Batalha de Pavia, julgava poder dominar o seu arqui-inimigo. Concede, então, à
irmã a única cláusula por ela pedida e que estipulava o casamento do delfim
Francisco, filho primogénito do rei francês, com D. Maria, a concretizar-se em
1533, altura em que ambos teriam já completado os 12 anos.
Francisco I revelar-se-ia bastante mais intransigente, e nem
o consórcio apaziguador com D. Leonor o afasta do desejo de guerrear com Carlos
V Ao longo de toda a década de 30, volta a provocar e prejudicar os interesses
dos Habsburgo e, também, de Portugal. Estes factos não o impedem de fazer a
esperada proposta a João III. Numa carta deste a Bernardim de Távora, que
estava na corte francesa para felicitar o rei pelo casamento do seu filho
Henrique com Catarina de Médicis e desejar as melhoras à rainha D. Leonor na
sua doença, confessava que:
- Nos dias passados Honorato de Caiz veo a mi e me cometteo Casamento da Infante minha Irmaã para hum filho de El Rey de França e assi que nos comcertacemos nas navegaçoens dos Mares; que eu quizesse que se vendessem em França certas especiarias, e porque nestes tempos sempre os Francezes fizeraõ roubos, e tomadas a meus Vassalos e nunca se fez justiça [...] Vos dareis essa carta minha de crença a El Rey de França e lhe direis que ouvi o que Honorato de Caiz Seu Embaixador me disse, e porque dezejo muito conservar sua amizade e assi por cumprir o que os Reys […] devem a Deos me pareceo bem de lhe pedir e muito lhe rogar o que já outras vezes lhe tenho pedido e rogado; que elle queira ver como estas couzas de entre os seus Vassalos e os meus passaõ [...] daria muy grandes castigos, aos que assi lhe dizem o que nam hé, mas se espantaria muito de tamanhos roubos e damnos como se fazem a meus Vassalos.
João III via, pois, no casamento da irmã com o delfim uma
forma de selar a união política que lhe permitiria controlar as pilhagens
francesas nos mares e, apesar de haver passado dois anos sobre a data estipulada
em Madrid, em 1535 este plano estava ainda de pé. Contudo, as fortes pressões
de Carlos V, que encontrava no avultado dote da Infanta o financiamento da
guerra francesa, dificultaram o plano do rei português, ou pelo menos
delongaram as decisões por todos estes anos.
NOTA: O que não impede João III de fazer uma proposta muito
mais vantajosa para os seus descendentes directos, escusando-se que por não
tirar dinheiro de meus Reynos não queria outra liança senão a sua e a dos seus.
Ou seja, é numa carta cuja função é o pedido de Honorato de Caix da mão da
princesa D. Maria para o delfim francês que o rei toca pela primeira vez com Carlos
V num assunto que verdadeiramente lhe interessa […]
A negociação diplomática desta questão terá sido
definitivamente minada quando o imperador fez saber que a disputa sobre o
Ducado de Milão resultara de um pedido de João III».
In Carla Alferes
Pinto, A Infanta dona
Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998,
ISBN 972-9440-90-5.
Cortesia
da Fundação Oriente/JDACT