domingo, 10 de junho de 2012

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte X. «João III recebe o embaixador com algum entusiasmo; mera aparência, segundo o biógrafo da Infanta, já que as razões financeiras pesaram mais. O rei responde [...] a pouca idade da Infanta e o facto de não estar ainda ajustado qual o montante do dote que lhe era devido»



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«O certo é que o delfim morreu, nesse mesmo ano, em circunstâncias assaz misteriosas, diz-se que envenenado, tendo por tal crime sido julgado Montecuculi em grande assembleia que Francisco I fez, reunir em Lyon a 25 de Setembro de 1536.
Ainda antes destes acontecimentos, o tio de D. Maria procurara noiva para o seu filho herdeiro, Maximiliano, encontrando na Infanta princesa ideal para esse consórcio. De facto, Fernando não achou qualquer outro obstáculo que não a idade da Infanta, cerca de 11 anos, contornável, aliás, pelo tempo que as dispensas papais, as negociações políticas, os contratos diplomáticos e as bençãos reais iriam levar. Assim, o soberano despacha a Lisboa o monsenhor de Lourdes, com a especial incumbência de propor o "negócio" a João III e mostrar-lhe o quão vantajoso seria para sua irmã e para ele próprio como rei de Portugal. João III recebe o embaixador com algum entusiasmo: mera aparência, segundo o biógrafo da Infanta, já que as razões financeiras pesaram mais. O rei responde mais tarde com dois argumentos que fariam dilatar as negociações: a pouca idade da Infanta e o facto de não estar ainda ajustado qual o montante do dote que lhe era devido. Maximiliano acabaria por casar com Maria, filha de Carlos V e de Isabel de Portugal, em 1548,quando a princesa contava já 20 anos, e mais de l5 depois destas negociações.
17 de Maio de 1536 é a data de uma carta de Álvaro Mendes de Vasconcelos, embaixador de João III na corte do imperador. Nela, o embaixador conta como foi chamado junto a Carlos V e informado que:
  • sobre o casamento da Iffante Vossa Irmã. Com o Delfim [...] a rezão de seer estava perdida e para se não dever de falar nisso e para se não buscar tão danada aliança como Vossa Alteza bem via e que vistas estas rezões que se tão manifestamente descobrião e olhando as ditas novas de Inglaterra tão ordenadas por Deos.
Daqui se conclui que Carlos V via de bom grado uma aliança matrimonial de um membro da sua família com Henrique VIII, rei que havia dez anos repudiara sua tia, Catarina de Aragão, mas que a lógica de Estado obrigava a trazer para a sua esfera de influência face às constantes hesitações na diplomacia externa do Tudor. A carta segue dizendo:
  • ElRey de Inglaterra ficava como lhe escreve seu embaixador livre, e com muito desejo de casar e de maneira que não pode negar a Princesa de filha legitima herdeira [...] que se lhe bem estiver casar com a Senhora Iffante Vossa Irmã e Por Vos a Princesa para o Iffante Dom Luis que elle o falará com Vossa Alteza e que confia tanto em Vossa Amizade que cre que fareis nisto o que vos elle pedir.
Uma das vantagens desta dupla união, e argumento que calaria os protestos de João III, estava no facto de o dote que Henrique VIII receberia pelo casamento com a Infanta ser imediatamente devolvido pelo casamento de Maria Tudor com o infante Luís. Acrescentava ainda:
  • Que a Iffante nanqua parirà ficarà o Iffante Dom Luis Rey de Inglaterra que he a melhor cousa do mundo, e se parir fica o Ifante Dom Luis rnuito bem casado.
Henrique VIII também teria algo a ganhar, já que:
  • [o] Emperador tinha falado ao Papa e faria que tudo se acabasse bem que me afirmava que EIRey de Inglaterra era bom cristão, e de bons respeitos e bem inclinado.
A razão de semelhante interesse por parte de Carlos V em ter um membro da sua família junto de Henrique VIII é explicada mais adiante na carta:
  • porque sem duvida elle o espera e deseja que Vossa Alteza mande ir seus embaixadores quando elle mandar vir [de França] os seus que serà muito sedo segundo as cousas vão. E o quando mandarà vir o dito seu embaixador e quando mandarà apregoar a guerra ainda não està nomeado o dia mas diz oEmperador que mui prestes mo dirà e se farà.
Os factos confirmam que esta proposta era unilateral, tendo sido tratada primeiro com os diplomatas portugueses e .só depois comunicada para Inglaterra. Com efeito, o mês de Maio de 1536 foi para Henrique VIII de tal forma célere e bizarro que confundiria qualquer diplomata, até o mais avisado: a 19 faz executar Ana Bolena e ainda antes do fim do mês casa com Jane Seymour que também não seria rainha de Inglaterra por muito tempo, desta vez mais por culpa da incipiente medicina dos Tudor que por capricho real. Jane conseguira gerar o varão que Henrique tanto ambicionava e este custou-lhe a vida: Eduardo nasce a 12 de Outubro e ela morre a 24, no ano de 1537».  
In A Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.