segunda-feira, 16 de julho de 2012

Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português. Alcina Martins. «A ‘questão religiosa’ assume neste contexto uma dimensão particular, ainda reforçada com os movimentos republicano e socialista que se organizam na década de setenta do século XIX»


jdact

«A fragmentação da ‘Questão Social’ em vários ‘problemas sociais’; e criação de instituições e serviços especializados, com o objectivo de atenderem a esses problemas, legitimados na sociedade burguesa, sob a óptica da individualização e da psicologia das relações sociais; o fraccionamento da intervenção política em políticas económicas, industriais e sociais, exigem a emergência de novos profissionais. As ‘profissões sociais’ surgem nos finais do século XIX e princípios do século XX para regularem essas políticas bem como o acesso aos serviços e às várias medidas de política, agora criadas; elas davam, assim, uma resposta à situação das classes trabalhadoras e contribuíram simultaneamente para atenuar as tensões sociais. A profissão de Serviço Social insere-se, deste modo, na divisão sociotécnica do trabalho, sendo socialmente determinada por esta etapa do desenvolvimento capitalista.
Em Portugal, a laicização da sociedade associada ao positivismo e ao cientismo reflecte-se no desenvolvimento das ciências médicas e sociais, na constituição de serviços sociais, públicos e privados, na génese e na emergência do Serviço Social e no movimento de o instituir nesses serviços. Por outro lado, o processo de recristianização da sociedade portuguesa e o corporativismo condicionaram todo o movimento de institucionalização do Serviço Social, quer ao nível da fundação das suas escolas, quer ao nível da formação e do desenvolvimento da profissão até 1945.
O positivismo e o laicismo constituem o movimento cujo primeiro alvo é o de combater a influência da Igreja na política e na sociedade portuguesa. O significado do termo laico, utilizado em Portugal em princípios do século XX, segundo Fernando Catroga, concerne ao ‘movimento que pretendeu não só demarcar as esferas da sociedade civil e religiosa, mas também contrapor a esta última uma concepção dessacralizadora do universo, da história e do homem, em ordem a superar e substituir a religião em todas as suas dimensões: cultural, institucional e sociabilitária’.
A ‘questão religiosa’ assume neste contexto uma dimensão particular, ainda reforçada com os movimentos republicano e socialista que se organizam na década de setenta do século XIX.
Ainda segundo Fernando Catroga, a par da descristianização caracterizada pela ‘recessão da prática religiosa do cristianismo, recessão do domínio do clero sobre a vida e as práticas cristãs e do controlo confessional sobre avida social dos crentes, recessão do sagrado como quadro de referência da vida profana e dos valores normativos em detrimento da liberdade de pensamento e da acção’ e da secularização que se traduz na dessacralização da razão, da natureza, do homem e do tempo histórico, que surge como uma contestação militante apostada em pôr em causa a força institucional, cultural e simbólica do cristianismo e do catolicismo, assiste-se à laicização que representa uma versão mais militante e radical destas práticas.
O laicismo, na vertente anticlerical e anti-religiosa, ‘postulava a invocação da ciência entendida como a forma definitiva do saber humano’ e como meio explicativo do universo.
A Ciência utilizada, sobretudo como uma ideologia, contribuía para a desalienação dos homens, constituindo o cientismo um dos principais pilares do laicismo. A crença na ciência, pautada nas grandes descobertas científicas e nos sucessos da Física, da Química e da Biologia, estende-se à sociedade, acreditando-se que a evolução da humanidade atingiria o estádio em que todos os fenómenos, incluindo os de carácter social, teriam uma explicação baseada nos cânones da teoria do conhecimento». In Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, ISBN 972-31-0832-1.

A amizade de Julieta Feliz
Cortesia da F. C. Gulbenkian/JDACT