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A Civilização Islâmica e o Gharb al-Ândalus
«A civilização islâmica
que durante quinhentos anos se expandiu em boa parte do actual território
português abria o Andaluz à margem sul do Mediterrâneo, ao Mali e ao Senegal,
ao Próximo Oriente e daí ao Oriente Médio, à Pérsia, à Índia, à Indonésia, à
China. Dito de outro modo, o Andaluz integrava-se no mundo descontínuo das
viagens vividas e relatadas, um a dois séculos mais tarde, por Ibn Battuta.
Para o Próximo Oriente,
as caravanas terrestres seguiam pela estrada norte-africana: Marrocos, Argel,
Tunísia, Egipto. Demoravam dois a três meses. Aí começavam novas rotas orientais.
A rota da seda unia a China ao Próximo Oriente. Atravessava os desfiladeiros do
Pamir e seguia por Samarcanda e Bucara no Turquestão, por Hamadan na Pérsia. Em
Bagdade bifurcava-se em dois braços: um alcançava Constantinopla e o Mediterrâneo;
o outro, a Arábia e a África. Da Península Ibérica, os barcos partiam em
comboio na Primavera e regressavam do Oriente no Outono.
No começo do século XII
havia navegação directa de Sevilha ou de Almeria para Alexandria, navegações
que dão razão às informações da Carta a Osberno sobre o comércio da
Lisboa muçulmana.
No Velho Mundo, sem
falar no Império do Meio, o Islão surgia como a construção mais dinâmica face a
outros blocos com os quais tinha correspondência: o bloco de Bizâncio e o da
Europa ocidental cristã. A correspondência não era só a das armas, mas a do
comércio, a da importação de homens, de ideias, de técnicas, de plantas e
animais e, no caso de Bizâncio, de livros e de artigos preciosos.
O movimento de difusão
cultural seguia o curso do comércio. O Irão, onde antes se implantara o Império
Sassânida, revelar-se-ia como um alfobre neste mundo medieval islâmico. A sua
influência fez-se sentir no comércio, nas técnicas, nas ciências, na farmácia,
na arte, nos temas literários, na música, nas técnicas agrícolas, nos gostos culinários4.
Mas não é possível esquecer a influência da Síria e sobretudo do Iraque.
Durante algum tempo, a sua presença cultural foi hegemónica no Andaluz quer
pelo modelo estatal abácida desenvolvido pelos emires andaluzes desde Abderramão
II quer pela importação de quadros culturais, de traduções de autores gregos e
de outras obras originais de filósofos e homens de saber.
Civilização urbana, onde
o poder político e militar assentava, em boa medida, nos grupos tribais e
clânicos, o Islão era um corpo imenso pontuado por uma constelação de cidades,
escalas ou pontos de chegada das rotas comerciais que iam de Sevilha a
Tombuctu, a Tunes e ao Cairo e daí às grandes cidades da Ásia.
Nestes centros urbanos
laboravam artífices, lojistas e mercadores de longo curso. Alimentavam-se da
produção agrícola do alfoz ou termo, pontuado por aldeias camponesas. O modelo
agrícola, favorecido no Andaluz, incentivava a arboricultura, com predomínio da
figueira, da oliveira, da vinha e de plantas exóticas como a romazeira;
desenvolvia a agricultura de regadio que deixou as suas marcas no Ribatejo, no
Alentejo, no Algarve e nos poetas do Andaluz; intensificou a ganadaria, em
particular a ovina. O Calendário de Córdova do ano 961 retrata admiravelmente
esta agricultura de hortas onde vicejam as primeiras canas de açúcar e os
jardins com as suas rosas e lírios.
A importância social do
comércio reflecte-se na protecção que a Lei Islâmica dispensava aos viajantes e
na estrutura das cidades que se dilatavam pelos seus arrabaldes ou bairros: no centro,
ficava a rua mercantil, o ‘suk’, e, no meio do suk, a mesquita aljama ou
maior, local de oração e reunião, tesouro pio e escola. E ao longo das rotas
sucediam-se os alfunduques (alfândegas) ou depósitos de mercadorias, as
albergarias, as caxarias ou entrepostos fechados onde se guardavam as mercadorias
preciosas.
Coimbra, Lisboa,
Santarém, Alcácer do Sal, Évora, Elvas, Beja, Mértola, Faro, Tavira, Silves
foram algumas destas cidades islâmicas. Os forais de tipo Évora falam em
aldeias povoadas. Beja era famosa pelos seus couros e o artesanato de algodão.
O poeta e sufi Al-Mertuli evocou num poema o pregoeiro das caravanas. Lisboa
distinguia-se pelo comércio, a navegação e a riqueza do seu estuário. Numa
descrição geográfica muçulmana, conservada na Biblioteca do Palácio Real de
Madrid, Lisboa surge, entre as cidades do Andaluz, logo a seguir a Sevilha e
Córdova e ao lado de Málaga, Granada, Almeria, Cartagena, Játiva, Alcântara,
Toledo.
As elites olhavam o
Oriente como a luz e o modelo. Para lá voltavam o ‘mimbar’ das suas mesquitas e
a cabeça dos seus mortos. Os hispano-romanos muçulmanos inventavam antepassados
árabes. Esta penetração oriental processava-se por três vias: a peregrinação
aos lugares santos, o comércio e as viagens de estudo. Durante dois séculos
centenas de peninsulares viajaram para Cairuane, Alexandria, Damasco ou Bagdade
para aprender com os mestres orientais o direito, a medicina, a geografia, a
astronomia, a teologia, a filosofia. Mas, depois dos meados do século X,
passa-se da fase receptiva à fase criadora. E as viagens de estudo voltam-se agora
também e muito para Ocidente». In António Borges Coelho, Instituto Camões, Colecção
Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
continua
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