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Descobertas e Expansão
«A literatura africana de
expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV,
época em que os portugueses iniciaram a rota da África, polarizada depois pela
Ásia, Oceânia, Américas. A historiografia e a literatura portuguesas, sob a
óptica expansionista, testemunham o «esforço lusíada» da época renascentista.
Cronistas, poetas,
historiadores, escritores de viagem, homens de ciência, pensadores,
missionários, viajantes, exploradores, enobreceram a cultura portuguesa e, em muitos
aspectos, colocaram-na ao nível da ciência e das grandes literaturas europeias.
Gomes Eanes de Zurara,
João de Barros, Diogo do Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis,
Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira, são alguns dos nomes cujo discurso é
alimentado do «saber de experiência feito» alcançado a partir do século XV, em
declínio já no século XVII e esgotado no século XVII.
A obra de um Gil Vicente
ou, embora escassamente, a de poetas do Cancioneiro, ao lado das «coisas
de folgar», foram marcadas pela Expansão ao longo dos «bárbaros reinos».
Estamos, assim, a referir uma literatura feita por portugueses, fruto da
aventura no Além-Mar, no período renascentista. Hernâni Cidade e outros glorificam-na
no espírito da dilatação da «Fé e o Império» (A literatura portuguesa e a
expansão ultramarina, 1963 e 1964). Chamemos-lhe a literatura das Descobertas
e Expansão.
É evidente que esta
literatura, nascida de uma experiência planetária, numa época em que o mundo cristão
reconhecia o direito à dominação, à depredação e até à barbárie (a cruz numa
mão, e a espada noutra) nada tem a ver com a literatura africana de expressão portuguesa.
Este registo destina-se apenas ou, sobretudo, a retermos factos longinquamente relacionados
com o quadro cultural e político que, séculos depois, havia de surgir, e é a
razão primeira destas páginas.
Quando e como surgiu a
literatura africana de expressão portuguesa? E como se desenvolveu?
Os portugueses chegaram
à Foz do Zaire em 1482 e, em 1575, fundaram a primeira povoação portuguesa, São
Paulo de Assunção de Loanda, hoje capital de Angola. Dos primeiros contactos
com o Reino do Congo dá-nos testemunho a correspondência trocada entre os reis
do Congo e os reis de Portugal, além de documentos, como os relatórios dos
padres jesuítas de Angola. Mas o aparecimento de uma actividade cultural regular
na África associa-se intimamente à criação e desenvolvimento do ensino oficial
e ao alargamento do ensino particular ou oficializado, à liberdade de expressão
e à instalação do prelo, que se registam a partir dos anos quarenta do século XIX.
Literatura Colonial
Com efeito, quatro anos
apenas após a instalação do prelo em Angola ocorre a publicação do livro Espontaneidades
da minha alma (1849), do angolano, mestiço ao que parece, José da Silva
Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona. O primeiro livro
impresso mas não a mais antiga obra literária de autor africano. Por pesquisas
que recentemente levámos a cabo é anterior àquele, pelo menos, o poemeto da cabo-verdiana
Antónia Gertrudes Pusich, Elegia à memória das infelizes victimas
assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844,
publicado em Lisboa no mesmo ano. Entretanto não será deslocado citarmos o Tratado
breve dos reinos (ou rios) da Guiné, escrito em 1594, da autoria do
cabo-verdiano André Alvares de Almada; e de origem cabo-verdiana se supõe ser
André Dornelas, autor do século XVI, que assina uma descrição da Guiné. E até
nós chegou, também, pela pena do historiador António Oliveira Cadornega, o eco
de um poeta satírico, o capitão angolano António Dias Macedo, que «tinha sua
veya de Poeta».
Se a Deos chamão por tu,
e a el Rey chamão por
vós,
como chamaremos nós,
a três que não fazem
hum,
que o povo indiscreto, e
nú
falto de experiência,
fez
em lugar de hum três
que com toda a Cortezia
tú, nem vós, nem
Senhoria
merecem suas mercês
Tal, porém, não nos autoriza a remontarmos as origens
da poesia angolana a tão recuados tempos, como já, com alguma intemperança, se
quis insinuar. Repondo, por isso, a questão com certa objectividade pode
afirmar-se que a literatura africana chama a si mais de um século de
existência. Este longo período de mais de um século de actividade literária
está, porém, contido em duas grandes linhas: a literatura colonial e a literatura
africana de expressão portuguesa. A primeira, a literatura colonial,
define-se essencialmente pelo facto de o centro do universo narrativo ou poético
se vincular ao homem europeu e não ao homem africano. No contexto da literatura
colonial, por décadas exaltada, o homem negro aparece como que por acidente,
por vezes visto paternalisticamente e, quando tal acontece, é já um avanço,
porque a norma é a sua animalização ou coisificação. O branco é elevado à
categoria de herói mítico, o desbravador das terras inóspitas, o portador de uma
cultura superior. Exemplo: «o único país que pode explorar seriamente a África,
é Portugal» (prefácio de Manuel Pinheiro Chagas a Os sertões d’África, 1880,
de Alfredo de Sarmento, onde aliás se pode ler sobre o negro: «É um homem na
forma, mas os instintos são de fera»). Paradoxalmente, o branco é eleito como o
grande sacrificado. A aplicação do ponto de vista colonialista tem no europeu o
agente dinâmico e não o opressor: «Fiel aos nossos deveres de dominador, grata ao
nosso orgulho, útil às populações», escrevia um homem anti-fascista, Augusto
Casimiro (Nova largada, 1929). Predominavam, então, as ideias da
inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam
derramado e para as quais teria contribuido o filósofo Lévy-Bruhl com a sua
tese da mentalidade pre-lógica, sendo certo, embora, que a renunciou pouco
antes de morrer». In
Manuel Ferreira,
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Instituto de Cultura Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto
Camões, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1977.
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